José António Saraiva e a homofobia

José António Saraiva no SOL[/url]"]À minha frente, no elevador, está um rapaz dos seus 16 ou 17 anos. Pelo modo como coloca os pés no chão, cruza as mãos uma sobre a outra e inclina ligeiramente a cabeça, percebo que é gay. Estamos no edifício da FNAC do Chiado. Trabalho naquela zona e, pelo menos duas vezes por dia, subo e desço a Rua Garrett. Frequentemente, por comodidade, utilizo o elevador da FNAC: é uma forma prática de ir da Baixa para o Chiado e vice-versa.

Em todas as grandes cidades do mundo há lugares preferidos pelas comunidades gay. Não sei as razões que conduzem a essas escolhas, mas muitos guias turísticos já as referem. O Chiado é, em Lisboa, uma dessas zonas – e, de facto, cruzamo-nos aí constantemente com ‘casais’ de mulheres e sobretudo ‘casais’ de homens de todas as idades.

Julgo ser um facto notório que a comunidade gay está a crescer. Há quem afirme que não é assim – e o que se passa é que os gays têm cada vez menos receio de se assumirem, cada vez menos receio de revelarem as suas inclinações, tendo orgulho (e não vergonha) de serem como são.

Talvez esta explicação seja parcialmente verdadeira.

Mas, se for assim, é natural que o número de gays esteja mesmo a crescer. O assumir da homossexualidade por parte de figuras públicas acabará forçosamente por ter um efeito multiplicador, pois funciona como propaganda.

Até há duas gerações a homossexualidade era reprimida socialmente, pelo que muitos jovens com inclinações homossexuais teriam pejo de se assumir – acabando alguns por constituir família para afastar eventuais suspeitas. Conheço vários exemplos desses: casos de homens e mulheres que se casaram, vindo mais tarde a trocar o parceiro ou a parceira por uma pessoa do mesmo sexo.

Ora hoje passa-se o contrário: alguns jovens que não têm inclinações evidentes acabam por ser atraídos pelo mistério que ainda rodeia a homossexualidade e pelo fenómeno de moda que ela assumiu em determinados sectores. Não duvido de que há gays que nascem gays. Mas também há gays que se tornam gays – por influência de amigos, por pressão do meio em que se movem (no ambiente da moda isso é claro), e por outra razão que explicarei adiante e me levou a escrever este artigo.

Ao olhar esse jovem que ia à minha frente no elevador, pensei: será que há 20 anos ou 30 anos ele teria a mesma atitude, assumiria tão ostensivamente a sua inclinação? E, indo mais longe, se ele tivesse sido jovem nessa altura seria gay?

Tive dúvidas. Ao observar aquele rapaz tive a percepção clara de que a sua forma de estar, assumindo tão evidentemente a homossexualidade, correspondia a uma atitude de revolta.

Durante séculos, os filhos seguiram submissamente as orientações dos pais em matéria de profissão e casamento. Às vezes contrariados, mas seguiam. Havia famílias de diplomatas, de advogados, de arquitectos, de empresários, de comerciantes, de carpinteiros, de padeiros, de trabalhadores rurais.

Mas nos anos 60 dá-se na sociedade ocidental uma revolução que mudaria o mundo. É a geração dos Beatles, de Woodstock, do Maio de 68, da droga, do sexo livre e da contestação à guerra do Vietname – ‘Make love, not war’ –, da contestação em geral.

O termo ‘contestatário’ entrou na linguagem comum. As palavras ‘irreverente’, ‘insubmisso’, ‘rebelde’, etc. deixaram de ter uma conotação negativa e passaram a ser vistas como elogios. E não se tratava apenas de um fenómeno europeu. Uns anos antes, do lado de lá do Atlântico, filmes como Rebel Without a Cause (Fúria de Viver), de Nicholas Ray, faziam furor – e James Dean, o protagonista, tornava-se o ícone de uma geração ‘rebelde’ sem uma ‘causa’ bem definida.

Nessa época, um jovem que não fosse contestatário não estava bem dentro do seu tempo.

Pertenci a essa geração em que muitos jovens da minha idade estavam em guerra aberta com a família. Eu tinha amigos revolucionários, que andavam a pintar paredes com frases contra Salazar e a guerra colonial, ou em reuniões clandestinas contra a ditadura, cujos pais tinham lugares de confiança no regime salazarista.

Houve conflitos tremendos entre pais e filhos. Os pais, funcionários exemplares, presidentes de Câmara, directores-gerais, militares de elevada patente, etc., sofriam horrores com a irreverência dos filhos que andavam em manifestações, entravam em conflito com a Polícia e às vezes eram presos.

Em 1969, era o meu tio José Hermano Saraiva ministro da Educação Nacional, eu estava envolvido na luta académica contra o Governo na Escola de Belas-Artes. E pouco depois o meu irmão mais velho foi preso e julgado por ‘actividades subversivas’ – e quem o defendeu, num acto de grande coragem e dignidade, foi ainda o meu tio José Hermano, que era então deputado.

Acrescente-se que muitos dos políticos que hoje estão no activo andaram envolvidos em lutas estudantis e em movimentos revolucionários. O caso de Durão Barroso, que militou no MRPP, é o mais conhecido mas não é o único.

Nos dias que correm, todas essas ilusões revolucionárias morreram ou estão em vias de extinção. O fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, a evolução da China para uma economia capitalista, a morte política de Fidel, tudo isso fez com que certos mitos desabassem e nascessem outras formas de recusa do modelo de sociedade em que vivemos.

Ora uma delas é a homossexualidade. Para alguns jovens, a homossexualidade surge como uma forma de mostrar a sua ‘diferença’, de manifestar a sua recusa de uma sociedade convencional, de lutar contra a hipocrisia daqueles que não têm coragem de se mostrar como são, de demonstrar solidariedade com aqueles que são discriminados ou perseguidos pelas suas opções.

Ser homossexual, para muitos jovens, é tudo isto. É uma forma de insubmissão. E, está claro, é um desafio aos pais. Se antes os jovens desafiavam os pais tornando-se ‘de esquerda’, hoje desafiam-nos recusando a ‘família burguesa’ e mostrando-lhes que há outras formas de relacionamento e até de constituir família. Aliás, assumir-se como homossexual talvez seja, por muitas razões, o maior desafio que um filho pode fazer aos pais.

Todas as gerações, desde esses idos de 60, tiveram os seus sinais exteriores de revolta. Foram os cabelos compridos, as drogas, as calças à boca-de-sino, as barbas à Fidel Castro, os posters de Che Guevara colados na parede do quarto.

Ora a exposição da homossexualidade é hoje uma delas. E a opção gay é uma forma de negação radical: porque rejeita a relação homem-mulher, ou seja, o acto que assegura a reprodução da espécie. Nas relações homossexuais há um niilismo assumido, uma ausência de utilidade, uma recusa do futuro. Impera a ideia de que tudo se consome numa geração – e que o amanhã não existe. De resto, o uso de roupas pretas, a fuga da cor, vão no mesmo sentido em direcção ao nada.

O fenómeno da homossexualidade como forma de contestação deste modelo de sociedade em que vivemos, de afirmação radical de uma diferença – enquadrada num fenómeno contestatário iniciado nos anos 60 –, nunca foi abordado.

Mas olhando para aquele adolescente que ia à minha frente no elevador da FNAC, percebi que era isso que o movia quando fazia uma pose ostensivamente feminina. Ele dizia aos companheiros de elevador: «Eu sou diferente, eu não sou como vocês, eu recuso esta sociedade hipócrita, eu assumo-me».

Ora aqui está a crónica que já vai agitando - e promete ainda agitar - as redes sociais. José António Saraiva no jornal Sol, do qual é director, numa crónica sobre a homossexualidade que atinge tons claramente homofóbicos, a meu ver.
Opiniões?

:sick: :sick:

Não vou tecer muitos comentários. Um verdadeiro vómito esse artigo.

Confesso que nunca tinha olhado para a homossexualidade por esse prisma…

Não sentindo qualquer teor homofóbico no texto, acho no entanto que é errado abordar o tema como sendo uma opção de “escolha”

:arrow:

Mais do que vómito, eu até acho o artigo uma comédia. A forma como mistura um sem-número de coisas diferentes para tentar justificar a tese que avança no final só mostra que nem para jornalista tem qualidade. Ele que fique como director do jornal e como professor da Católica (nenhuma surpresa quanto a isto) e que deixe as opiniões para quem as sabe fundamentar.
Mas sim, é um artigo completamente escroque.

Realmente há ali coisas sem qualquer sentido…num texto daqueles aparecer algo assim:

“…De resto, o uso de roupas pretas, a fuga da cor, vão no mesmo sentido em direcção ao nada.”

:o

Temos de dar crédito ao “gay radar” do homem que consegue distinguir se alguém é gay só por olhar para essa pessoa.
Haja paciência…

Chamem-me também de homofóbico, pois tal como o autor da crónica também acho que por vezes o “ser-se gay” mais do que uma orientação sexual é uma forma de contestar e chocar.

Isso não faz qualquer sentido.
Excêntricos há em todo o lado, sejam eles homossexuais ou heteros.

Uma coisa é verdade , existem gays que abusam na bichanice.

Eu tenho mais que 1 amigo gay , e por acaso até são todos bastante homens , e fartam-se de gozar com os bichonas.

Fazem de propósito para serem mais femininos que as próprias mulheres , com gestos e expressões levados ao extremo.

:arrow:

Achei interessante a abordagem, e tanto quanto sei não há dados que confirmem nem que desmintam esta tese.

Não achei o texto homofóbico, mas discordo desta visão da homossexualidade:

[quote author=Scylla link=topic=44989.msg1899739#msg1899739 date=1334067808]

José António Saraiva no SOL[/url]"] Ora a exposição da homossexualidade é hoje uma delas. E a opção gay é uma forma de negação radical: porque rejeita a relação homem-mulher, ou seja, o acto que assegura a reprodução da espécie. [b]Nas relações homossexuais há um niilismo assumido, uma ausência de utilidade, uma recusa do futuro. Impera a ideia de que tudo se consome numa geração – e que o amanhã não existe. De resto, o uso de roupas pretas, a fuga da cor, vão no mesmo sentido em direcção ao nada.[/b]

Creio que isto não está relacionado com o ser-se ou não excêntrico.

Independentemente do rapaz que se cruzou com o autor da crónica ser realmente gay ou não, o que creio que é válido na reflexão que o autor faz é a observação de que “orientação sexual”, neste caso homossexual, por vezes mais do que uma opção sexual é uma manifestação de rebeldia.

Como se costuma dizer, há os gays e os bichas.

Pessoalmente acho que muitas vezes é isso que está em causa.

No meio onde estou inserida (futebol feminino) lido com isto todos os dias. Ninguém que não o sinta genuinamente é capaz de ter uma relação com um parceiro do mesmo sexo. Aceito que digam que os rapazes/raparigas de hoje tem menos pudor e muitas vezes gostam de atrair para si as atenções mas ser homossexual não é uma opção.

Não há nenhuma prova cientifica que mostre que a sexualidade seja uma escolha, logo por mais palavras caras e ligações ideológicas que se tente fazer este texto não passa de uma opinião pouco informada e supersticiosa. E chega a ter contornos anedóticos quando temos em conta que a juventude em Portugal no geral ainda é ela própria bastante homofóbica, e ainda reflete bastante a mentalidade das gerações anteriores (se bem que essa tendência tem vindo a mudar, mas não tanto como o autor do texto dá entender), logo essa teoria dos jovens “escolherem” ser homosexuais por influencia sócio-cultural e como ato de rebeldia e repudio para com a sociedade ainda faz menos sentido.

Convido-vos a visitarem e conhecerem escolas e/ou faculdades de/ou relacionadas com belas artes.

Fui professor numa escola profissional e trabalhei num Centro de Investigação da Fac. de Ciências Sociais e Humanas da UNL. Portanto, tive conhecimento e vi bastantes casais homossexuais (sobretudo na FCSH). E nunca me pareceu que fossem (tanto gays como lésbicas) mais desinibidos que os heterossexuais. Antes pelo contrário: devido a alguma homofobia na sociedade portuguesa, eles até são mais inibidos a demonstrar os seus relacionamentos que os heterossexuais.
Contudo isso não me impediu de ver 2 lésbicas todas enroladas em altos linguados na sala da Associação de Estudantes da FCSH. Embora lá está, tal e qual como vi vários casais hetero a fazerem o mesmo na mesma faculdade.

Mas Liurai, a crónica não se refere às manifestações amorosas dos homossexuais, que a meu ver numa sociedade livre deverão ser tão naturais e espontâneas quanto as dos heterossexuais. O autor aponta mais para os trejeitos, se calhar mais estereotipados do que característicos, dos gays masculinos, que observou no rapazinho do elevador. E interpretou-os não como uma manifestação espontânea de homossexualidade mas como um acto de rebeldia contra a norma (relações heterossexuais).

E quando mencionei as escolas/faculdades de belas artes, foi devido ao facto do pessoal que as frequenta ter uma tendência mais forte de marcar a diferença, e coincidência ou não, é provavelmente nesses estabelecimentos que encontras mais alunos homossexuais assumidos.

Armas, mas a crónica refere-se a alguma coisa?

Sinceramente, acho que a crónica (será a designação correcta?) foi uma salganhada de comparações onde a bota não bateu com a perdigota. Aliás, só serviu para comprovar a má opinião que tenho do José António Saraiva enquanto jornalista. E sim, o pouco que se pode obter daquele texto é uma atitude homofóbica por parte do JAS, o que como director de um jornal importante só lhe fica mal numa sociedade livre de preconceitos sobre raças, religiões e opções sexuais.

Epá, os trejeitos efeminados e/ou homossexuais que o Mick Jagger apresenta, são por orientação sexual ou por rebeldia?

Aliás, o movimento ou estilo Glam Rock está mais depressa relacionado com uma orientação homossexual ou uma forma de rebeldia?

Mais uma vez penso que não podes ir por ai.

Isto é heterossexualidade ou rebeldia?