A entrevista não era sobre o Sporting… Era sobre o Europeu, acho que é de fácil percepção. A capa é totalmente enganadora.
[b]Quem é, para si, o grande favorito a ganhar o Euro’2012?[/b]
A Alemanha. Mas antes de mais devo dizer-lhe que vamos assistir ao melhor Campeonato da Europa de sempre, porque nenhuma das grandes equipas está de fora. Faço questão de lá ir assistir a alguns jogos e acredito que vai ser qualquer coisa de especial. Voltando à pergunta, estive recentemente a estudar os grupos e os possíveis cruzamentos nos quartos-de-final e meias-finais e prevejo uma final entre a Alemanha e a Holanda.
Uma vez que a Alemanha e a Holanda estão no grupo de Portugal e Dinamarca, isso significa que as nossas selecções não têm qualquer hipótese?
Pois… Desafio-o a fazer o exercício que eu próprio já fiz, isto é, ir ver grupo a grupo quem vai ganhar a quem. É uma tarefa quase impossível para Portugal e Dinamarca. Sempre disse que a Alemanha é a equipa mais forte, a maior candidata a vencer o Euro’2012. Para venceres uma prova destas precisas de ter os melhores jogadores. Não o melhor onze, mas sim o melhor grupo, porque na fase final há sempre lesões e castigos, logo não chega ter os onze melhores. Depois há sempre um ou outro que chega a Junho fora de forma. É por isso que aposto na Alemanha, porque eles têm o melhor grupo de futebolistas. Possuem, enfim, catorze jogadores titulares, para o seleccionador escolher onze. Não vejo outro país com semelhante nível de escolha.
Portugal e Dinamarca vão, então, lutar pelo 3º lugar no grupo. Quem levará vantagem?
É, de facto, uma loucura ver equipas com a qualidade de Portugal numa situação destas, mas também sempre disse que é preciso ter a sorte do nosso lado no dia certo. Por vezes um determinado jogador muda a sorte de um jogo e ninguém, no Euro’2012, tem um melhor para o conseguir que Portugal. Vocês têm o Cristiano Ronaldo, provavelmente o melhor jogador do mundo. Mas como não quero entrar na discussão de quem é o melhor, digo que, para mim, se ele não é o melhor jogador do mundo, é definitivamente, o segundo melhor. Assim, com o factor Ronaldo, Portugal até pode ganhar os três jogos na fase de grupos, se estiver num dia de sorte. Ele pode, realmente, alterar as contas do jogo.
Antes do Euro’2000, onde o Schmeichel também esteve, Portugal encontrava-se numa situação semelhante em termos de “apostas”, uma vez que contava com Alemanha e Inglaterra no grupo. Lembra-se do que aconteceu?
Sim, claro. Portugal chegou às meias-finais e a Dinamarca não passou da primeira fase. Por isso desafio-o a fazer o exercício que fiz. O nosso grupo é um grupo da “morte”, seja para a Alemanha, para a Holanda ou para Portugal. Quando se chega a este nível de futebol, a diferença entre as equipas é muito curta. Mais que qualquer outra coisa, o que cada selecção precisa é de ter a sorte do seu lado. Durante a fase de qualificação vimos que existe um nível muito elevado nas equipas. Acho que nunca vimos tantos jogadores de alta qualidade juntos. Por isso aceito que tudo pode acontecer… mas no final ganha a Alemanha!
O jogo entre Portugal e Dinamarca será decisivo para as contas do apuramento, ou seja, o empate não serve a ninguém e quem perder ficará quase sem hipóteses de qualificação. Que antevisão faz a esse desafio?
Se olharmos ao que sucedeu nas últimas duas qualificações, para o Mundial’2010 e Euro’2012, vemos que as contas andam mais ou menos equilibradas. Ganhámos 3-2 no Porto, depois Portugal empatou 1-1 em Copenhaga, de seguida Portugal ganhou 3-1 e foi derrotado aqui por 2-1. Mas neste caso, penso que a Dinamarca vai ser um grande problema para Portugal.
Porquê?
Porque vocês sabem que vão ter grandes dificuldades para conseguir os resultados frente à Alemanha e à Holanda, e é para esses jogos que os portugueses vão concentrar todas as atenções porque os consideram como sendo a chave da qualificação. A Dinamarca será vista como um obstáculo, claro, mas não ao nível dos outros. Sabe, quando jogava não tinha grandes problemas em fazê-lo frente à Alemanha ou outra selecção do género. Os maiores problemas surgiam sempre que defrontávamos a Finlândia ou as Ilhas Faroé. Pode parecer estranho, mas era mesmo assim. Quando entramos em campo pensamos sempre que vamos jogar para ganhar, mas, não sei porquê, quando olhamos para um adversário como as Ilhas Faroé pensamos que vai ser mais fácil do que defrontar a França ou a Inglaterra, por exemplo, porque com esses nós sabemos exactamente o nível de empenho que temos de ter para tentar ganhar. Por incrível que pareça, torna-se assim mais fácil jogar contra equipas mais fortes, porque sabemos bem o nível de preparação que temos de fazer para conseguir o resultado. Contra equipas que julgamos mais fracas, queremos ganhar, claro, mas o empenho e a seriedade não são os mesmos. É por aí que surgem as dificuldades maiores.
Lembra-se bem do Portugal-Dinamarca (1-1) do Euro’1996?
Claro! Ainda hoje considero que merecíamos e devíamos ter vencido esse jogo. Portugal teve muita sorte na forma como fez o golo do empate. Sá Pinto. Desligue o microfone por favor [diz a rir, enquanto aproxima a cabeça de mim, como se fosse eu o jogador portugês que lhe marcou o golo]. Esse pirralho! [em rigor, o termo inglês utilizado por Schmeichel é bem mais grosseiro, embora o sentido seja o descrito]
…
O meu bom amigo Sá Pinto. Dê-lhe cumprimentos quando o vir, está bem?
Serão entregues. [Estão entregues.]
Voltando ao Portugal-Dinamarca, devíamos ter acabado com o jogo quando tivemos as oportunidades para o fazer. Depois, não sei se se lembra, o nosso lateral-esquerdo escorregou quando devia ter chutado a bola, o Sá Pinto apareceu ali de repente e marcou o golo. O nosso lateral devia ter afastado a bola dali. Lá está, é um daqueles momentos de sorte de que já lhe falei. E que são decisivos nas fases finais de Europeus ou Mundiais. Aliás, voltando às minhas previsões, sei que agora você vai sentar-se, estudar os grupos e fazer os cruzamentos. E tinha curiosidade em saber se os seus resultados são diferentes dos meus. Por exemplo, quem é que Portugal vai afastar para chegar aos quartos-de-final?
A Holanda.
Como?
Portugal afastou a Holanda nos quartos-de-final do Euro’2004…
[Interrompendo] Mas nesse jogo vocês tinham a vantagem de estar em casa, em Lisboa. Foi um grande jogo e uma grande vitória de Portugal.
Uma vez que a expectativa geral é a de que Alemanha e Holanda se qualifiquem, Portugal e Dinamarca não podem beneficiar do facto de estarem menos pressionadas?
Claro que a Alemanha e a Holanda sentes que todos já os dão como qualificados e têm a responsabilidade de não falhar. No entanto, quer os dinamarqueses quer os portugueses também esperam que as suas equipas façam o melhor e sigam em frente. Em Portugal, a pressão sobre a selecção não será menor. É um país pequeno com três jornais desportivos diários que têm de escrever muitos disparates todos os dias. Sei-o bem porque joguei e vivi lá dois anos. Portanto, em termos de pressão, não me parece que seja assim tão diferente de uns para os outros.
Falou na imprensa portuguesa e na pressão que ela exerce sobre a selecção, clubes ou jogadores. Jogou em Inglaterra oito anos, logo conhece bem aquela realidade. A saída de Fabio Capello da selecção começou numa história de jornais?
Sim, sem dúvida. E será interessante verificar qual o comportamento deles [jornais] desta vez, antes e durante o Campeonato da Europa. Alguma coisa tem de mudar por lá, mas ninguém quer ceder nem impor limites em relação ao que se pode ou não se pode fazer ou escrever.
O facto de a Inglaterra estar sem seleccionador coloca-a fora do lote dos favoritos ao Euro’2012?
A Inglaterra tem um grande problema: não precisa de um seleccionador amanhã, mas… ontem!
Harry Redknapp, actual treinador do Tottenham, parece-lhe ser uma boa solução?
É disso que se fala em Inglaterra, da possibilidade de ele terminar a época no clube e pegar na selecção…
Ele tem um carácter muito forte. Nos últimos três anos e meio acumulou o melhor trabalho da carreira, construindo a melhor equipa que já teve. É suficientemente forte para lidar com uma tarefa dessas. Agora, no lugar dele, depois de ter colocado o Tottenham entre as três melhores equipas da Premier League, a trabalhar com jogadores tão bons, questionava-me: por que razão vou deixar isto? Tenho aqui uma oportunidade bem real para ganhar a Premier League ou um troféu europeu. Claro que ser seleccionador é um grande trabalho, o ponto alto de uma carreira, mas…
Mas você não o aceitava?
Não, não aceitava, mas por outras razões, é que não tenho qualquer ambição de ocupar cargos de treinador ou manager. Ter de lidar com jogadores cuja mentalidade mudou muito nos últimos cinco anos, com os proprietários, com a imprensa. É muita pressão, não vale a pena. Nesta altura, imagino que o Harry tenha uma decisão muito importante para tomar.
[b]Em 1992, a vitória da Dinamarca foi relatada, um pouco por todo o mundo, como uma espécie de “conto de fadas”: os jogadores estariam de férias quando a UEFA decidiu excluir a Jugoslávia do Europeu da Suécia, chamando a Dinamarca para ocupar esse lugar. Então, o seleccionador teria telefonado os jogadores que se juntaram a poucos dias do início da prova. Foi mesmo assim que tudo se passou? [/b]
Lamento estragar uma história tão bonita, mas na verdade não foi nada disso que aconteceu. A única verdade nisso tudo é que, realmente, nós estávamos de férias em termos mentais. Na Dinamarca ainda decorria o campeonato, logo os jogadores locais continuavam em actividade. Por outro lado, os que actuavam fora, como eu que tinha terminado a minha primeira temporada no Manchester United, estavam a treinar-se na selecção. Dado que o Europeu ia decorrer aqui ao lado, na Suécia, várias selecções tinham pedido para jogar com a Dinamarca naquelas duas semanas de preparação final. Os campeonatos na Europa terminaram mais cedo e nós estávamos cá a treinar para fazer um jogo particular com a CEI [Comunidade dos Estados Independentes, que surgiu com o fim da URSS, e que iria depois transformar-se em várias repúblicas, entre as quais a actual Rússia]. Trabalhávamos todos os dias, mas de uma forma muito descontraída, devo reconhecer. Quando um jogador desliga, desliga mesmo. Era isso que se passava connosco. Já não estávamos em modo de competição em termos mentais. Já tínhamos desligado e essa foi a vantagem. A exigência do treinador também não era a mesma, ele não estava ali a tomar opções em função do que cada um trabalhava. Então, entre a sessão de treino da manhã e a da tarde, surgiu a novidade: a Dinamarca ia à fase final do Europeu’1992. Não estávamos na praia, nem de férias. Agora, o tipo de treino que fazíamos era mais leve, não aquele que seria normal se estivéssemos qualificados desde sempre para a prova.
No dia seguinte, os treinos tornaram-se mais duros.
Sim, mas o importante, talvez aquilo que mais nos beneficiou, já tinha acontecido.
Que foi…
Foi o facto de nos meses anteriores não termos pensado no Europeu, de não termos sentido a responsabilidade de representar o nosso país. Eu olhava para o calendário e dizia: Ok, faltam duas jornadas para ir de férias; depois sabia que fazia mais um jogo e podia desligar, como desliguei. Muitas pessoas, desde então, me dizem: então, se calhar, aquela é a forma mais correcta de preparar a fase final de um Europeu ou Mundial. Bom, se o ganhámos daquela maneira, pode dizer-se que sim, que é a preparação ideal. Mas, por outro lado, tentámos fazer o mesmo antes do Euro’1996 e Mundial’1998 e não resultou.
O que é que falhou, se é que falhou alguma coisa, uma vez que a Dinamarca, em França, chegou aos quartos-de-final, onde foi eliminada pelo Brasil (2-3)?
As circunstâncias não eram as mesmas, tão simples quanto isso. Nos meses anteriores ao Euro’1992 não sentimos qualquer pressão porque não íamos estar lá. Depois, na preparação para o Euro’96 ou Mundial’98, apesar de tentarmos não pensar nisso, acabava por ser impossível, porque a seis meses da prova já não pensas noutra coisa, ou porque vais para estúdio gravar o hino, ou porque começas a fazer campanhas publicitárias relativas ao evento.