José Saramago afirmou hoje, em Penafiel, que "a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana".“Sobre o livro sagrado, eu costumo dizer: lê a Bíblia e perde a fé!”, disse o escritor, numa entrevista concedida à Lusa, a propósito do lançamento mundial do seu novo livro, intitulado “Caim”, que ocorre hoje naquela cidade.
“A Bíblia passou mil anos, dezenas de gerações, a ser escrita, mas sempre sob a dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável. É uma loucura!”, afirma o Nobel da Literatura de 1998, para quem não existe nada de divino na Bíblia, nem no Corão.
“O Corão, que foi escrito só em 30 anos, é a mesma coisa. Imaginar que o Corão e a Bíblia são de inspiração divina? Francamente! Como? Que canal de comunicação tinham Maomé ou os redactores da Bíblia com Deus, que lhes dizia ao ouvido o que deviam escrever? É absurdo. Nós somos manipulados e enganados desde que nascemos!” afirmou.
Saramago sublinhou que “as guerras de religião estão na História, sabemos a tragédia que foram”.
Considerou que as Cruzadas são um crime do Cristianismo, morreram milhares e milhares de pessoas, culpados e inocentes, ao abrigo da palavra de ordem ‘Deus o quer’, tal como acontece hoje com a Jihad (Guerra Santa).
Saramago lamenta que todo esse “horror” tenha feito em nome de “um Deus que não existe, nunca ninguém o viu”.
“O teólogo Hans Kung disse sobre isto uma frase que considero definitiva, que as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros. Só isto basta para acabar com isso de Deus”, afirmou.
Salientou ainda que “no Catolicismo os pecados são castigados com o Inferno eterno. Isto é completamente idiota!”.
“Nós, os humanos somos muito mais misericordiosos. Quando alguém comete um delito vai cinco, dez ou 15 anos para a prisão e depois é reintegrado na sociedade, se quer”, disse.
“Mas há coisas muito mais idiotas, por exemplo: antes, na criação do Universo, Deus não fez nada. Depois, decidiu criar o Universo, não se sabe porquê, nem para quê. Fê-lo em seis dias, apenas seis dias. Descansou ao sétimo. Até hoje! Nunca mais fez nada! Isto tem algum sentido?”, perguntou.
Para José Saramago, “Deus só existe na nossa cabeça, é o único lugar em que nós podemos confrontar-nos com a ideia de Deus. É isso que tenho feito, na parte que me toca”.
artigo no ionline, mas podia ser outro qualquer…
O director do Secretariado Nacional da Pastoral Cultura manifestou a sua “desilusão” com a obra «Caim», novo livro de José Saramago.Em entrevista à Agência Ecclesia, o P. José Tolentino Mendonça considera que o Nobel da Literatura fez uma releitura “banal” do texto bíblico, longe das “páginas magistrais” de John Steinbeck em «A Leste do Paraíso» ou da interpretação do filósofo Paul Ricoeur da fraternidade como “decisão ética”.
A obra ficou envolta em polémica quando o autor, a propósito da apresentação mundial do livro, afirmou que “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”.
“A perplexidade trazida pelas afirmações de José Saramago é, no fundo, como é que um grande criador, um grande cultor da língua, pode, em relação a um superclássico da literatura mundial – património de cultura diferentes, fonte de inspiração para tanta literatura – pode dizer da Bíblia, com o simplismo e o olhar com que o fez, as coisas que Saramago tem dito”, atira o director do Secretariado Nacional da Pastoral Cultura.
Tolentino Mendonça lamenta que, em «Caim», José Saramago escreva que a Bíblia é “o livro dos disparates”.
“É uma redução inaceitável, não só do ponto de vista da fé, mas do ponto de vista da cultura”, defende.
Tolentino Mendonça comenta «Caim»
O professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica lembra que Saramago é um leitor que “revisita permanentemente a Bíblia”, seja em citações, seja nas suas personagens, mas o resultado desse esforço na sua última obra é, para o sacerdote madeirense, “absolutamente uma desilusão”.“Esperar-se-ia muito mais da revisitação que um grande escritor pode fazer do texto bíblico”, indica, considerando que o livro de Saramago é, “em grande medida, um texto banal”.
A Bíblia está aberta a várias leituras, crentes e não crentes, mas nem todas são válidas. O exegeta e poeta manifesta “perplexidade” por Saramago não tomar em consideração a necessidade de uma “interpretação” do texto, tomando-o à letra, “no seu absurdo”.
“O que impressiona neste opção é ele (Saramago, ndr) recusar que aquele texto precisa de uma interpretação, de uma leitura simbólica”, declara.
José Tolentino Mendonça realça que a Bíblia “é um livro de fé, que é lido a partir dessa perspectiva por milhões de pessoas, e ao mesmo tempo um livro de literatura, um superclássico”.
Nesse sentido, é necessária “uma compreensão da Bíblia enquanto texto literário para verdadeiramente chegar ao seu sentido”, é preciso “ir à terra do poeta”, como se referia no Vaticano II, perceber que há “um sentido segundo, terceiro, que não se pode ler de forma literal e unívoca, que os géneros literários são para respeitar”.
O sacerdote considera ainda que as declarações de José Saramago sobre Deus e a Bíblia estão muito marcadas pela ideologia do escritor, mais do que por uma tentativa de “recriação profunda das temáticas abordadas nos textos bíblicos”.
agencia ecclesia
o que acham desta polémica?..