Mais uma semana negra para o Sporting. Não há dúvida que, como dizia o Bulhão Pato, o fundo do poço é um conceito muito relativo.
Vamos direito aos factos: permitir que João Moutinho reforce o Porto por tudo o que não seja a cláusula de rescisão é um erro de proporções biblícas. Ao contrário do que se quer já fazer crer, não é normal clubes grandes negociarem entre si a transferência de titulares. E a então a transferência negociada de um capitão é algo de que não me lembro de alguma vez ter acontecido em Portugal.
Há boas razões para que este tipo de transferências seja raro ou mesmo inédito. Ceder um jogador titular é estar a reforçar directamente um rival. Se o Porto pegasse nos mesmos 10 milhões e os gastasse num argentino ou num brasileiro, estaria sempre a correr um risco. Ao comprar Moutinho, o Porto está a comprar um internacional português com 23 anos e mais de 150 jogos na I Divisão portuguesa. Não há riscos de problemas de adaptação, de lingua ou de saudades da família que normalmente rodeia a inclusão de um jogador estrangeiro. É um valor seguro e “pronto a usar”. Podem agora vender Meireles à vontade – não só saiem a ganhar no campo, como ainda terão mais uns 10 milhões para outros reforços.
Tão mau quanto isto é o sinal que se dá para dentro e para fora do clube com este negócio. Aceitar metade da cláusula de rescisão (com o requinte de ter o 4º ou 5º central do Porto pelo meio), é aceitar uma humilhação. Para fora, estamos a admitir uma fragilidade extrema e a reconhecer que já não estamos no mesmo patamar do Porto. Com a influência do Sporting no futebol português pelas ruas da amargura, era exactamente o que não precisávamos. Para dentro, estamos a dar o sinal de que qualquer jogador que esteja insatisfeito pode ir bater à porta de qualquer clube - até dos nossos rivais! - que as coisas se resolvem a bem. É de génio!
Isto passa-se poucos dias depois de o Sporting ter cedido os direitos televisivos à Olivedesportos até 2019 (ver aqui http://www.record.xl.pt/noticia.aspx?id=9B1949D1-349C-4627-845D-1D19BF53B9EB&idCanal=00000011-0000-0000-0000-000000000011&h=10 ). O negócio foi feito pela calada, com pouca informação e nenhuma discussão de alternativas - exactamente como a Olivedesportos gosta. Os optimistas dirão que o montante de 15 milhões/época é o dobro do contrato anterior. O problema é que o valor original era escandalosamente baixo e o dobro de pouco, pouco é. O nosso rival Benfica está apontar para valores na casa dos 30 milhões/época – e a trabalhar para os alcançar. Aí é que JEB vai ver o que é lutar com armas diferentes.
É dificil entender esta decisão. O contrato anterior durava até 2013. Com o tempo a jogar a nosso favor, esperava-se que os três anos até lá fossem aproveitados para o clube ganhar peso negocial – encetar contactos com operadores televisivos portugueses e estrangeiros para quebrar o monopólio da Olivedesportos, demonstrar e publicitar o valor real do negócio futebol em Portugal, desenvolver um canal próprio que sirva de alternativa a um não-acordo ou batalhar por uma negociação colectiva da Liga com vários operadores.
Em vez disso, o que fez a direcção do Sporting? Decide que o pico da pior recessão económica desde os anos 30 e o rescaldo da pior época futebolística da história centenária do clube – com a consequente quebra brutal de assistências e audiências - constituem uma altura excelente para renegociar o contrato. E não fazem por menos: toca de comprometer qualquer perspectiva de aumento de receitas para os próximos 10 anos!
Por mais que dê voltas à cabeça, não consigo perceber a racionalidade destas decisões. Vejo negócios leoninos por todo lado, é certo – mas em favor do FC Porto e da Olivedesportos. Não do Sporting. Já sabíamos que éramos um clube à deriva, liderado por dirigentes sem ambição, estratégia, soluções ou visão para o futuro. Agora, ficámos a saber que também somos um clube a saque.