Não me revejo em conceitos como união e estabilidade, como bens inalienáveis. A estabilidade deve ser defendida, em momentos em que a realidade mostra um rumo e uma evolução de acordo com os objectivos de uma instituição e a sua missão, não desprezando uma qualquer condicionante conjuntural que possa colocar em causa ou, no mínimo, dificultar a concretização desses objectivos. Se essa condicionante for estrutural, é indispensável a implementação de uma estratégia que a médio e longo prazo elimine o que menoriza a instituição de forma definitiva e a coloque no caminho certo. No caso do Sporting Clube de Portugal, no caminho dos seus desígnios e valores.
“União” não pode também ser defendida a todo o custo. Não quando se pede que se feche os olhos a um momento, cuja origem tem anos e anos de incompetência e de uma determinada forma de pensar o clube, que coloca em causa a sustentabilidade financeira do Sporting, a sua imagem, a sua marca. Mais grave, que vai eliminando do clube o sentimento de pertença, de orgulho, de ser “diferente”.
Essa “diferença”, é discutível e tem sido discutida. No meu entender e acima de tudo, no mais íntimo do meu ser, ela existiu… talvez exista ainda, mas vai-se esbatendo aos poucos e poucos, à medida que os resultados desportivos estão muito para lá dos piores pesadelos dos Sportinguistas, mas acima de tudo, por dirigentes que não hesitam em instrumentalizar adeptos a bem de uma imagem, construída do ar e que pretende esconder a total falta de liderança, em os colocar uns contra os outros, em abafar contestatários, em mentir, com a perfeita consciência que muitos dos Sportinguistas sabem que mentem, de forma descarada. E fazem isto porque sabem que há uma franja de sportinguistas, sejam quais forem as razões, olham apenas para aquilo que é visível, para o que é transmitido pela sua direcção e pelos tentáculos desta na comunicação social, muito eficiente na defesa do status quo instalado, quando ao mesmo tempo é capaz de desprezar a história deste clube centenário, o seu bom nome, os seus feitos.
Entrando no tema que me fez escrever estas linhas… o “Orgulho Sportinguista”.
Sentir orgulho de quê e de quem, neste momento do clube? Um eterno candidato ao título, com uma história gloriosa, que neste momento está na luta pela manutenção no campeonato, que com um terço da época decorrida estava de fora dos objectivos mais importantes, que apresenta um futebol, que é suposto esta actividade ser um espectáculo, ao nível do pior amadorismo já visto nesta modalidade, de uma gestão que como nenhuma outra a esta dimensão, que dá todos os indícios e provas de incapacidade, de falta de rigor, de despesismo, de falta de transparência.
Já nem o rebuçado de estarmos fora de jogadas sujas de bastidores, temos para levar à boca. Os nossos dirigentes são gozados pelos seus pares, por pior que seja a sua reputação, por mais insignificante que seja a instituição que lideram. Sentir orgulho de ser adepto deste clube? Como?
Não tenho qualquer pretensão de responder a essa pergunta como se de um manual se tratasse. Nem que cada um nós faça esforços nesse sentido. Nem quero dizer que nos devamos orgulhar, em momentos como este, do que nos faz mal e neste momento o Sporting faz mal aos seus adeptos. Cada um vive o seu Sportinguismo como quer ou melhor… como o sente.
Mas… as memórias que tenho, em menor número do que mereço enquanto Sportinguista e das quais não me liberto, porque não quero e porque fazem parte de mim, não deixam adormecer o espírito leonino, que vive em cada célula do meu ser.
Criança, eu tinha os nomes de Manuel Fernandes, Oliveira e Jordão escritos nas costas dos bonecos dos meus matraquilhos, no tridente da frente. Com sete anos decidi mudar de clube, para os campeões desse ano, por triste que estava pela alegria dos amigos e da qual não partilhava, amigos que até eram em grande número e que formavam um grupo no qual me sentia à parte. Lembro-me perfeitamente dessa decisão, do momento e do local. Tal ideia, terá durado um dia, se tanto. Peguei nos matraquilhos, comecei a jogar do lado do rival de sempre, contra o tridente de ouro de Alvalade e um sentimento de repulsa pelo lado que defendia e de traição, por jogar contra os meus, fez-me compreender, tão novo, que não havia lugar a qualquer decisão, por racional que parecesse, que mudasse o que já era: um leão. No ano a seguir… o Sporting foi campeão nacional. O último antes da seca de 18 anos.
O meu filho é Sportinguista de quarta geração. Tem… sete anos. Na PS, ou joga pelo Real Madrid ou pelo Sporting. Quando jogamos um contra o outro e quando assim é, escolhe sempre a equipa de Cristiano Ronaldo, o primeiro ídolo da sua curta vida e rejeita sempre jogar contra o Sporting, que é a única equipa que escolho a não ser nesses momentos com o meu pequeno. “Podes escolher quem quiseres, mas Sporting, não! Não quero marcar golos ao Sporting” . Nos dias de hoje, é trabalho de sapa e na cidade onde vivo, criar um leãozinho, tentado por amigos e professores, todos os dias.
Não teria esse trabalho se não acreditasse num futuro melhor para este clube. Com uma liderança em que eu veja espelhados os valores desta instituição e em que as palavras “Esforço, Dedicação, Devoção e Glória” não façam lembrar apenas feitos passados. Gostava de ver novamente o meu Sporting a abarrotar de referências, de talento, de valor; aquelas que bateram recordes nacionais e internacionais ainda imbatíveis, aquelas que levaram uma equipa ex junior de hóquei patins conseguisse o título de campeã nacional; a conquistas olímpicas; a grande espectáculos de futebol de ataque, mesmo quando os títulos eram uma miragem, que me faziam acreditar no sucesso próximo.
Muitas vezes ouço adeptos a referirem que são do Sporting e não adeptos deste ou aquele jogador. Eu olho para trás e aquilo que me toca mais fundo, além do título de 2000, são precisamente os nossos atletas, os nossos jogadores, aqueles que envergaram as nossas cores, a capacidade de se superarem, de não baixarem os braços mesmo quando a vitória era uma miragem e nunca foi alcançada por vários deles, exemplos de excelência individual, sem o merecido prémio colectivo. Sem personalizar, no meu imaginário enquanto adepto deste clube, não posso e não vou deixar de sentir um enorme carinho e um enorme Orgulho pelos bons momentos que me proporcionaram nas pistas de atletismo, nos campos de andebol, hóquei, futsal e futebol, leões que representavam garra, talento, atitude e superioridade leonina relativamente a quem nos queria vencer. Mesmo quando nos venciam.
O Sportinguismo não pode ser uma sina… um fado. Por mais que o actual momento nos pareça envergonhar. A vergonha e a responsabilização, terão que ser virados para quem quer alterar a identidade deste clube. Não o vão conseguir.