[font=Tahoma]Bem, se calhar sou o mais velho dos que por aqui andam…
A primeira vez que fui ao Estádio José de Alvalade deve ter sido igualmente a primeira vez que fui a um jogo de futebol.
Após muita investigação, acho que deve ter sido este jogo:
Sporting 1-0 Académica
Liga Portuguesa 1963/64 | Campeonato
Data 1963-08-01
http://www.zerozero.pt/jogo.php?id=10406
Por incrível que pareça, não estive sempre ao colo dos meus pais. Levantei-me mais que uma vez (a minha máe diz que eu era muito irrequieto), e numa delas para olhar para trás, e nessa mesmíssima altura foi o golo do Sporting 
Não que tivesse servido de muito, de certeza que hoje não me lembraria, mas juro que me lembro do aspecto geral. Era um dia de sol, e fiquei espantadíssimo por o peão estar cheio de «chineses», as pessoas com os então usados chapéus brancos de papel (que alguns ainda hão de ter conhecido), quase todos lampiões, a gritarem qualquer coisa como “ca-dé-mi-ca-ca-dé-mi-ca-ca-dé-mi-ca-ca-dé-mi-ca”. O meu pai ria-se e tentou explicar-me, mas não percebi que raio de poluição sonora era aquela.
Estive na bancada central, debaixo da pala, e tenho ideia que o contraste entre sombra e sol era brutal, tendo dificuldade em ver o jogo (se é que vi alguma coisa, com aquela idade). Tenho a certeza que o meu futuro lugar, o último, acabou por ser mais ou menos no mesmo sector, por coincidência.
A vez seguinte que vim a Lisboa deve ter sido em 1968. Lembro-me de ver um jogo particular à noite, de pré-época, contra uma equipa estrangeira, em que alinhou à experiência um jogador africano, penso que se chamava Armando, e que veio a ter destaque no ataque do Sporting. Infelizmente lembro-me muito mal desse jogo. Creio que também estava comigo pelo menos um dos meus irmãos, e que os meus pais teriam ficado num lugar mais central.
Passei a viver definitivamente em Lisboa a partir de 1974, e passei a ir ao estádio primeiro esporadicamente, depois cada vez mais, e às tantas sempre. Só quando andei na Faculdade fui menos vezes, apesar de ser mesmo ali ao lado.
Vivia no Restelo, e tinha que caminhar até Algés, onde apanhava um autocarro que percorria a Segunda Circular.
Já escrevi sobre isso. Era extraordinário. Futebol de dia era outra coisa. Quando chovia era chato, mas era mesmo outra coisa. Lembro-me de no banco de trás do andar de baixo do autocarro, que tinha o motor atrás e que por isso não se ouvia nada, espreitarmos os jornais dos adultos, para ver quem jogava e quem era suplente.
Nessa altura as camisolas dos titulares eram numeradas até onze, e quando havia uma novidade no onze inicial havia expectativa quanto a quem utilizaria o número vago, dadas as superstições dos diversos jogadores, os lugares que iam ocupar em campo, etc.
Por vezes os meus pais também iam, sobretudo a minha mãe, mas para mim e para os meus irmãos era uma seca, limitavam-nos os movimentos. A vantagem é que nessas alturas costumávamos ir para lugares melhores…
Lembro-mo do célebre Sporting-Boavista a seguir ao 28 de Setembro de 1975, com a Central a aplaudir o Copcon e a Superior a assobiar. Não se falou doutra coisa durante a semana seguinte, e a imprensa estrangeira ficou muito impressionada com a luta de classes no futebol português…
Costumava assistir aos jogos tal como outros aqui descreveram.
Descia do autocarro normalmente na esquina junto ao Museu, ou perto do Hipódromo, atravessava a Segunda Circular e o campo de treinos (mais tarde construiu-se aí o pavilhão, onde assisti a vitórias inesquecíveis, sobretudo de hóquei em patins e basquetebol), e entrava pela Superior Sul.
Às vezes havia jogos de juvenis a decorrer, e ficava-se assistir, já que acabavam a horas mais do que suficientes para ir ao Estádio ver os seniores.
Por vezes já só havia bilhetes para a Superior Norte, e pedia-se aos porteiros para deixarem entrar pela Sul. Umas vezes pegava, outras não, tinha que se percorrer todo o estádio até à entrada adequada, e depois voltava-se pelo interior até à Superior Sul. Por vezes não nos deixavam, fechavam as portas intermédias.
(João Rocha tinha a mania das barreiras e vedações…)
Lembro-me de termos que passar para a bancada e saltar a vedação, voltar ao corredor interior até à porta seguinte, sucessivamente, por vezes sendo perseguidos por porteiros e polícias. Por acaso nunca houve azar, deviam-nos achar miúdos, e não nos seguiam por muito tempo.
No percurso entre as entradas da Superior Sul e Norte, a Porta 10-A era um ponto de abrandamento obrigatório. Os jogadores entravam vindos a pé ao longo do passeio, calmamente, à paisana. Lembro-me de estranhar que Fraguito (e mais tarde Oceano) não fossem os gigantes que pareciam em campo (ao contrário de Pedro Barbosa, que andou por ali quase um ano inteiro, de muletas, e que talvez por isso parecia muito alto).
Lembro-me também de ver Jordão a vir a pé da Churrasqueira do Campo Grande, elegantíssimo num longo sobretudo azul-escuro, sendo difícil associá-lo à figura esguia que driblava os defesas adversários lá em baixo no relvado.
Mas praticamente logo que atingi a maioridade arranjei um emprego e acabei por deixar de estudar, e passados uns dois ou três anos resolvi tornar-me sócio.
Não me lembro bem dessa época, que foi muita agitada no que me diz respeito.
Morava em Lisboa, e normalmente ia para o Estádio vindo da Cidade Universitária ou de Entrecampos. Isso implicava uma caminhada considerável, sobretudo quando chovia. A zona do Hipódromo (hoje é diferente) era um lamaçal enorme.
A travessia de Superior para Superior era igual. Ao intervalo era de rigor mudar, através do interior do Estádio, e um pouco antes de acabar a primeira parte tinha que se ir andando.
Lembro-me de tanta coisa passada na Superior Sul! Dava para páginas e páginas. Uma delas foi o célebre frango de Botelho, que deu o título ao FCP, impedindo as galinhas de igualarem o nosso recorde (o FCP viria a batê-lo).
Não sei bem como deixei de ser sócio de Superior e passei para Lateral. Era quase na Superior, lá muito para cima, e se alguma vez ocupei o meu lugar foi uma ou duas apenas.
Tinha ao pé de mim o meu irmão mais novo, mas como não vivíamos juntos nem sempre nos encontrávamos, tal era a afluência nessa zona.
Depois, não me lembro como, o meu pai, que entretanto passara a ir regularmente aos jogos, arranjou maneira de ficar ao pé dele, mais para a Central. No Estádio novo conseguimos lugares semelhantes.
Entretanto o campo de treinos passou a ser relvado, onde é o actual Estádio. Por vezes havia treino ou jogo de jovens, e lembro-me de ver posteriores vedetas em acção.
É impossível escolher uma recordação dentre tantas. Lembro-me de nos Sete A Um dizer ao pessoal que festejava cada golo que tivessem calma, que ainda vinham aí mais, e de poucos acreditarem, apesar de isso ir acontecendo.
Poucas pessoas saberão hoje que Manuel Fernandes tinha sido suspenso por causa duma entrevista, e o ambiente era tenso. Escrevi sobre isso noutro tópico.
Uma das recordações mais lindas foi um jogo com a União de Leiria, com o título no bolso.
Apanhei um autocarro, salvo erro a carreira número um ou a número trinta e seis, à saída do Metropolitano, em Entrecampos (o Metropolitano terminava em Entrecampos). Tive que comprar um bilhete, e introduzi-lo numa ranhura, mas aquilo encravou tudo. Ouvia-se a rádio no autocarro, em directo do Estádio, anunciando que já estava cheio, que era uma loucura. O motorista parou o autocarro, e veio tentar desencravar o mecanismo. Eu estava nervosíssimo. O homem lá desistiu, disse para eu seguir sem bilhete, o que era complicado na época, aumentando os meus nervos. Desci na Alameda das Linhas de Torres e segui para a Lateral Norte, penso eu, já mal me lembro.
Já tinha visto enchentes mais vistosas, nomeadamente muitos anos antes, numa altura em que derrubaram as vedações. Nem se viam as linhas laterais e de fundo, pois os pés dos espectadores estavam em cima delas. O árbitro recusou-se a iniciar o jogo, e apareceram militares e polícia que empurrar o público para trás.
Mas nesse dia tudo correu bem. Ninguém derrubou vedações até perto do fim do jogo.
O jogo foi espectacular, arrumado cedo com três golos, e nos minutos finais os jogadores limitavam-se a trocar bolas junto à linha de cabeceira Sul, com destaque para Jordão, que a evitava a todo o custo. Estavam lá todos, excepto o guarda-redes do Sporting, nervosíssimo, que só olhava para os lados e para trás.
O árbitro deslocou-se para a mesma linha de fundo Sul, onde já estavam vinte e um jogadores e um fiscal de linha (o outro estava na linha de meio campo), apitou e desatou a correr para as escadas, assim como todos os vinte e um jogadores e um fiscal de linha. Cruzaram-se com maior ou menor dificuldade com uma enorme multidão que lhes barrava a passagem, e um ou outro foi lançado pelos ares.
Mas quase ninguém deu por isso. Nem pelo tal fiscal de linha que estava na linha de meio campo. Nem pelos ocupantes dos bancos dos suplentes.
O espectáculo, indescritível, era uma clareira móvel no centro do campo, onde um indivíduo magro com grandes bigodes corria a uma velocidade incrível, seguido duma mancha humana enorme, em direcção a outra mancha humana enorme que corria em sentido contrário, na sua direcção. As duas manchas chocaram, e o tal indivíduo desapareceu. Daí a pouco viu-se um corpo magro e pálido, em cuecas, a voar por cima da multidão, sendo atirado dum lado para o outro. Não sei como conseguiu sair dali.
Grande Ferenc Mészáros!
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