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SERÁ?
Luís Marques Mendes diz lamentar mas compreender os ataques do almirante Henrique Gouveia e Melo.
A explicação é simples e cirúrgica:
“Ele está a descer nas sondagens e eu estou a subir”.
A frase, proferida no passado dia 17 de outubro à margem de uma visita a um evento vínico, tem a marca de fábrica de Marques Mendes – a aparência de moderação razoável que esconde um golpe político certeiro.
Mas será que é assim tão simples?
Será que as críticas de Gouveia e Melo são apenas o desespero de um candidato em queda? Será que Marques Mendes é a vítima inocente de “ataques pessoais”? Ou será que estamos perante mais um exercício de manipulação narrativa típico da “politiquice” nacional que o próprio diz repudiar?
A Verdade das Sondagens
Comecemos pelos factos. A mais recente sondagem da Pitagórica para o JN, TSF, TVI e CNN Portugal, realizada entre 6 e 10 de outubro, revela que Gouveia e Melo lidera com 26,9% das intenções de voto, seguido de Marques Mendes com 20,3% e António José Seguro com 18,4%.
Existe, de facto, um empate técnico (considerando a margem de erro de 4%) entre Marques Mendes e o almirante, mas apenas no limite superior de um e no limite inferior do outro – ou seja, por meras décimas. Na prática, Gouveia e Melo mantém uma vantagem de 6,6 pontos percentuais sobre o candidato apoiado pelo PSD.
Mais relevante ainda: em todos os cenários de segunda volta testados, Gouveia e Melo vence. Contra Marques Mendes, o almirante ganha por 42% a 37% (cinco pontos de diferença). Contra Seguro, por 44% a 37% (sete pontos). E contra Ventura, por uns esmagadores 63% a 15%.
Portanto, dizer que Gouveia e Melo “está a descer” é tecnicamente correcto – em março tinha 35,9%, agora tem 26,9% –, mas omite o essencial: continua na liderança, continua a vencer todos os adversários numa eventual segunda volta, e continua com uma vantagem confortável sobre Marques Mendes.
Por outro lado, dizer que Marques Mendes “está a subir” também é parcialmente verdadeiro – em março tinha 25,5%, agora tem 20,3% –, mas esquece de mencionar que está em empate técnico com António José Seguro na luta pelo segundo lugar.
Ou seja, o verdadeiro combate de Marques Mendes não é já com Gouveia e Melo (que lidera destacado), mas sim com Seguro para garantir o acesso à segunda volta. E nesse combate, a situação está longe de ser confortável para o antigo líder do PSD.
A Hipocrisia da Campanha “Positiva”
Marques Mendes tem repetido até à exaustão que fará uma “campanha positiva e moderada”, que não recorrerá “a ataques pessoais”, que “não se vai descaracterizar” e que “não vai andar a dizer mal de ninguém”. No mesmo fôlego, acusa Gouveia e Melo de se “especializar em, dia sim, dia não, dizer mal de mim e fazer-me ataques pessoais”. Mais: afirma que o almirante “entrou pelos tiques da ‘politiquice’ nacional”, que não fala de soluções mas apenas de “ataques pessoais” e “intrigas”, e que “é por isso que está a perder votos”.
Pergunta-se: não são estas próprias declarações “ataques pessoais”? Não é acusar o adversário de fazer “politiquice”, de estar em queda, de recorrer a intrigas, e de ser movido pelo desespero das sondagens uma forma de… atacar? A diferença é que Marques Mendes domina a arte de atacar enquanto se apresenta como vítima, de desferir golpes enquanto proclama que não responderá “na mesma moeda”. É a velha táctica política de dizer que não se quer falar de algo enquanto se fala precisamente disso.[2]
O comentador Bruno Vieira Amaral, no Observador, foi demolidor: “Eu aposto que Marques Mendes, de cada vez que Gouveia e Melo fala, abre uma garrafa de champanhe, porque percebe que Gouveia e Melo perde cada vez que fala”.
E acrescentou: “Marques Mendes tem todas as razões para estar contente, até por causa das sondagens. Também é curioso como os políticos desvalorizam as sondagens quando estão muito atrás, mas quando as sondagens lhes são favoráveis sacam logo da carta das sondagens para apresentar”.
E foi exactamente isso que Marques Mendes fez: sacou da carta das sondagens para justificar os “ataques” de Gouveia e Melo, enquanto fingia estar acima dessa pequena política.
O Que Gouveia e Melo Realmente Disse
Mas afinal, o que disse Gouveia e Melo que motivou esta reacção de Marques Mendes? Na entrevista à agência Lusa publicada em 17 de outubro, o almirante afirmou que “Marques Mendes vai ficar com uma dívida ao PSD, e essa dívida vai ser-lhe cobrada”.
Explicou: “Sem o PSD não seria eleito. Portanto, ele vai ficar com uma dívida ao PSD. E essa dívida vai ser-lhe cobrada”. Defendeu que um Presidente só pode ser moderador do regime se for isento, e que Portugal não precisa de um “Cavalo de Troia” de um partido.
São estas afirmações “ataques pessoais”? Ou são questões políticas legítimas sobre a independência de um candidato que é apoiado por um partido político e foi ele próprio presidente desse partido? A pergunta de Gouveia e Melo não é uma calúnia – é uma dúvida razoável que qualquer cidadão pode ter: um ex-presidente do PSD, comentador político há anos, apoiado oficialmente pelo PSD, conseguirá exercer a Presidência da República com total independência face ao partido que o elegeu?
Marques Mendes respondeu invocando o exemplo de Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa – todos oriundos de partidos, mas que “depois foram independentes dos partidos, não andaram a fazer favores aos partidos”. É um argumento válido. Mas também é verdade que todos esses Presidentes tiveram, em diversos momentos dos seus mandatos, acusações de favorecerem os seus partidos de origem. Portanto, a questão de Gouveia e Melo não é absurda – é uma preocupação histórica recorrente na democracia portuguesa.
Além disso, Gouveia e Melo fez outra afirmação que incomodou: disse que se revê no modelo de Presidência de Mário Soares, considerando-o “o Presidente que mais gostei e que me revejo nele por diversas coisas, até como ser humano”. Esta declaração foi imediatamente instrumentalizada por André Ventura, que acusou o almirante de ser “cada vez mais o candidato do PS”. Mas será que admirar Mário Soares é um pecado político? Soares foi um dos fundadores da democracia portuguesa, combatente contra o fascismo, um dos arquitetos da entrada de Portugal na CEE. Discordar das suas políticas é legítimo; negar a sua importância histórica é revisionismo.
A Imagem Como Síntese da Contradição
A imagem anexada à pergunta do utilizador mostra Marques Mendes e uma citação sua: “Ficar com dívidas ao PSD? ‘Em matéria de independência, serei como Soares, Cavaco ou Marcelo’, responde Marques Mendes”. É uma declaração que pretende tranquilizar, mas que, involuntariamente, confirma o problema que Gouveia e Melo identificou: Marques Mendes tem de se justificar, tem de garantir que será independente, tem de invocar exemplos passados – precisamente porque a dúvida existe e é legítima.
Se Marques Mendes fosse verdadeiramente um candidato independente (como Gouveia e Melo, que não tem apoio partidário formal), não precisaria de se defender desta acusação. A necessidade de defesa prova que a acusação tem fundamento. E responder com “ele está a descer nas sondagens e eu estou a subir” não é uma resposta – é uma evasão disfarçada de superioridade.
Será?
Será que Gouveia e Melo ataca Marques Mendes por desespero das sondagens? Ou será que levanta questões incómodas mas legítimas sobre independência partidária que Marques Mendes prefere não responder directamente?
Será que Marques Mendes está realmente a fazer uma “campanha positiva”? Ou será que domina a arte de atacar enquanto finge que não ataca?
Será que a narrativa de que Gouveia e Melo “está a descer” e Marques Mendes “está a subir” corresponde à realidade? Ou será que omite que o almirante continua na frente, que vence todos numa segunda volta, e que Marques Mendes está em empate técnico com Seguro?
Será que os portugueses querem um Presidente com décadas de experiência político-partidária? Ou será que preferem alguém sem ligações formais aos partidos?
A única certeza é esta: quando um político diz que lamenta mas compreende os ataques do adversário porque “ele está a descer e eu estou a subir”, está a fazer exatamente o tipo de “politiquice” que diz repudiar. E isso, em si mesmo, já é uma resposta.