Estava a ler o tópico sobre o futebol dos outros e as referências às preferências de cada um nos vários campeonatos. Eu cá acho que apoiar o Sporting é uma ocupação full-time, tão emocionalmente desgastante que me sobra pouco para desenvolver ligações afectivas a outros clubes portugueses – quanto mais de outros países.
Mas supondo que tinha de emigrar. Sou um viciado em futebol ao vivo, por isso, para além da minha relação eterna com o Sporting, teria de criar rapidamente um ritual de ida ao estádio parecido com o que tenho com Alvalade. Que clube escolher? O clube em causa teria de partilhar um conjunto de características com o Sporting – já estou demasiado velho para mudar a minha forma de ver bola. Estaria assim à procura de um passado de história, uma massa adepta numerosa e fiel, uma cultura de resistência, doses maciças de azar a roçar a maldição, um vizinho poderoso bajulado por entidades públicas e pelos media que quer canibalizar tudo à sua volta, etc.
Resolvi assim escrever esta posta. Vou visitar os campeonatos de países europeus que conheço, tentando identificar aqueles clubes que me parecem ter mais a ver com o Sporting e, logo, me parecem bons para exercer o sportinguismo no exílio. Claro que agradeço contributos aos participantes deste forum que vivem ou viveram nestes países.
Por isso, cá vai:
Guia do Sportinguista no exílio
Parte I - Espanha
Comecei por Espanha, porque a) está próximo, b) tem (a par com a Alemanha) o campeonato mais competitivo da Europa e c) não me importava nada de aí viver.
A escolha óbvia para um Sportinguista torcer em Espanha é o Atlético de Madrid. A memória de um passado distante de domínio, tragédia e comédia em doses industriais, encontros com a história dolorosamente falhados por minutos, tendência para a auto-destruição e os vizinhos mais odiosos do universo. Como bónus, fazem os melhores anúncios do mundo a um clube de futebol. Estão lá os ingredientes todos. Se me mudasse para Madrid, tenho a certeza que me ia sentir em casa em três tempos no Vicente Caldéron.
Se o destino é Barcelona, embora a correspondência não seja tão perfeita, também não havia que hesitar: o Espanyol é a escolha óbvia. Caluniados como anti-catalães só porque não morrem de amores pelo FC Barcelona, chutados contra vontade para fora do seu inferno de Sarrià e realojados no desolado Olímpico de Montjuic e vivendo com uns vizinhos que, sem ninguém lhes pedir, se arrogam do estatuto de representantes únicos de uma nação (parece familiar?). Muita atitude “no-one likes us / we don’t care”, o que agrada ao meu cuore verde-e-branco. Só tem menos piada porque, ao contrário do Atlético, ninguém espera grandes coisas dos “Pericos”.
Já se fosse viver para Sevilha a coisa era mais complicada. Bétis e Sevilla jogam um dos grandes derbies do futebol mundial mas as duas equipas são muito equilibradas tanto na paixão dos adeptos como no insucesso ao longo dos anos. Qualquer das escolhas pode ser assim justificada para o adepto Sportinguista. Deixo só uma história que pode fazer desequilibrar a balança.
Primavera de 2000. Depois de uma época catastrófica o Sevilla já está despromovido enquanto os vizinhos do Betis lutam desesperadamente para evitar o mesmo destino. Joga-se a 35ª jornada e o Sevilha recebe o Oviedo, principal adversário do Betis na luta pela manutenção. À medida que chega a informação de que o Betis perde em Maiorca, torna-se clara que só a derrota do Oviedo pode manter acesa a esperança bética. O que fazem os adeptos do Sevilla? Começam a incentivar os seus jogadores para perder o jogo, aplaudindo os passes e os cortes falhados e vaiando cada remate e golo dos seus jogadores. O resultado final é uma vitória do Oviedo por 3-2, despromoção do Betis e festa rija dos adeptos do Sevilha. Pense-se num cenário desesperado destes em Portugal e troque-se Sevilla por Sporting e Betis por Benfica e estou-me a ver a fazer exactamente o mesmo. :mrgreen:
Fora destas três cidades, a coisa é mais complicada. Em Valência jogam o Valência e o Levante, mas o Levante só aparece ocasionalmente na I Divisão, pelo que os derbies são raros e o desequilíbrio é demasiado grande. O resto são derbies regionais, pelo que é mais difícil sentir a mesma paixão. Claro que na Galiza há o eterno agradecimento ao Celta por uma noite memorável em 1999; e, no País Basco, o Athletic de Bilbau é uma equipa particularmente antipática pelos princípios xenófobos que aplica na constituição dos seus planteis e pela sua ambição a la FC Barcelona de se apresentar como representante de uma nação sem sem pensar que os adeptos de outras equipas podem não estar para aí virados – por isso a escolha teria de ser Real Sociedad. Mas falta a proximidade que torna os derbies de cidade em qualquer coisas de outra dimensão - e deverão ser estes as primeiras escolhas.
Próxima paragem: Itália.