É um indicador do estado comatoso a que chegou o Sporting quando um ex-funcionário do clube se sente à vontade para fazer uma conferência de imprensa para atacar o melhor jogador da equipa e, pelo meio, reabrir um caso humilhante que parecia superado com uma vitória e uma demonstração de união da equipa. Das duas, uma: ou Sá Pinto fez o que fez sem dar cavaco à direcção do Sporting e então é grave; ou então fê-lo com a conivência desta e então é gravíssimo.
A primeira hipótese demonstraria a irrelevância de JEB e mais uma argolada para a sua extensa colecção na gestão das relações com a imprensa. Se o Presidente não tem força (ou vontade, já nem sei…) para impedir que incidentes destes apareçam na imprensa dez minutos depois de ocorrerem, ao menos que saia a terreiro para impor a versão do clube sobre eles – e vincule os envolvidos a ela. Ao não o fazer na devida altura, que é imediatamente a seguir ao incidente, claro que está a contribuir para que a telenovela vá continuando.
A segunda hipótese parece tenebrosa, mas não é mais do que o prosseguir de uma tradição nefasta e característica de clubes à deriva como o actual Sporting: o queimar dos melhores jogadores da equipa para cobrir os erros e a incompetência do círculo do poder – foi Veloso após o desastre de Munique, agora é Liedson. É um registo destrutivo, que mina a identificação dos adeptos com a equipa e a relação dos jogadores com o clube e entre eles. Chegámos a um ponto em que quase não há um jogador de qualidade do plantel que não detestemos: Moutinho, Veloso, Vukcevic, Polga, Liedson… Vão sobrando Carriço e Izmailov – até quando?
Quanto à conferência de imprensa em si, oscilou entre o ridículo, o irrelevante e o sinistro.
Teve momentos de uma hipocrisia chocante, como dizer que tinha evitado falar para não desestabilizar a equipa antes de um jogo “importantíssimo” com o Trofense, da II Liga. Preocupação que pelos vistos se desvaneceu quando o adversário se passou a chamar Braga e é líder do Campeonato. Ou então pedir à massa associativa que “apoie e incentive” o Liedson, depois de ter marcado uma conferência de imprensa para o atacar – descrevendo-o, pelo caminho, como um lunático possuído que despreza clube e sócios.
Acrescenta pouco ao que já sabíamos. Fala em comportamento “insultuoso” e “incorrecto” de Liedson, sem concretizar nada. O resto é algo que nos temos de fiar na sua palavra: que a sua relação com Liedson era “excelente”, que sempre lhe deu “todo o apoio”, etc. Não é por nada, mas gostava de saber se o Liedson concorda…
Pelo meio, as únicas novidades: que os seus socos seriam uma reacção a “ofensas à sua integridade física e imagem” – expressão suficientemente confusa para insinuar uma agressão de Liedson sem o afirmar e assim sugerir que a culpa é do brasileiro; e que Liedson não estaria irritado com a reacção do público ao erro de Rui Patrício – mas então, ao que reagia o brasileiro? Foi um momento de insanidade?
Finalmente, entra num registo surreal de auto-elogio, discorrendo sobre o seu fantástico trabalho e falando de um “ciclo extremamente positivo” como se estivesse a falar de duas épocas e não de dois meses com uma paragem de Natal pelo meio. E não podia acabar sem mencionar os resultados. E que resultados! A qualificação para os oitavos da Liga Europa em primeiro lugar (e nós a pensarmos que era Bento que tinha conseguido 8 dos 10 pontos conquistados pela equipa), a qualificação para as meias-finais da Taça da Liga (garantida já sem ele e, por acaso, com um golo do ogre Liedson) e a grande recuperação de 7º para o 4º lugar. Yep. Eu também não queria acreditar no que estava a ouvir. E achava eu um abuso ter Bento vangloriar-se dos 2ºs lugares obtidos ao fim de épocas inteiras…
Não tinha esta ideia do Sá Pinto, confesso. Que era um tipo violento, parecia-me óbvio – é um mistério o que levou JEB a achar que ele seria uma boa escolha para um cargo onde é fundamental a capacidade de gerir relações e conflitos. Agora que tinha uma agenda dentro do clube, isso só me ficou claro ontem.
E dá-me vontade de rir os que vêem nisto um combate entre o mauzão e traiçoeiro Garção e o emotivo mas puro Sá Pinto. Corrija-me quem acompanha mais estas coisas, mas sempre tive a ideia de Sá Pinto e Garção são unha com carne desde que um era um recém-chegado do Salgueiros e outro um membro da Juve Leo. Um testa-de-ferro como Garção é a garantia que Sá Pinto mantém intacta a sua influência no futebol profissional do Sporting.
Recuperando uma frase do inesquecível Graeme Souness, “this man is a dangerous man!”. E não é só pelos socos que dá.