Muito bem, Paracelsus! Também tenho a sensação desagradável que, mais uma vez - e , se calhar, agora definitivamente - falhámos o nosso encontro o História.
O que é engraçado é que a situação a que chegámos tem duas leituras:
- a de que o Projecto Roquette era, desde o dia 1, uma conspiração para desmantelar o clube e vender todo o seu património.
- a de que o projecto Roquete (ou pelo menos a ideia de que a construção e valorização do património do clube era a pedra de toque da nossa competitividade futura) tinha pernas para andar, mas que, a meio do caminho, e por razões muito mal explicadas, fez-se uma viragem de 180º.
Eu acredito muito mais na segunda. Embora o trabalho de sapa da direcção de Sousa Cintra na inventariação e legalização do património do clube não possa ser esquecido, houve a partir dela um real aumento desse património. Parece-me inegável que, em 2003, o clube tinha um património mais valioso e com muito maior potencial de rentabilização do que 10 anos antes. Tinha obviamente mais dívidas, mas como tu bem demonstras, tinha todas as condições para as enfrentar e sair a ganhar. A rentabilidade do património podia não ser imediata, mas era uma questão de tempo.
Só que, de repente, tudo mudou. De um paradigma em que o património era a garantia da prosperidade futura do clube, passou-se, do dia para a noite, para a ideia de que esse mesmo património era um lastro do qual nos devíamos desfazer o mais depressa possível! Abandonou-se à pressa a estratégia que tinha orientado o desenvolvimento do clube há mais de uma década sem que (a) fosse discutidas as verdadeiras razões para essa abandono ou (b) fosse discutida uma estratégia alternativa; note-se que estou a falar de estratégia de longo prazo (a 20, 30 ou 40 anos) e não de balões de oxigénio tipo “fazemos-agora-um-empréstimo-obrigacionista-e-em-2013-logo-se-vê” como os apresentados por FSF na última AG. Pior ainda, era difícil perceber como é que as mesmas pessoas que defenderam o paradigma da “prosperidade-pelo-património” tinha legitimidade para conduzirem o clube para o sentido oposto!
Então o que aconteceu para que, depois de todos sacrifícios, quando era preciso apenas um pouco mais de paciência para começar a recolher dividendos, se decidiu deitar tudo pela janela? Foi por sentimento de vazio por atingir um grande objectivo? Foi pânico por causa de um exercício negativo? Não me parece. Receio que o que aconteceu foi que aquilo que em em 1995 era apenas um “projecto” eram agora terrenos e edifícios altamente valiosos e apetecíveis. Demasiado valiosos, terão pensado alguns, para uma agremiação de utilidade pública e sem fins lucrativos como o Sporting Clube de Portugal.
A verdade é que a aquisição, valorização e rentabilização de património imobiliário foi, é, e continuará a ser o principal pilar da sobrevivência de qualquer clube em Portugal. A ideia não foi inventada por Roquette, mas já se encontrava em Sousa Cintra e em João Rocha, por exemplo. A debilidade da bolsa, o poder de compra limitado dos adeptos, a concentração e corporativismo do tecido empresarial e da banca, a exiguidade e conservadorismo do mercado publicitário e - last but not least - o fraco potencial de crescimento das receitas televisivas por causa da Olivedesportos, não deixam muitas alternativas sensatas para sustentar o futuro de um clube por cá.
Imaginem isto: um piloto vê acender-se a luz de “excesso de carga” no seu painel de instrumentos. O que faz? Decide que a melhor solução para o problema é deixar cair os motores do avião! Absurdo, não é? Mas foi exactamente isto que a Direcção do Sporting fez.