Olha que, com tudo o que tem saído, essa informação já não cola com a realidade. Aliás, desde as famosas cartas (que só são boas para citar pelo Facebook), que isso para mim é ponto assente.
Mesmo a “Mensagem”, que é boa, não é nada divina.
A poesia e o Livro do Desassossego, sim, justificam o reconhecimento na sua totalidade. Mais a Poesia que o Livro do Dessassossego, diga-se também em verdade.
A poesia do Herberto parece ela mesma divina (vinda de uma língua, com um ritmo, uma “música”, um encadeamento original que parece não pertencer ao português). E é absolutamente verdadeira (dentro do que é a verdade na poesia), viva e pessoal.
Faz-me recordar o que o Jorge de Sena apontou de poesia de testemunho vs poesia de fingimento. Sendo que o testemunho no Herberto não é confessionalismo, pieguice, ou lugares comuns; é uma língua nova numa língua já “gasta”, que inclui e exclui. Arrebata.
Talvez, na realidade, o grande mérito do Herberto seja precisamente fugir ao Pessoa, que foi figura tutelar de muita poesia portuguesa que se lhe seguiu, soando sempre a cópia sem grande sentido (e de alguns que o fizeram eu até reconheço o valor).
Fundar um caminho novo, absolutamente pessoal, marginal do realismo e do surrealismo, da metafísica (a tal “vida sonhada” do Pessoa) e da “vida vivida”). Marginal disso tudo e mistura disso tudo.
A poesia do Pessoa é brilhante, e serviu de muito; mas dificilmente assombra como a do Herberto, comove. Onde Pessoa foge à repetição com os heterónimos, e com os diferentes cânones, duma forma diga-se genial para a época, o Herberto num momento posterior, já esgotado das fórmulas camonianas e pessoanas, consegue ainda assim fugir-lhe com a língua: em si e por si.