[font=trebuchet ms]Ainda não tinha tido tempo de vir a este tópico senão para ler posts na diagonal. Aqui vai um contributo.
Em tempos contei aqui no fórum a história duma ida minha a um jogo, já não me lembro em que tópico terá sido. O post andará por aí, mas o fórum já foi reorganizado, é difícil encontrá-lo entre 16 mil posts meus. Deve haver quem se lembre da história, mas aqui vai de novo. Deixo-vos adivinhar quando foi.
A brilhante FPF, sempre fora da realidade, decretou em tempos que as eliminatórias da Taça de Portugal passavam a ser numa única mão, com os respectivos jogos às quartas-feiras às 15 horas.
Isto tinha a ver com o início da generalização das transmissões televisivas. As transmissões existiam, é claro, mas eram irregulares.
No caso da Taça, a maioria dos jogos não era transmitida. Fosse para a Taça, ou para o Campeonato, a lei protegia a assistência ao vivo. Os jogos com transmissão televisiva tinham que ter um delay de duas horas, em relação aos não transmitidos, para que os espectadores destes tivessem tempo para regressar a casa a tempo de verem as transmissões. É preciso ver que quase só havia um canal de TV.
Como podem calcular, esse gerava confusões. Vai daí, na sua eterna e infinita sapiência, a FPF, lá do excelente observatório da realidade que eram os seus gabinetes (na Praça da Alegria), decretou, como disse acima, que passava a haver um único jogo em vez dos dois (um em casa de cada clube) anteriores, e que esse jogo seria sempre à quarta-feira, às 15 horas. Period
Como calculam, isso era completamente desajustado da realidade portuguesa. Quase não havia shoppings como há hoje, não havia call centers, as pizzas ao domicílio eram raras, etc. Ou seja, a maioria da população trabalha às quartas-feiras às 15 horas.
Mas as iluminárias decidiram que era assim e assim foi. Num das primeiríssimas eliminatórias sob esse novo esquema, o FC Porto, dominador do futebol nacional de então (…) veio jogar a Alvalade. E era favorito. Foi nos tempos das célebres imagens de José Pratas a fugir de Fernando Couto e Jorge Costa…

Na altura eu trabalhava numa oficina, onde era o apontador.
Era-me impossível ir ao jogo sem faltar ao trabalho. Estava feito ao bife. Discuti isso lá na oficina e uns sportinguistas de lá deram-me uma solução.
Um serralheiro civil e um soldador, ambos pessoal da pesada, disseram-me que aquilo era «no problem», que eles costumavam lidar com essas situações numa boa. No dia dos jogos iam ao hospital dar sangue, o que legalmente correspondia a um dia inteiro de folga, com pagamento integral do ordenado.
Eu não costumava dar sangue, long story (e não costumo, even longer story). Era magríssimo na época (devia pesar uns 60 quilos), mas era sobretudo devido a um internamento hospitalar em miúdo, por hepatite contraída em África, que não podia, em teoria, dar sangue. No entanto fui-me informar. Disseram-me que bastava declarar a antiga hepatite para poder dar sangue na mesma, pois analisariam cuidadosamente o sangue. De resto teria a tal regalia, o dia de trabalho seria pago.
E na quarta-feira do jogo lá fui, de manhã, com o soldador e o serralheiro civil, dar sangue. Trabalhávamos em Alcântara, pelo que apanhámos o eléctrico para o Hospital Egas Moniz. Até correu bem, embora me tenha sentido algo atordoado. Aquilo não me caiu nada bem… A «cerimónia» incluía uma espécie de lanche, para o dador de sangue recuperar, mas era uma coisa mínima, muito levezinha. Os outros pediram um copinho de vinho do Porto, que era a única coisa alcoólica que havia. Eu comi já não sei o quê, mas era manifestamente pouco. E na época eu comia imenso…
Aquilo tinha demorado bué e já estávamos algo atrasados. É que na época ninguém andava de carro (eu até tinha dois, ambos parados à porta de casa!). Só o seguro era uma fortuna, fora a gasolina… Toda a gente tinha o passe da Carris.
Lá nos arrastámos de volta ao Largo do Calvário, onde apanhámos um autocarro para o Saldanha e Av. da República, onde apanhámos outro para a Alameda das Linhas de Torres, etc. Perdia-se mesmo muito tempo nos transbordos!
Chovia com força, estava vento e um frio de rachar, enfim, era uma ida ao futebol à antiga, só que num dia de semana, ou seja, com muito mais trânsito que o habitual. Mas conseguimos chegar em cima da hora. Só que já há bué que não me estava a sentir bem. Aliás, desde que me tinham tirado o sangue.
Os bilhetes, eram, já não sei como nem porquê, para a bancada central ou lateral. Na época aquilo era uma grande confusão, por ser um jogo para a Taça e não para o campeonato. A FPF já tinha a paranóia dos bilhetes impressos e distribuídos por ela, escolher o lugar era quase impossível, comprava-se o que havia na bilheteira e ia-se com sorte. Por isso fomos parar ao meio de… Tripeiros!
Que eram muitos e grandes… A malta que ia comigo também era grande, os dois, mas perdemo-nos rapidamente uns dos outros. Fiquei no meio de dois tipos de sotaque marcado, tipo «carago» prá aqui, «carago» prá li, mas… Não me lembro de quase mais nada.
Acho que desmaiei. Parece que passei o jogo inteiro a dormir ao colo dum deles. Não sei. Nem sei bem como saí dali, como cheguei a casa, tenho uma vaga ideia de ter cambaleado mecanicamente atrás do resto da multidão até uma paragem de autocarro e de ter ido sempre em piloto automático até casa.
Em casa deitei-me e dormi sem parar até à manhã seguinte.
Tudo isso é estranho, porque me lembro que foi um jogo muito ruidoso, com muita gritaria, chato como tudo, com muita porrada no relvado e, obviamente, casos. O FC Porto era pioneiro no tipo de jogo actual, com muita posse de bola, sem jogar nem deixar jogar, e na época ninguém gostava disso (ainda acho isso um futebol de m*rda, mas enfim, veio para ficar). Devo ter visto tudo, mas assim a modos que drunfado.
Ainda hoje tenho imensos problemas com dar sangue (apago-me sempre), mas dessa vez podia ter corrido mal. O que vale é que, como ia (e vou, já lá vão uns bons 40 anos) regularmente ao estádio, sabia ir e vir de olhos fechados. E, pequeno pormenor, morava (e moro) perto…
Depois, se tiver tempo, acrescento aqui a memória doutros jogos. Há um importante, de 1977-1978, no Topo Sul, atrás da baliza, que foi algo histórico.[/font]