Em 24 de Junho de 1989 realizam-se as eleições mais concorridas de sempre do Sporting, com quatro candidatos, de fora fica Santana Lopes que se proclamava como a solução do consenso, anos mais tarde ele afirmaria que tal se deveu à intransigência de Sousa Cintra apostado em ser Presidente do Sporting. De facto seria este empresário das águas, que acenando com a sua fortuna convenceria os sportinguistas e ganharia duma forma esmagadora, umas eleições onde Jorge Gonçalves foi severamente castigado.
O consulado de Sousa Cintra seria o reflexo perfeito do seu carácter, agitado, ambicioso, e ao mesmo tempo ingénuo e espertalhão, mas muitas vezes ridículo. Cintra é o homem que traz jogadores como Ivkovic, Luisinho, Balakov, Yordanov , Valckx, Juskowiack, Amunike ou Naybet, que concorre com Clubes como o Barcelona e Inter por craques como Stoichkov e Pancev, que rouba Paulo Sousa e Pacheco ao Benfica, mas deixa escapar João Pinto duas vezes, tal como Futre cujo regresso chegou a anunciar, e recusa Preud’Homme porque o acha velho. Com Cintra o Sporting segue no caminho do populismo, da aventura, da desorganização total que colocam o Clube na primeira linha do “anedotório nacional”, a diferença em relação ao seu antecessor é que ele tinha dinheiro para tapar os buracos que abria. É no entanto indesmentível que ele consegue construir boas equipas e contratar bons treinadores com os quais no entanto acaba sempre por se incompatibilizar na sua ânsia de ganhar no imediato, sendo ele próprio um factor de instabilidade, dada a sua falta de tacto.
Para além disso o futebol português vive atolado no lodaçal dos jogos de bastidores em ele bem que se tenta meter, mas é ridicularizado pelos “donos do apito” com muitos anos de experiência na matéria, e pelo menos nos Campeonatos de 90/91 e de 93/94 o Sporting é descaradamente roubado e impedido de ganhar por arbitragens vergonhosas e outras jogadas sujas, como aquela em que a FPF impediu o Sporting de inscrever jogadores, aceitando como válido um duplo contrato apresentado pela Ovarense em relação ao jogador Luís Manuel, que o Clube nunca reconheceu. Contra isto a única coisa que Cintra conseguia fazer era protestar e exigir demissões a torto e a direito, com aquele ar de menino ofendido que não assustava ninguém.
No fim restou-lhe a consolação de ganhar uma Taça de Portugal quando já nem era Presidente, depois de a muito custo ter reconhecido a sua incapacidade.
Não era só no futebol propriamente dito que ninguém levava a sério o Presidente do Sporting. Os estádios dos nossos rivais sofrem grandes melhoramentos ao abrigo do Mundial de Juniores de 91, do qual o nosso velhinho José Alvalade fica de fora e em 92 que rebenta o lamentável “caso da pala”, com cenas como aquela do Engenheiro aos saltos em cima da cobertura das bancadas. Cintra bem protestava contra essas desigualdades de tratamento, mas de nada lhe serviam esses protestos.
A temporada de 89/90 começa ainda com Manuel José, mas Cintra já pensava noutros nomes. As primeiras contratações são o guarda-redes da Selecção jugoslava Ivkovic, o central internacional brasileiro Luisinho, o avançado Fernando Gomes que estava de saída do FCP dispensado por Ivic, para além de Leal e Filipe que se viriam a revelar igualmente úteis.
Na 1ª eliminatória da Taça UEFA o Sporting defronta o Nápoles de Maradona. Depois de 210 minutos sem golos, os leões caem nos penaltis, apesar de Ivkovic, que realizou uma grande exibição no San Paolo, ter defendido o penalti do astro argentino, no dia da célebre aposta entre ambos.
Mesmo sem ter descolado dos da frente no Campeonato, Dezembro volta a ser um mês fatídico, com o Marítimo a ganhar em Alvalade para a Taça e Cintra a despachar Manuel José, demonstrando que afinal nada tinha mudado. Para o lugar do Técnico algarvio foi buscar Raul Águas ao Boavista, mas o efeito não é o desejado. A equipa afunda-se na tabela e acaba no 3º lugar a 13 pontos do Campeão, com Aguas meio perdido a passar à história como o treinador que lançou Figo de quem já muito se falava.
Em 90/91 Cintra dá um tiro certo ao apostar no brasileiro Marinho Peres que tinha ganho uma Taça de Portugal no Belenenses e colocado o Vitória de Guimarães no mapa do futebol europeu e a discutir os primeiros lugares do nosso Campeonato. A grande contratação é o internacional brasileiro Careca anunciado como o novo Eusébio, era a incontrolável língua de Cintra a fugir sempre para o disparate.
A temporada começa de forma arrasadora com onze vitórias consecutivas no campeonato, entre as quais um concludente 3-0 no Bessa, onde já há mais de 30 anos que o Sporting não ganhava. Na Europa a equipa também vai de vento em popa, eliminando sucessivamente os belgas do Malines que um ano antes tinham ganho a Taça das Taças, os romenos do Timissoara despachados com uma goleada de 7-0 em Alvalade e os holandeses do Vitesse ganhando os dois jogos.
Mas o Natal aproxima-se e em Chaves onde o Sporting nunca tinha ganho, a equipa chega ao 2-0 mas deixa-se empatar num jogo onde a arbitragem foi muito discutida Até ao final do ano o Sporting sofre quatro derrotas, duas das quais frente aos outros grandes, sempre com muita polémica à volta a arbitragem, atrasando-se definitivamente para mais um 3º lugar no Campeonato, apesar da chegada de Balakov a meio da temporada. Nem a Taça de Portugal escapou à polémica, no Bessa o Sporting foi afastado nos oitavos de final, mas mais uma vez o árbitro foi apontado como o responsável dessa derrota. Na Taça UEFA chegam os adversários italianos, depois de afastar o Bolonha o Sporting atinge pela terceira vez no seu historial uma meia-final europeia, onde o poderoso Inter de Milão, colocaria um ponto final no sonho europeu de Sousa Cintra, depois deste ter garantido que o Sporting era invencível e levaria o caneco.
Na temporada de 91/92 Cintra contrata ao Salgueiros Nelson, o jovem defesa direito da Selecção Campeã Mundial de Juniores, e chegam mais dois búlgaros, Yordanov que ficaria até ao fim da sua carreira, e Guentchev que não deixou rasto. O mesmo se poderá dizer em relação a esta época que começa com uma decepcionante eliminação perante os romenos do Dínamo de Bucareste, e prossegue com um campeonato muito irregular que é o suficiente para esgotar os créditos que Marinho Peres ainda tinha, o chicote volta a estalar. António Dominguez que tinha vindo com o treinador brasileiro acaba a época num modesto 4º lugar. A Taça termina outra vez nos oitavos de final noutro jogo muito polémico disputado em Alvalade frente ao FCP.
Sousa Cintra vai à Holanda contratar ao PSV o prestigiado técnico inglês Booby Robson, que exige jogadores para formar uma equipa competitiva. Com ele regressa Manuel Fernandes agora como adjunto, que trás consigo para 3º treinador um jovem na altura desconhecido chamado José Mourinho. Chegam também três internacionais estrangeiros, o polaco Juskoviack, o holandês Valckx, e o soviético Cherbakov, para além de Capucho mais um Campeão do Mundo de Juniores e dos centrais Barny e Carlos Jorge. Mas Cintra falha a contratação mais desejada, João Pinto. Chega ao ponto de ir ao estágio da Selecção nos Estados Unidos para convencê-lo, depois de ter tudo acertado com o Major, mas apenas arranja mais um motivo para chacota.
A temporada começa com uma vitória por 2-1 na Suiça frente ao Grasshoppers para a Taça UEFA, mas no jogo da 2ª mão em Lisboa, os gafanhotos devolvem a amabilidade e no prolongamento o brasileiro Elber gela Alvalade. O campeonato volta a ser decepcionante com apenas 17 vitórias em 34 jogos, que resultam em mais um 3º lugar. A Taça termina nas meias-finais em Alvalade frente ao Boavista.
Cintra começava a ter razões para se impacientar com Robson, mas parecia ter aprendido com os desfechos dos despedimentos recentes e aguenta-o.
Chegamos ao Verão quente de 93. Sousa Cintra põe a Nação Sportinguista em euforia ao aproveitar a crise no velho rival para se vingar de muitas humilhações e ir buscar Pacheco e Paulo Sousa, mas deixa escapar outra vez João Pinto. Contrata Vujacic um internacional jugoslavo que Robson não tinha pedido e dois guarda-redes ao Boavista, Costinha e Lemajic. Em troca exige apenas o título que já escapava ao Sporting à 11 anos.
A Taça UEFA começa bem com a eliminação natural dos turcos do Kocaeliaspor e a desforra frente aos escoceses do Celtic, com Cadete jogando a pé coxinho em Alvalade a marcar os dois golos que viraram o resultado negativo de 1-0 trazido de Glasgow, mas a proximidade do Natal volta a ser fatal. Uma derrota em Alvalade frente ao FCP num jogo em que os portistas foram verdadeiramente massacrados, que sucede a outra derrota no Bessa, antecipa o afastamento da Taça UEFA frente aos austríacos do Casino Salzburg que conseguem virar o 2-0 de Alvalade com um surpreendente 3-0 após prolongamento. É o suficiente para Cintra perder a cabeça e trocar Robson por Carlos Queirós, influenciado pelo facto do Professor estar livre, ele que tantos êxitos tinha conseguido com muitos dos jovens que constituíam o plantel leonino.
A maior parte dos jogadores e adeptos não perceberam, pois gostavam de Robson e a equipa tinha começado muito bem o campeonato com seis vitórias, chegando a liderar isolada, embora naquela altura com onze jornadas decorridas repartisse o 1º lugar com os outros dois grandes e já estivesse em queda.
Queirós estreia-se a ganhar por 1-0 ao Beira-Mar, mas a tragédia abate-se sobre a equipa com o acidente ocorrido na madrugada posterior ao jantar de despedida de Robson, que condena Cherbakov a uma cadeira de rodas. Seguem-se uma derrota na Luz e dois empates, a equipa parece arrasada física e psicologicamente, Queirós chega a ter de recorrer aos miúdos Poejo e Porfírio. O tiro parecia ter saído pela culatra a Sousa Cintra.
Mas lentamente o Professor leva a água ao seu moinho e a equipa atinge níveis muito elevados, seguindo-se uma série de sete vitorias seguidas interrompidas por um nulo com o União na Madeira, num jogo com uma arbitragem escandalosa, em que o Sporting acabou a jogar com oito jogadores e em que valeu tudo, inclusivamente jogar com dois guarda-redes, tal foi a excelência da defesa com a mão do madeirense Nelinho safando para canto uma bola que ia a entrar na baliza.
Não desarmou o Sporting chegando ás Antas dividindo o 1º lugar com o Benfica e com 4 pontos de vantagem sobre o FCP, foi aí que apareceu mais uma “valente” arbitragem, quando o Sporting estava a fazer um grande jogo, Juskowiak foi expulso ainda na 1ª parte ao reagir a uma entrada violenta de Fernando Couto, depois de Paulo Sousa já ter sido agredido por Paulinho Santos. Mais tarde seriam expulsos Peixe e Vujacic, com o Sporting a perder por 2-0 e a ficar sem dois titulares para o derby decisivo marcado para dali a três jornadas, onde chegaria com um só ponto de atraso em relação ao líder.
O ambiente era de grande confiança e a festa estava preparada. O Sporting entrou novamente muito bem no jogo, esteve a ganhar por duas vezes, mas era o dia de João Pinto que Sousa Cintra tanto tinha desejado contratar
A equipa desconjuntou-se e perdeu logo a seguir na Madeira perdendo também para o FCP agora comandado por Robson, o 2º lugar e a Taça de Portugal na finalíssima. Eram os primeiros capítulos da vingança do inglês.
Novo ano, renovadas esperanças. Sousa Cintra faz regressar Oceano e Xavier que a FPF não tinha deixado inscrever a meio da temporada anterior, quando o avançado nigeriano do Setúbal Yekini também já estava apalavrado, este que entretanto seguira para a Grécia. Com eles chegam Sá Pinto, Pedrosa, Marco Aurélio, Naybet e Chiquinho Conde, mais tarde viria Amunike. Um verdadeiro camião de craques.
A temporada começa bem, o Sporting discute taco a taco com o Real Madrid a passagem á 2ª eliminatória da Taça UEFA, acabando eliminado depois de perder por 1-0 em Madrid e ganhar por 2-1 em Alvalade, mas nestes dois jogos o guarda redes Buyo viu a bola bater-lhe quatro vezes nos ferros. No campeonato o Sporting lidera até ao fim da primeira volta. No entanto a instabilidade começa a fazer-se sentir com os primeiros sinais de conflituosidade entre Queirós e jogadores como Balakov e Cadete, enquanto Cintra não atina com a renovações dos contratos de Peixe e especialmente Figo que chegou mesmo a ter problemas com os adeptos.
Na 2ª volta o Sporting escorrega aqui e ali principalmente com a surpreendente derrota em Alvalade frente ao Estrela da Amadora que quebra a invencibilidade da equipa, até que chega ao jogo decisivo de Alvalade com 4 pontos de atraso em relação a um Porto que fez um Campeonato quase perfeito. Mais uma tragédia se abate sobre o Clube com a queda do varandim que leva atrás de si vinte adeptos, alguns dos quais perdem a vida ali. Mesmo assim há jogo e o FCP ganha por 1-0. Robson volta a sorrir na cara de Cintra.
O Sporting acaba em 2º lugar o que já não acontecia há dez anos e ganha a sua 12ª Taça de Portugal 13 anos depois, batendo o Marítimo por 2-0 na final, mas nesse dia Cintra já não era Presidente.
Estava encerrado o pior período da vida do Clube.
É nesta altura que surgem os irmãos Castro e o Sporting recupera a hegemonia no Corta-Mato, ganhando por seis vezes consecutivas entre 89 e 94 a TCE da especialidade, completando assim 14 títulos, aos quais junta 11 individuais, dos quais um é de Dionísio e cinco de Domingos, que para além disso bateu o Recorde do Mundo dos 20000m em 1990.