Um dos temas cliché na fase de preparação de cada época desportiva é a construção de uma equipa vencedora. Escrevem-se palavras sobre espírito de grupo, coesão e consciência táctica. Olha-se para os pontos mais débeis do plantel e elaboram-se teses sobre a melhor forma de os colmatar. Escolhem-se jogadores num exercício imaginário e criticam-se as escolhas quando os futebolistas não parecem ter a qualidade suficiente para alinhar no Sporting. No meio de todo este imbróglio, uma coisa parece-me certa: o devaneio filosófico-desportivo sobre as características de cada atleta é uma actividade estéril. E porquê? Porque os jogadores que realmente resolvem campeonatos deixam muito pouco - ou nenhum - espaço para dúvidas.
Olhemos para os dois últimos campeonatos conquistados pelo Sporting. No defeso de 1999/2000 fomos buscar um dos melhores jogadores do mundo para preencher uma lacuna há muito tempo identificada: a posição de guarda-redes. Estou a falar, obviamente, de Peter Schmeichel. Tínhamos também no plantel jogadores como Aldo Duscher, Rui Jorge, Beto, Pedro Barbosa e Acosta. Alguns deles poderiam não ser grandes vedetas mundiais, mas tinham muito mais qualidade do que os atletas que compõem o plantel actual. Depois, em Janeiro, quando a época estava a passar por uma fase algo periclitante, adquirimos dois internacionais brasileiros, sendo um deles considerado, por muitos, um dos maiores executantes de livres directos do mundo. E saíram dos pés de André Cruz vários golos que foram vitais no término do jejum.
Por outro lado, temos na equipa campeã de 2001/2002 um dos grandes exemplos de como a qualidade é fundamental na conquista de qualquer campeonato. Na composição do plantel observavam-se os rostos de Marius Niculae, Mário Jardel, João Pinto, Sá Pinto e Paulo Bento. Tudo jogadores de qualidade inquestionável. O próprio Mario Jardel será, talvez, uma das mais famosas trutas da história do Sporting. Chegou após o início do campeonato, numa fase onde o futebol do Sporting apresentava lacunas óbvias na fase de concretização. A partir desse momento, nasceram 42 golos e mais um troféu para o nosso museu.
Poder-se-á argumentar que o futebol é um desporto colectivo, tentado colocar as minhas palavras prévias em perspectiva. Contudo, na dimensão colectiva, habitam os elementos individuais. Os jogadores que através do inesperado rompem a letargia verde e transformam o nada em golo. São os arquitectos do caos. As trutas. Esses peixes raros que precisam de águas cristalinas e limpas para poder sobreviver.
Posto isto, não quero sardinhas, carapaus ou jaquinzinhos. Quero trutas. Quero um habitat saudável, onde os peixes possam nadar livremente mantendo a consciência do espaço onde as margens apertam o leito. Quero, no fundo, ser campeão. Sem fruta. Mas com trutas.