Ora, este post pode ser algo complexo e denso, mas vou tentar explicar como se o fizesse para um rapazinho adolescente que já consegue perceber mais ou menos o valor do dinheiro. Antes de mais, quero deixar bem claro que os valores de que vou falar, com excepcão dos da SAD, são todos no abstracto, uma vez que não existem relatórios oficiais e apenas números que o pessoal ou o Sporting vai deixando aqui e ali. Peço também a quem for bem mais especialista que eu neste assunto para me corrigir.
O Exemplo do Empréstimo para Comprar a Casa
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Para iniciar a explicacão vou recorrer a um exemplo simplificado de um empréstimo da compra de casa, algo que muitos de vós já percebem porque têm de lidar com um todos os meses :twisted:. É lógico que isto tem muitas nuances, mas vou tentar usar um exemplo linear.
Quando se compra uma casa, vocês vão ao banco e pedem por exemplo 100 000 €. O banco diz-vos “sim senhor e a taxa de juro é 7% (5% é a taxa de juro que o banco tem ao “comprar” o dinheiro ao Banco de Portugal + 2% de “spread”, ou seja, a margem de lucro do banco)” - isso significa que vocês têm de pagar todos os anos 7 000 € (7% de 100 000 €) ao banco (o que dá 583 € / mês). Continuando o exemplo simplificado, se vocês nunca fizerem “amortizacão” do empréstimo, isso significa que terão de pagar 7 000 € todos os anos só de juro.
Ora, se vocês somarem os juros a cada ano, i.e., 7000 + 7000 + 7000… e por aí fora a cada ano dá que ao fim de cerca de 14-15 anos já pagaram o valor do empréstimo (100 000 €) só em juros, mas ainda têm de pagar um dia de volta esses tais 100 000 € e isto pode continuar assim ad eternum (embora na maioria dos casos o empréstimo tenha um tempo limitado de alguns anos, por exemplo, 50 anos). Um exemplo ridículo é, ao fim de 45 anos, terem entregue ao banco 315 000 € só em juros (7 000 € x 45 anos) e ainda terem de pagar 100 000 € do empréstimo! E é por isso que se torna tão importante fazer “amortizacões”, ou seja, pagar, para além do juro, uma parte do empréstimo logo que possível.
Imaginem pois que, num dos anos, vocês dão ao banco 37 000 € (7 000 € de juro + 30 000 € para amortizar) - isso significa que o vosso empréstimo passa a ser de 70 000 € (100 000 - 30 000). O juro é então recalculado e passam a ter de pagar apenas 4 900 € anualmente (7% de 70 000 €) em vez dos anteriores 7 000 €. Mas lembrem-se que até fazerem isto estiveram a pagar ano após ano 7 000 € de juro anual! Agora, existem bancos que permitem amortizar sem qualquer problema, bancos em que se tem de pagar uma penalizacão por se fazer amortizacões, bancos que obrigam a fazer amortizacões de “x” para além dos juros pagos e todas as variantes possíveis e imaginárias da coisa.
Caso vocês não paguem o juro como está estipulado, o banco pode “ir ao vosso bolso”, vender os vossos bens, etc e tal.
O Empréstimo do Sporting
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Passando ao caso do Sporting…
O Sporting contraiu empréstimos bancários de valores muito elevados para conseguir construir o Estádio + Alvaláxia + Estruturas em redor e a Academia. Esses valores nunca foram divulgados, mas julga-se que tenha sido cerca de 145M€ para o Estádio + 15M€ para a Academia + 30M€? para o Alvaláxia + ? para as estruturas em redor. Tudo junto dá um valor superior a 180M€. Para simplificar vou referir apenas os valores que foram publicados na comunicacão social em anos recentes e mais ou menos confirmados pela Direccão - 237M€ de Passivo (Empréstimo) Bancário [sup]1[/sup].
Ora, vamos fazer contas por alto: 7% juros de 237M€ = 16,5M€ todos os anos que o Sporting tem de pagar aos bancos só em juros (sendo que podemos dividir já em mais ou menos 2-3M€ anuais da SAD, como podem ver neste [url=http://tópico]http://www.forumscp.com/index.php?topic=10815.0[/url], o que sobra aprox. 14M€ de juros anuais a pagar pelo Clube em si). Repetindo, se o Sporting não fizesse ou não estivesse obrigado a fazer qualquer amortizacão, 16,5M€ seria o valor que o Sporting teria de pagar todos os anos de juro aos bancos, ficando sempre com uma dívida de 237M€ para pagar (lá bem quietinha, sem dar problemas ;D).
O que acontece se não se pagar os juros devidos ao banco? O banco pode aí “ir ao bolso” do Sporting, que é como quem diz penhorar e vender bens do SCP, impedir distribuicão de lucros, e por aí fora, tudo para receber parte do empréstimo que “deu” ao SCP - assim o SCP fica com menos empréstimo para pagar o que se traduz em menos euros de juros anuais para pagar (como expliquei no exemplo da casa) - o banco, ao “facilitar” a vida ao Clube, assegura que o pagamento da dívida continue a ser feito. No limite, o Clube pode ter de pedir falência, caso o valor de tudo o que possuir não seja suficiente para amortizar na totalidade o empréstimo que contraiu (ou seja, é impossível, no plano teórico, pagar a dívida de volta aos bancos).
Como é que o Sporting lida com o Empréstimo
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Pois bem, agora entra a parte das nuances… e aqui a “porca torce o rabo” porque o Sporting nunca mostrou a informacão de forma aberta e transparente para se poder avaliar. E esta é a parte-chave de tudo isto.
O Sporting tem os tais 16,5M€ para pagar todos os anos (valor confirmado pelo Clube aqui), mas imaginem que o Clube (SAD incluída) dão prejuízo nesse ano (mais despesas que receitas) e não conseguem pagar este montante. Das duas uma, ou contrai novo empréstimo para pagar os juros do outro que não conseguia pagar ou então esse valor vai acumulando como passivo (e aí pode ocorrer os bancos não aceitarem isto e intervirem na situacão).
Portanto, é bom de ver que é necessária uma gestão no mínimo equilibrada em que as receitas cubram o valor das despesas anuais + o valor dos juros a pagar do empréstimo. Numa situacão muito favorável com receitas muito elevadas, pode mesmo utilizar-se esse lucro para amortizar no empréstimo e passar a pagar menos juros no ano seguinte. O Projecto Roquette previa que o Sporting utilizasse o valor das rendas da exploracão dos espacos que construiu (ou seja, o Sporting recebia dinheiro por alugar os espacos - Alvaláxia, Clínica CUF, Edifício Visconde, etc - a outros) para pagar esses compromissos de juros + eventuais amortizacões com os bancos.
Antes de referir como é que o Sporting lida com a sua situacão vou referir a dos outros grandes:
[ul][li]Parece que o Benfica conseguiu por artes mágicas uma taxa de juro bem baixita para fazer face aos seus quase 300M€ de passivo bancário. Quando digo bem baixita refiro-me a, no máximo, 5%. Ninguém sabe como tal foi possível, mas a verdade é que tanto o SCP como o FCP se queixam disto. Lembrem-se que de 5 para 7% vai uma diferenca grande - se o empréstimo for de 300M€, paga-se 15M€ / ano com um juro de 5% e 21M€ / ano com um juro de 7%. Ao terem um juro de 5%, o Benfica pode “usar” a diferenca de 6M€ de um valor de juro para o outro para amortizar e ir sucessivamente tendo de pagar um juro cada vez mais baixo.[br]
[/li]
[li]O Porto tem valores relativamente altos de passivo bancário que penso serem comparáveis aos do Sporting com uma taxa de juro relativamente semelhante. No entanto, penso que o Porto tem conseguido manter este valor sem ter de amortizar grande coisa, ou seja, vai pagando apenas os juros relativos ao empréstimo e contraindo outros empréstimos quando o balanco orcamental é negativo para poder ir cobrindo a globalidade dos custos.[br]
[/li][/ul]
No Sporting, segundo o Site, para além dos juros de 16,5M€, o Sporting está obrigado a amortizar um “x” em 4 anos, sendo que no total (juros + amortizacão) isso dá 175 Milhões de euros [sup]2[/sup]. Ora, contas simples e chegamos à conclusão que os bancos obrigam o Sporting a amortizar 109M€ em 4 anos para além dos juros que já paga anualmente! Além desta obrigacão, parece que os bancos também obrigam (ou obrigavam) o Sporting a efectuar vendas de 5,5M€ em passes de jogadores todos os anos caso o Clube quisesse adquirir jogadores! E além desta obrigacão, existem indícios de outras cláusulas que o público desconhece e que apontam para mais interferências dos bancos na “vida” do Sporting.
Tudo junto, isto aponta para uma “escravidão” do Sporting em relacão aos bancos, uma vez que parece não bastar o pagamento de juros, mas também amortizacões elevadas obrigatórias e cláusulas prejudiciais ao desempenho desportivo do Clube. E apetece perguntar: Porque é que os bancos sentiram necessidade de interferir na actividade empresarial do Sporting (ao ponto de colocarem funcionários do banco na sua cúpula) e não o sentiram em relacão ao Porto e Benfica, quando estes têm situacões de passivo bancário comparáveis?
O que fez o Sporting para melhorar a situacão
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Esta parte pode dar a volta à cabeca por conter muitos números, mas eu penso que se seguirem com atencão conseguem perceber mais ou menos bem.
Como ja referi anteriormente, Roquette idealizou um modelo em que o dinheiro do aluguer dos espacos construídos pelo SCP seria suficiente para pagar os juros + eventuais amortizacões aos bancos do empréstimo contraído pelo clube. Essa era a opcão número 1, que diz-se que faliu. No entanto, existem foristas que já referiram que o Sporting recebia, por exemplo, um valor de rendas do edifício Visconde suficientemente elevado para pagar o juro dessa componente (juro do empréstimo feito para a sua construcão, logicamente) e ainda ter lucro. Ainda assim, o Sporting optou por vender o edifício, com cláusulas bastante prejudiciais para o próprio Clube (ler exposicão mais detalhada neste tópico).
Conclusão, ninguém conseguiu explicar por A + B que a rentabilizacão das estruturas construídas não era possível de ser feita, mas assumiu-se que não era. :
A opcão número 2 veio com FSF e consiste basicamente na venda das estruturas por uns valentes milhões de euros para amortizar no passivo bancário. Segundo FSF em entrevista ao Público, a venda dos património não-desportivo deveria render 50M€ e depois a venda dos terrenos do antigo estádio + 35M€ (ver contas mais detalhadas neste tópico). Tudo junto e a coisa deveria ficar por volta dos 200-210 M€, tendo sido feito uma grande amortizacão no Passivo.
Agora comeca a confusão…
Parece que afinal vendeu-se quase tudo e ainda só vamos em 234M€ de passivo bancário, ou seja, amortizaram-se 3M€ com esta brincadeira toda, não se sabendo o que foi e o que não foi vendido (há declaracões contraditórias). Parece também que o dinheiro da venda do património não-desportivo e que o negócio dos terrenos do antigo estádio afinal já só renderam ou vão 40M€ em vez dos 50 + 35 que referi no parágrafo anterior. Parece ainda que existe um passivo adicional de 65M€ da Sporting Comércio e Servicos por ter comprado a DE à SAD do Sporting, apesar de ninguém saber se existe ou não um empréstimo (mais um) contraído para fazer esse pagamento.
Pois… :
O Futuro
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Segundo o Site do Sporting, o Sporting continua ainda assim com 234M€ de passivo bancário (tinha 237M€ antes destas operacões como já expliquei acima). Parece que, agora sim, em 234 e não em 237, já é possível fazer a renegociacão do contrato com os bancos a nível de amortizacões e juros e estes já aceitam não ter claúsulas prejudiciais ao Clube. Porquê, sabe-se lá, mas também ninguém se preocupou em esclarecer… :whistle:
Portanto, o plano é usar 55M€ que o Sporting actualmente já tem ou devia ter (40M€ de “projectos imobiliários” (seja lá o que isso for) + 15M€ da venda de jogadores, algo conseguido em 07/08) + 60M€ de emissão de VMOCs num total de 115M€ para amortizar já no Passivo, conseguindo reduzir a amortizacão de 109M€ nos próximos 4 anos para “apenas” 76M€ nos próximos 4 anos.
Conclusão: De 234M€, o empréstimo bancário passa para 119M€. Os juros a pagar que antes eram de 16,5M€ passam a ser de 8,3M€ por ano, o que se traduz na prática num desafogo financeiro muito significativo. A amortizacão em 4 anos que antes era de 109M€ passa para 76M€, também aqui um desafogo. Mas na prática o Clube que antes pagava, em média, aprox. 47M€ por ano continua a ter de pagar 27M€ por ano aos bancos. Só que desta vez já não há estruturas para alugar (a não ser o Estádio e esse já é alugado à SAD por 5M€ / ano) que permitam receber dinheiro para cobrir esses 27M€ anuais.
Então como vai ser feito daqui para a frente? A única alternativa será com as receitas da SAD, isto é, aquelas que variam consoante a prestacão desportiva da equipa de futebol, já que será a única entidade capaz de gerar receitas (uma vez que até a Academia e os direitos de TV da SCS passam a partencer à SAD). Em jeito de resumo final, em vez de ser o Clube a suportar a equipa de futebol, passa a ser esta a fazer de “âncora” e da performance da SAD e equipa de futebol irá depender o desenvolvimento ou não do Clube “Sporting Clube de Portugal”.
Perguntas sem Resposta
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Muitas perguntas há a fazer, mas deixo aqui aquelas que me parecem as mais relevantes:
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Porque é que a venda dos terrenos do antigo estádio + património não-desportivo não amortizou o suficiente o passivo bancário, sendo agora necessário recorrer a mais vendas (Academia) e mais engenharias financeiras (VMOCs, etc) para amortizá-lo? Para onde foi o dinheiro dessas vendas?
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Porque é que nunca foi disponibilizada informacão sobre o dinheiro recebido pelo aluguer das estruturas que o Sporting construiu? Porque é que a Direccão nunca se preocupou em dar uma explicacão deste tipo sobre as contas do Clube para que os sócios pudessem formar a sua opinião e escolher o caminho apropriado?
Só com esta informacão teria sido possível saber se esse dinheiro era ou não suficiente para pagar os juros anuais e as amortizacões. O que esta Direccão fez, em vez disso, foi declarar falência a este modelo e optar pela venda de património… os números, esses nunca apareceram. -
Porque é que os nossos dirigentes não tentaram renegociar a obrigacão de amortizar valores elevados do empréstimo e o retirar de cláusulas prejudiciais ao clube do compromisso com os bancos ANTES de optarem pela venda do património do Clube?
Relembro que o Benfica e Porto não aparentam ter estes constrangimentos e lá vão fazendo a sua vidinha pagando os juros dos seus empréstimos bancários e esperando que as receitas venham a aumentar ao ponto de poderem ir amortizando. Ao Sporting não foi dada a oportunidade de se esperar pela rentabilizacão dos espacos que o clube tinha construído e assim poder usar a parte não desportiva para pagar o empréstimo bancário - em vez disso, os bancos amarraram o Sporting a pagamentos e cláusulas ridículas e evitaram que o Sporting pudesse desenvolver a sua actividade. Além disso, relembro que o Sporting portou-se muito bem e foi reduzindo os custos da SAD e aumentando as receitas até atingir o equilíbrio em 2005 e desde então com uma saúde financeira invejável, algo que as outras SADs só agora estão a conseguir fazer - logo, menos uma razão para tanto aparo por parte dos bancos.
Eu sei que foi extenso e um pouco complexo, mas estou disponível para esclarecer dúvidas e corrigir alguns aspectos, já que esta é a minha avaliacão pessoal da situacão (e não, não sou economista :mrgreen:).