Bem, este é o meu primeiro artigo, mas também não há outra altura como agora. Tenho-me mantido em recato, porque a cadência dos acontecimentos impede um raciocínio e análise a frio e isso, mais do que qualquer outra coisa, é aquilo que o Sporting precisa e não tem tido.
O Sporting neste momento debate-se com um momento fulcral da sua existência. Andou perdido durante umas décadas, encontrou um rumo e agora espatifou-se numa curva apertada. É o que temos, é triste, mas é mesmo assim. Mas também por isso é importante perceber o passo seguinte.
Durante anos fui adepto dum clube com o qual me identifico até à medula, mas onde não via nele a ambição que tinha dentro de mim e, mais do que uma realidade com a qual me identificava, era apenas um conjunto de ideias e valores perdidos algures no éter. Aquele era, ao mesmo tempo, o meu clube e uma coisa estranha que me dizia pouco, eu gostava dele mas ele parecia não gostar de mim. Uma espécie de amor de perdição. Um clube amorfo, amestrado, dócil, pacato para com os amigos e inimigos, capaz de vender um capitão a um arqui-rival e com duques e duquesas sem a mínima destreza intelectual para o comandarem, para lhe darem a dimensão que ele sempre teve, que lhe era devida. Ao mesmo tempo éramos também amados por rivais e adversários, que aprenderam a acarinhar-nos num misto de pena e compaixão, típico de quem não via em nós qualquer espécie de ameaça à sua hegemonia.
E por ali andámos, durante muito tempo, presos numa espécie de purgatório, onde nem eclodíamos para desaparecer eternamente, nem despertávamos da letargia a que as vozes mandantes nos tinham votado. Parecíamos um clube a ansiolíticos, suficientemente acordado para falar e responder, suficientemente dormente e adormecido para não refilar muito. E isto agradou e agrada ainda a muita gente, incluindo dentro de casa.
Eis que entra em ena um gajo estranho. Um bombocas desbocado, pronto a marrar com tudo e com todos, mas que em poucos anos devolveu ao clube uma dimensão que, no meu período de vida, ele não tinha atingido – e eu já não sou nenhum menino, a meia-idade está aí à porta e fui campeão 2 vezes – “duas”, por extenso. O bombocas tentou, mas não fomos campeões no futebol, mas porque não nos deixaram, num dos maiores roubos desportivos de que há memória, que nenhum sportinguista decente pode negar. Começámos a ter mais sócios, mais espectadores, mais modalidades, mais títulos nas modalidades, até um pavilhão conseguimos ter. Melhores contratos de publicidade, mais vendas de merchandising, o clube parece que levou uma injecção de adrenalina mesmo no coração. E durante 5 anos vivemos aquele que terá sido o período de maior crescimento em toda a minha vida, num ambiente de crescimento continuado e sustentado como não tenho memória de outro. E com apresentação de resultados financeiramente equilibrados, suportados num rigor orçamental como também não tínhamos antes.
Diz-se em boa verdade que os loucos que acham que podem mudar o mundo são os loucos que o mudam mesmo. E o Sporting teve esse louco, o tal bombocas desbocado que, com boa dose de génio e outro tanto de palerma, mudou mesmo esta porra dos pés à cabeça, que apetrechou uma equipa de futebol ao nível das melhores que tivemos desde que me lembro (1980 - ) e a tornou capaz de disputar qualquer jogo em qualquer campo com qualquer equipa e com qualquer árbitro, porque neste período o Sporting jogou contra os melhores da Europa e, não ganhando, nunca foi claramente inferior a ninguém e saiu sempre de cabeça bem levantada. Sim, não somos ainda gigantes à escala europeia, mas somos competentes e dentro da nossa dimensão e das nossas capacidades, vi o Sporting fazer nestes anos aquilo que já não me lembrava de ser feito.
O Sporting cresceu, o Sporting ousou, o Sporting conseguiu voltar a ver-se ao espelho como o Sporting com que sempre sonhámos, eu pelo menos sonhei, muito por obra e graça desse famigerado déspota insuportável, também chamado de coreano, mas que ao fim do dia nos devolveu aquilo que era nosso: a nossa identidade, o nosso brio, a nossa ambição de sermos tão grande como qualquer outro. O sportinguismo pujante, que pulsa na veia, que grita e que chora, que ruge como nunca antes rugira.
Pelo meio tivemos que lhe suportar muitas das diatribes que agora lhe custaram o lugar, porque muita gente se fartou da sua forma de estar e de falar, mas também porque foram convencidos que é preferível serem pequenos e não ter quem nos chateie do que serem grandes e termos que lidar com toda a pressão de comunicação social, de rivais, de jogadores e de empresários, do vizinho, do primo, da tia, do pai e da mãe, do professor dos miúdos, de clientes e de fornecedores. Fuck them, o Sporting é meu e não deles, eu é que tenho que saber o que quero para o meu clube e não eles.
Já aqui o disse que mesmo que BdC por obra e graça do divino sobreviva a isto é impossível que algum dia volte a ser um presidente com o poder que já teve e que precisa de ter para comandar o clube. Mas o problema está para lá de BdC, porquanto a alternativa é tudo aquilo que ele combateu e que foi preciso derrotar para que o sporting fosse, de novo, Sporting.
Mais do que mudar de presidente, trocar o Bruno pelo Manel, é importante perceber o que se quer no futuro. As eleições estão aí em setembro e eu, fartinho que estava e estou do Bruno, também sei o sporting que tinha antes dele e o Sporting que tive com ele.
O Sporting não tem que ser o sporting com que a CS sonhou, com que os lampiões sonharam, que o Orelhudo quer e que os Ricciardis e Sobrinhos desta vida querem. Venham eles, a comunicação social, rivais, jogadores e empresários, o vizinho, o primo, a tia, o pai e a mãe, o professor dos miúdos, clientes e de fornecedores. O Sporting é meu e dos meus, não deles e dos deles. O Sporting somos nós, não unânimes, mas unidos. Nós é que temos que saber que Sporting queremos, não eles.
O Sporting somos nós, todos nós, nós que gritamos nas vitórias até perder os sentidos, nós que choramos por perder uma final da UEFA em Alvalade. Nós, que andamos de angústia em angústia com a invasão a Alcochete e com as rescisões dos jogadores e não médicos que rejubilam com as agressões aos jogadores ou candidatos da oposição que sorriem perante mais uma rescisão unilateral de um jogador com o clube.
Sim, BdC geriu muito mal os últimos meses, mas os sportinguistas, os verdadeiros sportinguistas, não viram nisto qualquer espécie de conforto, qualquer espécie de satisfação, qualquer tipo de regozijo. A dor, essa, esteve sempre lá, cada dia uma nova angústia. Mas houve muita gente, que agora se perfila para tomar o clube de assalto, que viu nestes meses o seu momento mais alto de sportinguismo, um chamar do dever, porque o dever deles é uma cosia estranha, o dever deles é para com eles mesmos e nesta altura os interesses deles podem ser recompensados. E esses são perigosos, porque eles não querem saber do Sporting para nada. Já o disse antes, eles não gritam na vitória nem choram nas derrotas. E o Bruno, esse malvado, esse gritava e chorava. E se calhar foi por aí o fim dele, que se deixo contagiar em demasia pelo sportinguismo em alturas onde devia e podia ter sido mais cerebral e pragmático, mas de falta de sportinguismo não o posso acusar, ele gostava mais disto do que dele próprio.
Eu não critico ninguém que tenha entendido que este era o ponto final de BdC. Uma vez aqui chegados, era já um Sporting em cacos e era uma questão de escolher o balde onde os meter.
Mas agora há opções a fazer. Os sportinguistas têm que se lembrar da porcaria que tinham, um clube ligado às máquinas de modo artificial, e do clube que esse lunático desastrado nos devolveu, um clube pujante em todas as suas dimensões, com uma ambição tão desmedida como eu não me lembro.
Eu não gostava e não gosto do estilo de liderança de BdC porque me pareceu órfão de algum pragmatismo a partir de determinado momento. Mas também sei que estou farto de meninos polidos que não têm onde cair mortos se não for a teia de influência dos amigos e que não têm qualquer visão nem estratégia para o clube.
Quem não vive como eu o Sporting não merece a minha confiança para o liderar. E se eu concedo na mudança de presidente, não concedo na mudança de rumo. E o Sporting de Bruno de Carvalho foi o melhor Sporting que eu já conheci e por uma larga margem, mesmo que o tenha que o ser novamente sem Bruno de Carvalho. Mas é esse o Sporting que eu quero.
Alvalade tem que ser a casa da mais ambiciosa equipa em Portugal e não o clube de chá das gentes da linha. Eu aceito que se mude o Presidente, não aceito que se mude o paradigma.
Em Setembro os sportinguistas votam, teremos o Sporting que acharmos que devemos ter. Podemos não mudar nada, podemos mudar simplesmente de presidente ou podemos mudar de paradigma, os sportinguistas é que escolhem o que querem mudar.