Nunca fui pessoa de maus fígados nem nunca tive dificuldade em manter o equilíbrio numa balança que de um lado tem o prato da frontalidade e da rejeição do politicamente correcto, e, do outro, o prato da boa convivência e da tolerância e compreensão para com o amigo, o conhecido e o desconhecido, independentemente da sua origem, identidade ou ideologia.
Sempre achei que acima de tudo o que interessa é o carácter das pessoas e com isso sempre fui coerente na medida em que tenho bons amigos de todas as filiações ideológicas ou clubistícas. Confesso que há pessoas que simplesmente contorno e evito, e por isso mesmo nunca pus sequer em questão preferir conviver com uma pessoa inteligente e agradável apesar do seu gosto pelo clube desportivo rival do que com um imbecil que lhe deu para ser sportinguista dos mais ferrenhos. Aliás, ser “ferrenho” do que quer que seja costuma ser mau sinal.
Se o desporto é uma forma espontânea do ser humano manter viva a sua natureza competitiva, medindo forças e reforçando a sua auto-estima, já o chamado desporto-rei, tão afamado como veículo de paz e amor entre os povos e respectivas tretas da igualdade e anti-discriminação, desde sempre criou ódios e paixões pelos quatro cantos do mundo, semeando, com sucesso ímpar, discórdias tanto entre perfeitos desconhecidos como no seio dos mais unidos povos, amigos e até famílias.
Sectarismo no ciberespaço e um tipo inédito de fragilização das relações interpessoais. Até onde pode ir?
Dado o peso inquestionável que as redes sociais assumiram no espaço cibernético, cada vez se têm exacerbado mais certo tipo de comportamentos que outrora ficavam guardadas no íntimo de cada um.
Assim como o futebol pôs a nu o lado mais sinistro das diferenças de personalidade e carácter do cidadão moderno, a Internet e a segurança do recato que confere ao internauta têm posto a nu amizades e relações diversas com pés de barro.
Já não sei que dizer quando pessoas que julgava terem algum discernimento continuam a justificar toda a reles trafulhice que se adensa neste campeonato com uma suposta sequência de golos irregulares do nosso jogador Montero, sequência que tenho procurado e, à excepção de um caso isolado e irrisório, objectivamente não encontro.
Nunca é demais relembrar que a gente que ainda há 9 meses lamentava o nosso regozijo pelo fracasso alheio esquecendo-se que despendeu tanto tempo a festejar antecipadamente o triplete como a enxovalhar-nos pela nossa crise directiva, a gente que foi alvo de uma inédita chacota internacional, a gente cuja imagem de marca recente era de adeptos em choro incontrolável nas bancadas é a mesma que já espalha outra vez a sua habitual bazófia.
Dir-me-ão porventura que posso estar a levar demasiadamente a sério questiúnculas de algo tão fútil como o futebol, mas se tenho a consciência que este só serve para dividir as pessoas enquanto os seus agentes enriquecem à custa do povão tolo, por outro lado não sou responsável pela índole rasca de pessoas que nunca julguei que pudessem ser portadoras de desonestidade intelectual crónica ou que tivessem ramificações do intestino grosso no cérebro.
Não sei portanto se deva criticar o futebol e a internet por acordarem lados negros no próximo, ou se deva ficar agradecido por ter a oportunidade de ver quão reles pode ser a pessoa a quem nunca tive nada a apontar.
Em boa verdade continuo a evitar entrar em diálogo quando o fedor a esterco da boca de um qualquer amigo ou conhecido do Facebook se torna tão intenso que começa a repassar pelo monitor do meu computador, e, por já saber que familiares poderão ler e ficar chocados com o que eu possa responder, tenho mantido a distância e a elevação. Mas um dia destes tomo a decisão drástica de sanear a minha lista de contactos e afirmar a essas pessoas ao vivo e a cores que não sou eu quem deixou que o futebol se intrometesse nas relações, mas sim essas pessoas que deixaram a diarreia mental substituir o bom senso e que trocaram o shampoo pelo azeite.
Compartilhem pois as vossas experiências e digam até onde vai a vossa paciência para com o labreguismo.