Mais uma pérola do Cartaxana
Boçalidade e mau gosto na TV pública
Não sei se o leitor já apanhou com uma “coisa” chamada “A Liga dos últimos”, que começou pela RTPN e agora é emitida na RTP1, em horário nobre, e depois repetida em vários horários e canais, como se fora uma obra-prima. Trata-se de um exercício de extremo mau gosto, com uma pretensa visão humorística de um zé-povinho bronco de aldeias que já não existem, mas de uma boçalidade imprópria para consumo e perante a qual se sente um impulso irresistível para chamar a ASAE. Claro que se isto fosse feito num canal privado, com o dinheiro do dr. Balsemão ou do sr. Ricardo Salgado, vá que não vá, mas na televisão pública, com o dinheiro do Orçamento, que é como quem diz, dos nossos impostos, é um abuso para o qual chamo a atenção da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social). Dizem-me que aquilo começou sob a ideia simpática de levar o Portugal profundo (seja lá o que isso for) a casa da classe média urbana, metida nos seus ghettos citadinos. O futebol não federado, essencialmente amador, praticado nas zonas rurais do país, entre a tasca e o campo pelado foi o pretexto para esse “encontro”. Mas com o tempo e a ideia não sei de quem, aquilo passou a ser um exercício agressivo e intolerável da exploração das misérias alheias.
Adivinha-se o processo de fabrico, rápido e simples: a equipa da “Liga dos últimos” mete-se a caminho de uma terriola qualquer onde haja um campo de futebol pelado e umas balizas e, lá chegada, pergunta pelo “idiota” da aldeia, o tanso, aquele que é gozado todos os dias pelo pessoal. O “idiota” aparece sempre porque sim ou porque alguém o vai chamar, embalado pelo álcool ou pela demência, ou por ambas as coisas, disposto a fazer macaquices e a dizer disparates diante das câmaras, enquanto à volta o auditório ri e bate palmas. São frequentes os grandes planos de caras que nos causam repulsa, desdentadas, sujas, com riso patético e demencial, como se os autores do programa quisessem, de facto, chocar os espectadores. “A Liga dos últimos” é uma última manifestação do mau gosto ofensivo, da boçalidade, uma autêntica feira de aberrações. Contra este espectáculo pago com o dinheiro dos contribuintes, apelo à ERC, esperando que ela se indigne como eu perante esta ofensa ao tal país profundo que estes senhores pretendem retratar. Se acham que exagero, vejam, não mudem de canal.
In Record