Aproveitando um artigo retirado da “Tasca do Cherba”, abro aqui tópico para este excelente reforço da estrutura do Sporting e que estranhamente ainda não tinha o seu próprio espaço no fórum. Um passo de gigante comparativamente ao que tinhamos.
"José Guilherme Chieira, de 45 anos, é o novo homem forte da estrutura do futebol leonino, reforçando uma das áreas mais vezes apontada como uma das mais débeis do clube: o scouting.
Analisando o que dele se diz, ficamos a saber que os conhecimentos adquiridos no Championship Manager transportaram-no para o scout profissional ligado a clubes. Do Sporting, onde cresceu na companhia de Aurélio Pereira até ao FC Porto, clube onde esteve durante oito anos, sendo o responsável pela validação das contratações de jogadores como Alex Sandro, Jackson Martínez, Otamendi, Alex Telles ou Brahimi. Pelo meio, passagens por Vitória de Setúbal, Académica e Panathinaikos e o tornar-se numa das principais referências do scouting português.
Recorde-se que, ainda durante a campanha eleitoral, Frederico Varandas deixou claro que, caso fosse eleito, teria especial atenção à formação do clube e ao scouting. “Só nos aguentamos no escalão de sub-17, em termos de Seleção. O paradigma mudou. Temos de ter recrutamento, área técnica… Temos de ser mais efetivos e, para isso, precisamos de investimento. Temos de dominar Lisboa, Setúbal e Braga, os distritos mais jovens, e em escalões de seis a oito anos. Temos de ir buscar os melhores, ter as melhores condições de treino, com Unidade de Performance, porque não é só entrar na Academia e sair jogador. Temos de remodelar por completo a formação do clube. Não se impõe gostar do Sporting, ensina-se. Perdemos muita competitividade e qualidade. Sei o que é preciso alterar, onde investir e em que pessoas. Teremos problemas para os próximos cinco/seis anos. A formação vai ser a base da equipa”.
A contratação de José Guilherme Chieira é um passo firme nesse sentido e, permitam-me, convido-vos a aproveitar a pausa de almoço para lerem uma entrevista que o Mais Futebol fez a este craque do scouting.
Maisfutebol: Como é que descobriu o futebol?
José Chieira: Além de brincar um bocadinho a jogar futebol, quando era miúdo, o início de qualquer atividade ligada ao futebol começou com o Championship Manager [CM]. Já foi há mais de 20 anos. Sou péssimo em datas, mas deve ter sido por aí. Basicamente, jogava o jogo, era um treinador virtual como qualquer outro e estava registado na base de dados dos treinadores virtuais de vários países. Perguntaram-me se estava disponível para começar a participar no scouting e na criação de uma base de dados das equipas portuguesas. Fiz um teste que consistiu na análise do plantel do Marítimo e em 15 dias foi fácil decidir.
MF: Mas chegou a jogar futebol?
JC: Sim, cheguei a jogar. Praticava muitos desportos e ao mesmo tempo estudava. Os meus pais condicionavam um pouco as práticas desportivas e a disponibilidade para as mesmas. Tive de fazer escolhas. Nasci em Coimbra e fui para Lisboa com 16 anos, porque entrei na faculdade mais cedo. A partir daí foi fácil tomar uma decisão. Tinha muitos amigos que jogavam e tive sempre uma relação muito próxima com o futebol. Íamos para Santa Cruz, na Sereia, onde era o campo de treinos da Académica e, em vez de ir à catequese, ficava lá das 9h da manhã até à hora em que acabava a missa (risos).
MF: Considera importante ter jogado futebol no desempenho da função que tinha no Championship Manager?
JC: Claro que sim. Considero que se calhar fui vítima, no bom sentido, de um processo muito prematuro de scout. Desde muito cedo, que consegui transportar toda a sensibilidade do jogo para a análise da parte técnica individual. A entrada para o CM, tinha 20, 21 anos, obrigou-me a ter uma abordagem mais analítica do jogo. O facto de ter jogado e de ter conhecimentos e sensibilidade, permitiram-me, muito rapidamente, perceber que estava num contexto novo e num espaço muito particular para permanecer ligado ao futebol.
MF: Em que consistia, de facto, a sua função no CM?
JC: Basicamente tinha de «matar» tudo o que era futebol. O que se pedia? Pedia-se informação, não só dos jogadores com uma discriminação muito rigorosa em várias vertentes, mas também da parte contratual. Também tinha de reunir informação das equipas técnicas. Nessa altura, já havia detalhe na análise do treinador e de todos os profissionais que faziam parte do clube, incluindo a direção.
MF: Como é que se chegava a essas pessoas?
JC: Tive sorte. Quando olho para trás… Nessa altura, nem toda a gente tinha acesso à Internet. Felizmente tinha Internet em casa e consegui, nos seus primórdios, criar uma dinâmica proactiva. Procurava as pessoas, não só através do meio tradicional, mas também através da Internet. Era obrigado a ver imensos jogos de vários escalões, porque estávamos na fase de absorver tudo o que era informação. Ainda não era conhecimento, queria-se acumular muita informação, tanto pela observação com os próprios olhos, como pela observação do resto da equipa que estávamos a criar. As pessoas queriam estar ligadas ao jogo e aproveitámos isso para criar uma situação de pirâmide, como forma de alimentar a base de dados.
MF: Como se filtrava a informação?
JC: Não era fácil, não era fácil. Depois aparecem os «Tó Madeiras». É uma história engraçada, que resulta das ineficiências que podem existir até nos mecanismos do scouting. Até num contexto de clube pode acontecer. É impossível controlar tudo. Tentávamos, tal como se faz nos clubes, criar mecanismos de cruzamento de informação, ou seja, filtrar tudo de forma a que quando a informação chegasse à parte de cima, fosse credível. A própria forma de trabalhar a base de dados é muito complexa. Não permite uma colaboração ao mesmo tempo, não podem estar duas pessoas a editar o mesmo jogador simultaneamente. Isto torna o processo muito complexo. Em relação ao Tó Madeira… um tipo candidatou-se como colaborador, era de Gouveia e podia dar informações do clube. Ele deu as informações e estas foram importadas para a base de dados, escapando ao primeiro controlo no momento em que saiu a primeira versão do jogo. Passado um dia pensámos “Isto é uma loucura, o tipo de Gouveia é espetacular”. O Tó Madeira era ele, junto com os amigos (risos). Tornou-se um fenómeno porque tem um nome comercial. É uma tarefa muito complexa, porque não se pode controlar todos os instrumentos do processo.
MF: Não sentiam que o vosso trabalho estava a ser usado por clubes ou por outras pessoas?
JC: Acho que isso era um dano colateral, era uma crise de crescimento com consequências positivas. Era um reconhecimento de que estava a ser feito alguma coisa. Não digo de qualidade, porque era um processo de scouting primário, apenas criávamos informações e referências. Não era um processo de conhecimento, por uma simples razão. Uma coisa é trabalhar neste tipo de base de dados fora de um contexto de clube. Num contexto de clube, cada análise tem um custo e, num clube como o FC Porto, uma conversa circunstancial pode ter consequências de 30 ou 40 milhões. O CM criou uma dinâmica de organização e gestão de informação que não existia em Portugal. É normal que os outros agentes do mercado, clubes, treinadores ou empresários, aproveitassem. Era abordado por muito gente e apercebi-me de que o nível a que trabalhávamos não era nem bom nem mau, porque simplesmente ele não existia em Portugal.
MF: O scouting era um espaço pouco desenvolvido em Portugal?
JC: Sim, e o tempo acabou por me dar razão. Na altura, sem saber, o trabalho que fazíamos era trabalho de um departamento de scouting. Fruto da implosão do jogo, as pessoas que colaboravam em cada país tornaram-se parte de um fenómeno incrível. Não só da parte técnica, mas também da parte de organização, gestão de informação e da parte de networking para alimentar essa base de dados. Assim, de repente, praticamente do nada, pessoas muito novas criaram um departamento de scouting que, na sua génese partia de Inglaterra e tinha pessoas no mundo inteiro. Fiz verdadeiramente parte da primeira base de dados mundial quantitativa, não só de jogadores.
MF: Entretanto começa a colaborar com o Sporting…
JC: Eles tinham uma estrutura com muita dificuldade em gerir informação. Por coincidência, a nossa colaboração começa por aí. Funcionou como uma parceria. Comecei a sair com os scouts mais antigos do clube, por amizades em comum, e eles começam a perceber que a dinâmica de gestão de informação e de rede era diferente. Até aí o CM conseguiu transportar-se para o futebol: criou um paradigma de scouting que não havia em Portugal.
MF: Que recordações guarda desse período?
JC: Tive a enorme sorte de partilhar conhecimentos, aliás, de absorver. Eram situações brutais para a minha idade e para o patamar em que estava. Saíamos de Lisboa às 6 da manhã para ir ver um jogo de infantis a Chaves ou aqui em Matosinhos ao Leixões. Criei uma dinâmica de estar no terreno e comecei a perceber os feedbacks desse mesmo trabalho. Não tem nada a ver com o trabalho fora do clube, o que me fez pensar que o scouting valia a pena num contexto de clube. Já tinha os instrumentos que me foram proporcionados pelo CM para poder aportar uma estrutura de um clube.
MF: Nessa altura conjugou o trabalho no Sporting com o trabalho no CM?
JC: Durante vinte anos, de uma ou de outra forma, estive sempre ligado ao CM. A par de um italiano, era o colaborador estrangeiro mais antigo. Comecei antes da pessoa que nesta altura é o CEO da empresa. Foram muitos anos.
MF: Quantos anos esteve com o Aurélio Pereira no Sporting?
JC: Estive uma época a trabalhar no futebol jovem e, entretanto, surgiu a possibilidade de passar para o futebol sénior do Vitória de Setúbal. Entrei num patamar do departamento de scout, onde fazia análise coletiva e individual. O meu trabalho nesta área começou verdadeiramente aí. Coordenava o departamento de scout, criado pelo Jorge Jesus, era responsável pela zona sul e ainda fazia análise de adversários. Foi assim que iniciei o meu percurso profissional ligado aos clubes.
MF: Do Vitória de Setúbal passa para a Académica.
JC: Sou de Coimbra, mas foi uma coincidência. Tive vários convites, mas a Académica convidou-me para criar um departamento de scout. Ofereceu-me um contrato de três anos e juntei o útil ao agradável. Era o coordenador do scout, não tínhamos muito recursos, mas faz parte do nosso crescimento perceber como podemos otimizá-los. Foi um desafio brutal. Mesmo para o próprio clube, do ponto de vista financeiro, houve situações de alavancagem que nunca tinham existido. Isso também foi possível pela abordagem diferente ao mercado.
MF: Que tipo de abordagem era essa?
JC: Tínhamos de ser pragmáticos para transformar a Académica num clube de I Liga. O processo da Académica era muito nacional, tinha de o ser. Para fazer uma aposta em jogadores de qualidade, de fora, era necessário conhecê-los e ter dinheiro para os pagar. Houve exceções, como o caso do Marcel que permitiu alavancar a parte financeira e a parte desportiva. De janeiro a dezembro salvou a Académica de duas descidas de divisão, portanto, foi um bom negócio para toda a gente.
Maisfutebol: Depois muda-se para o Panathinaikos. Como é que a oportunidade surgiu?
José Chieira: Trabalhava diretamente com o chefe de operações, o Jasminko Velić que jogou no Estrela da Amadora e que, mais tarde, foi adjunto do Fernando Santos. Conheci muita gente durante a minha trajetória e tive o convite para coordenar todo o scouting internacional do Panathinaikos. Na verdade, foi um desafio extraordinário. Permitiu-me sair de um clube, não digo regional, porque a Académica é enorme, gigante… Não é o maior, mas é o melhor clube do mundo. E ficamos por aqui… (risos). Continuando, permitiu-me sair de uma zona geográfica muito condicionada para o mundo. Contudo, a primeira saída que fiz ao estrangeiro foi à Argentina, pela Académica, mas na verdade isso não se repetia muitas vezes. O Panathinaikos permitiu-me ir para o mundo.
MF: No Panathinaikos o vosso trabalho incidia mais sobre que mercado?
JC: Há questões relacionadas com a cultura e com o histórico do clube. No Panathinaikos tínhamos uma particularidade. O dono do clube estava casado com uma senhora escandinava… então, todos os anos, tentávamos conhecer vários mercados escandinavos para fazer um negócio, de forma a tentar estabelecer boas ligações. Até porque era importante para o dono do clube ter essa ligação. Depois, também existiam casos de sucesso de jogadores argentinos no clube… então, interessava-nos ter jogadores argentinos. Por outro lado, tínhamos uma ligação a Espanha. Entendia-se que o treinador ou o jogador espanhol aportava uma mais-valia, nem que fosse do ponto de vista da marca. Tínhamos de conjugar isto tudo. Este jogo de xadrez permitia-me ver muita coisa, andar muito. A Europa Central também nos interessava. O contexto financeiro do Panathinaikos era desalavancado ao contrário do Olympiacos. Andávamos sempre por baixo, fazíamos scouting a sério. Procurávamos bons negócios, isso implicava algum risco. O primeiro jogador que levei para o Panathinaikos foi o Dame N´Doye. Tinha 21 anos. Da análise que fiz de jogadores com aquele perfil, o Dame era muito acima da média. Existia o risco por causa da idade, mas já estava a jogar na Europa. Entretanto, era preciso ver se valia a pena seguir aquele caminho. O Panathinaikos tinha limite de extracomunitários. Cada decisão tinha peso. Na altura, toma-se a decisão técnica, mas o jogador tinha contrato com a Académica. Existiram algumas divergências entre o clube e o jogador, entretanto resolvidas em tribunal. Como já tínhamos um pré-acordo, ele veio para a nossa equipa. Foi sempre titular enquanto teve vínculo com o clube. Deu dinheiro ao clube durante cinco ou seis anos. Entre empréstimos, recompras e vendas, o Panathinaikos estava constantemente a fazer bom dinheiro. Foi um negócio excelente.
MF: Depois passa para o FC Porto.
JC: Estive oito anos no FC Porto. Já vinha com quatro anos de mercado mundial a tomar decisões. Trabalhava diretamente com o chefe de operações, havendo uma participação muito próxima na decisão. Já não era só análise de mercado e parte técnica. O que fazia já integrava o contexto negocial, relacionando o perfil com o preço. A chegada ao FC Porto decorre num processo quase natural. O FC Porto foi um upgrade.
MF: Que função desempenhou?
JC: Entrei para o scout internacional. O FC Porto tinha uma estrutura forte e, talvez, existisse uma lacuna na parte internacional. Entrei para colmatar essa mesma lacuna.
MF: No FC Porto havia um perfil de jogador definido?
JC: Sim, existia. Por exemplo, tradicionalmente o FC Porto não fugia ao 4x3x3, embora a abordagem do professor Jesualdo fosse diferente da do Villas-Boas e da do Vítor Pereira. A forma de trabalhar de cada treinador tem uma contribuição específica incluída, a qual pode conduzir a diferentes perfis. Na sua génese, e de forma simples, temos de ir para a dimensão global do jogador, o que implica uma desconstrução pragmática. É jogador para jogar no FC Porto ou não? Essa é a pergunta final. Depois temos de desconstruir para trás, ou seja, questionar “quando é que ele vai jogar no FC Porto?” ou “como é que ele vai jogar no FC Porto?”. Está de acordo no detalhe ou no pormenor do que nós queremos nesta altura para o paradigma do clube? Olhámos para o FC Porto como um clube que tem de ter sempre soluções no plantel para ganhar todos os jogos. Mas no final, temos de dar a resposta se joga ou não no clube. Para trás são questões de detalhes, mas que implicam todo um processo.
MF: Quais eram as limitações enquanto scout nesse período?
JC: Estão presentes em todos os clubes. A otimização dos recursos existe sempre, menos no Real Madrid ou no Manchester United. Em qualquer contexto, o trabalho do scout tem um fim, que é validação técnica do jogador. Depois, pode haver uma avaliação da projeção do mercado e, essa leitura, convém estar na cabeça do scout quando está a desconstruir o jogador. Por exemplo, não vale a pena estar a ver o Martial se o Martial não vem para o FC Porto. Não podemos fazer um trabalho sem balizas. Essa vertente financeira não faz parte do scouting, está a montante do scouting.
MF: Que tipo de relação o departamento de scouting mantém com o treinador?
JC: Depende das organizações e dos perfis das pessoas envolvidas no processo. Cada vez mais o treinador percebe que deve ser um parceiro do departamento de scouting. Obviamente, qualquer treinador quer ganhar, qualquer treinador – transportando para o futebol jovem – quer ter os melhores jogadores possíveis. E tal só será possível com o departamento de scouting. Olho para essa relação como uma parceria, até porque o trabalho do departamento de scouting tem de ir, em parte, de encontro aos perfis traçados pela equipa técnica. É no meio que está o equilíbrio. Tem de existir abertura de todas as partes para se perceber que o clube é que fica a ganhar com essa comunicação, e que esta deve ser frequente. Os treinadores procuram canais para chegar a jogadores de qualidade e, tendo o canal dentro do clube, este deve ser alimentado.
MF: Qual o mercado em que mais trabalhava durante o período que esteve no FC Porto?
JC: O FC Porto funciona como os outros. Há um histórico de sucesso com ligações à América do Sul, mas a intenção era ver a floresta o mais possível. Há bons jogadores em qualquer parte do mundo. Por outro lado, há instrumentos para conhecer os jogadores e, um clube como o FC Porto, tem uma maior capacidade conhecer melhor esses jogadores. Temos de ser pragmáticos e perceber que, financeiramente, o FC Porto, o Sporting e o Benfica, não podem ter a ambição de pagar 30 milhões por um jogador. Portanto, isso condiciona a geoestratégia. Nestes clubes, é cada vez mais difícil garantir aquilo a que chamamos relação entre a maturidade e a qualidade. Porquê? Os clubes maiores têm máquinas de scouting gigantes, que estão presentes em todo o mundo desde as mais tenras idades. Por estratégia e porque podem, esses clubes condicionam o scouting o e recrutamento de clubes como o FC Porto. Já disse isto a pessoas amigas que estão em clubes maiores que, por princípio, é mais rentável fazerem uma redução da estrutura e deixarem equipas como o FC Porto, Benfica, Ajax, PSV e outros clubes, fazerem o primeiro filtro. Depois, limitam-se a colher os frutos, ou seja, deixam essas equipas errarem e depois aproveitarem os que acham que tem projeção para chegar a esse patamar. O mercado funciona assim. Um clube como o FC Porto paga para ver, esses clubes maiores pagam para esperar.
MF: Neste período alguma vez validou um jogador que depois não chegou a ser contratado?
JC: Sim, mas isso é normal. O mercado é muito complexo. Muitas vezes, sabemos que há momentos para fazer o negócio, mas nem sempre é possível.
MF: Qual?
JC: Não vale a pena dizer, estão em outros clubes (risos). Muitas vezes, questiona-se o scout em relação à sua frustração, que é saber que está ali um negócio extraordinário, um momento extraordinário para trazer um perfil extraordinário, mas as coisas não se concretizaram. A primeira coisa que digo é que temos de saber lidar com isso.
MF: Que jogadores validou e que foram contratados pelo FC Porto?
JC: Ui, a lista é longa. Jackson Martínez, Alex Sandro, Otamendi, Brahimi, Herrera, Alex Telles, Felipe, Otávio, por exemplo.
MF: Alguma história engraçada por trás de algumas dessas observações?
JC: Há coisas que agora se podem dizer. Andámos três anos a tentar trazer o Jackson Martínez, não a observá-lo. O dono do clube onde ele estava, no México, não tinha necessidade de vender até que houve a oportunidade. O Jackson que saiu do México foi muito diferente do Jackson que chegou ao México. Tinha algumas limitações técnicas, inclusive nos cruzamentos. Apesar de tudo isso, identificámos que o jogador tinha o perfil que precisávamos para a posição nove. Ao longo desse tempo, a projeção feita foi de acordo com as nossas expetativas. Outra situação engraçada está relacionada com o Alex Sandro. Fomos obrigados a acelerar o processo de recrutamento do jogador, apesar de sabermos que naquela altura não estava preparado para ser titular do FC Porto, uma vez que ainda tínhamos o Palito (Álvaro Pereira). O que aconteceu foi que o Vítor Pereira andou, literalmente, quatro ou cinco meses com o Alex Sandro pela mão, a prepará-lo para ser titular na época seguinte. É interessante como o scouting pode perceber os momentos e ajudar o clube a fazer os negócios na altura certa.
MF: Em trabalho, qual foi o melhor jogador que viu?
JC: Há uma história engraçada. O Lamela estava referenciado [pelo FC Porto] quando jogava no River. Tinha 18 ou 19 anos. Aliás, queimou a etapa de reserva e passou muito jovem para a equipa principal. Há um jogo na Bombonera, Boca-River, no qual o Lamela saca um jogo… tareia, mas tareia a sério na primeira parte e ele sempre com um comportamento impecável. Na segunda parte, ele é provocado, é expulso e o River perde o jogo. Mas o que se guarda dali é que, na loucura que é a América Latina, na loucura que é Bombonera, na loucura que é um Boca-River, conseguimos ter miúdos que têm de ser homens muito cedo e lidar com todo o tipo de pressão, que imaginamos e a que não imaginamos, e que conseguem dar aquele tipo de resposta. Além disso, o carácter e o talento que aquele miúdo mostrava ali, é muito mais que futebol. É claro que, o Lamela, na mudança para a Europa, ficou um pouco aquém, em virtude de algumas razões relacionadas com a formação social dele. A família já tinha alguma capacidade financeira e ele não veio com aquela resiliência que tinha de ter. Como experiência naquela qualidade, no contexto do jogo, foi uma situação brutal. E atenção, vi Messi e Cristiano Ronaldo, mas há circunstâncias e momentos que são totalmente irrepetíveis.
MF: Por que razão decidiu sair do FC Porto?
JC: Estive a fazer scout durante 23 anos. Por várias razões, decidi que tinha de descansar um bocadinho. As pessoas podem não ter noção, mas quem está ligado a este tipo de trabalho, não tem férias. Mesmo quando os jogadores têm férias, as pessoas da área do mercado continuam a trabalhar. Obviamente que há um desgaste inerente a isso. Independentemente de o FC Porto ter sido uma experiência extraordinária, com profissionais enormes e uma estrutura fabulosa, entendi que seria o momento para dar um passo ao lado."