Sobre coincidências que falaram em cima, a mim aconteceram-me algumas que hoje em dia não considero coincidências porque senti mais do que se fosse a simples junção de um timing. A ler pode não parecer nada mas vivê-las mudou-me completamente.
Fui batizado mas não fiz a catequese nem se pode dizer que era propriamente uma pessoa religiosa ou espiritual. Acho que era daquelas pessoas que escrevia católico nos boletins mas nunca verdadeiramente se interessou.
Eu tenho um pequeno ginásio em minha casa, era no antigo quarto da minha avó, nesse local há uma imagem de Nossa Senhora que deixamos ficar numa pequena estante pregada à parede. Por razões que pouco importam estive vários meses sem fazer exercício. Costumava fazer a ouvir podcasts e cenas que sacava do YouTube para o MP3(naquela altura ainda se usava MP3, foi já há vários anos). Tinha por lá dezenas e dezenas de cenas áudio e cliquei no aleatório para começar a ouvir (não sabia nem o que ia calhar nem do que iam falar porque não tinha ouvido nenhum ainda). Quando me ponho na passadeira e a ligo, olho para a imagem de Nossa Senhora e penso para mim “já tinha saudades”, nem sei bem se pensei aquilo por voltar ao quarto, se por voltar a fazer exercício, se por voltar a ver a imagem, só sei que pensei esta frase exactamente assim e não sei se alguma vez na vida a pensei antes, acho que não. Um segundo depois de pensar isto, começa a dar o áudio nos meus fones da primeira cena aleatória que calhou e ouvi precisamente a frase “já tinha saudades”. Como se fosse uma resposta. Tipo, pensei e ouvi. Foi instantâneo. Qual a probabilidade de um podcast começar com esta frase, ter sido ele a calhar no meio de tantos de forma aleatório e com a exacta frase que pensei e enquanto olhava a imagem? E depois nem foi só o ouvir, eu fiquei completamente abanando e tive de parar a passadeira. Fiquei a pensar e com o corpo a esquisito mas a sentir-me bué bem.
Isto a ler parece uma treta completa inventada ou parece só uma coincidência mas eu senti mesmo ali naquele instante uma experiência totalmente nova na minha vida.
Isto fez-me pensar muito e comecei a interessar-me por Deus e pela religião. Admito que comecei a ler a Bíblia que a minha mãe tinha cá em casa, fiz muitas pesquisas, queria ganhar o máximo de informação possível e tentar perceber e até criar dúvidas. Acho que desde esse dia nunca mais falhei os meus momentos de oração, de manhã e há noite.
Mas isto não fica por aqui. Uns dias depois, quando estava a rezar, estava a pensar nos meus avós porque tenho uma foto de ambos ao lado da imagem de Nossa Senhora, e penso assim, algo que acho que quase toda a gente já pensou nalgum momento, “dêem-me um sinal”, e pronto, ouço um pequeno estouro. Um daqueles booms que por vezes ouvimos do nada, ou um móvel a estalar ou uma cena assim que muitas vezes ouvimos e não sabemos de onde vem. Opa eu só me ri, admito.
Passado uns tempos, não estávamos nem a treze de Maio ou Outubro, era meio de Julho, eu estava na cama e comecei e pensar e a duvidar. Comecei a ter dúvidas, será que não foi só uma coincidência? Eu lia a Bíblia e admito que algumas partes, sobretudo no antigo testamento, são de difíceis compreensão para mim, assim como nunca acreditei no destino, assim como o mundo tem tanta crueldade e tanta tragédia, colectiva e individual, tanto sofrimento, que me levava a ter dúvidas. Eu acordei a pensar nisto. Acho que todos os crentes, como hoje eu sou inequivocamente, já tiveram momentos assim. Decido ligar a TV do meu quarto e o que está a dar nas notícias da manhã da TVI? Em Julho e sem nenhuma data especial para isso? Logo no canal em que ligo? Uma reportagem directamente de Fátima, sobre grupos de jovens, sobre a religião nos dias hoje, com um padre a falar que é normal nos dias de hoje haver uma adaptação de religião ao século XXI e que cada um deve encontrar a sua fé. Até um dos jovens que entrevistaram falou sobre essas mesmas dúvidas e em que o padre a seguir falou qualquer coisa como duvidar é bom, fazer perguntas a nós mesmos é bom, encontrar as nossas respostas e a nossa própria fé é um caminho individual.
A sério, fiquei atómico. Porquê eu, porquê um gajo de merda, um inútil, tem estas experiências tão próximas de Deus? Fiquei na cama bastante tempo a pensar e a tentar encontrar a minha própria fé, como disse o padre, tentar fazer a minha própria leitura da Bíblia, adaptá-la, interpetá-la, admitir perante mim que não acho que algumas traduções ou ensinamentos devam ser levados à letra, mas sim vistos por um prisma individual e sendo eu uma pessoa pacata, calma tento sempre ver pelo lado do optimismo, do Amor, não da violência, da opressão ou do medo, até porque para mim a derradeira mensagem e missão que Cristo nos deixou foi que nos amemos uns aos outros. Assumi isto comigo mesmo, assim como aceito as alegrias e tragédias da vida não como um destino(acho que somos nós que fazemos o nosso próprio destino) mas como um desenrolar de acontecimentos naturais vivendo em livre arbítrio. Não acho que se ganhar o Euromilhões amanhã foi porque Deus assim quis. Assim como não o culpo pelas coisas más. Comecei a lidar de forma diferente com a morte, ora sendo eu crente, acredito completamente numa vida após a morte por isso acho que a morte é a dor e a tristeza para quem fica, não de quem vai. Acho que o Papa Francisco respondeu muito bem quando uma criança estava muito triste porque o pai era ateu e tinha morrido e assim não o iria encontrar, ao que o Papa respondeu, “achas que Deus iria separar um pai de um filho”. É por isso, pela modernidade, pela tentativa de actualizar a igreja que eu me identifico com este Papa, ao contrário de muitas outras pessoas dentro da própria igreja, que são más, maldosas, uma ofensa. Considero a Fé de Deus, não dos Homens.
Mas já estou a divagar do tópico e das ‘coincidências’ que falaram em cima, as minhas ainda não pararam. Eu gosto de ler, leio quase todos os dias, sobretudo clássicos ou ficção científica. Ora é dia de Santo António, está a minha mãe a ver os casamentos e eu no sofá a ler o Adeus às Armas do Hemingway(nunca tinha lido nem sabia quase nada acerca do mesmo). Pois bem, claro que tinha de estar a ler esse livro nessa altura, claro que tinha de ler exactamente nessa hora e claro que tinha de estar nas páginas em que a personagem feminina oferece um Santo António ao protagonista.
Mais uma, na fase em que ainda não tinha terminado a Bíblia, lia todos os dias uma passagem. Lembro-me que tinha acabado de ler uma dessas passagens, vou ao telemóvel e ao YouTube a vejo exactamente um texto sobre a passagem que tinha lido. No meio de tantas, naturalmente que tinha de aparecer essa. Mas aqui aceito que seja natural, era a fase em que estava mais intensamente a fazer pesquisas a querer ver videos, a tentar obter respostas e sabemos que o algoritmo do YouTube nos recomenda videos de acordo com os últimos temas que pesquisamos.
Aconteceram mais, algumas já me esqueci, mas mais que acontecerem foi mesmo o que senti.
Agora devem pensar todos que sou um maluquinho religioso ou que sou fanático, não sou, pelo contrário, praticamente não falo de religião, aceito completamente todas as religiões, todos os pensamentos, a maior parte dos meus amigos ou conhecidos são ateus ou agnósticos, sou contra o obrigar crianças ou jovens a fazer catequese sem quererem ou querer obrigar alguém a crer seja no que for. Como disse, acho que o caminho da Fé é individual e deve ser feito apenas se o quisermos fazer, sem medos, sem imposições.
Nunca partilhei isto com ninguém e nem sei bem porque o fiz agora, se calhar nem o devia ter feito, acho que é por estar numa fase mais emocional e mais sensível da minha vida, mas olha, senti que devia.