Tenho feito por me abstrair dos blocos informativos sobre futebol que um Sportinguista não tem gosto nenhum em ver, ler e ouvir os festejos de outros e muito menos o descarregar das artilharia pesada contra o Sporting e os seus dois rostos mais visíveis, Jorge Jesus e Bruno de Carvalho, expectável e que até vejo com alguma naturalidade, dadas todas as incidências da época. Quem perde tem que engolir em seco as frustrações e a desilusão e eventualmente o escárnio e o gozo de quem ganha. Sempre foi assim e sempre será.
Até vejo com naturalidade que se moldem argumentos e justificações para o sucesso de uns e insucesso de outros. Basicamente, que se reescreva a história pela mão do vencedor. Mais uma vez, faz parte.
Há é limites. Pelo menos estabelecidos pelos vencidos que podem ter caído mas já estão de pé, conhecedores da sua força e dos seus méritos.
A história da carochinha que vende um Benfica trabalhador e humilde, respeitador das regras do bom relacionamento entre instituições, que promoveu o fair play desportivo durante a época, que só respondia quando atacado por um Sporting incendiário e desmesuradamente agressivo, colocando em causa o bom nome do futebol português, tem sucesso num país tranvestido de vermelho que está apostado na montagem de um cenário onde o herói vence o vilão e no débito de uma moralidade fantasiosa tendo em conta a realidade.
Esta historieta teve o seu primeiro capítulo quando da saída de Jorge Jesus do Benfica. Vendido pela propaganda como um traidor e um Judas, logo após os esforços conjuntos de Vieira e Mendes em enviar o treinador bicampeão para as Arábias e Jesus ter respondido a esses desejos com um contrato assinado com o rival de Lisboa, assistimos a contorcionismos vários. Em simultâneo com as queixas e ataques sobre e ao carácter do seu ex-treinador e à sua traição, o processo dos 14M, a fantasia dos SMSs, defendia-se a mudança de paradigma, a contenção financeira e necessidade na aposta num treinador com perfil de formador no qual JJ não se enquadrava. Por um lado, JJ era um traidor, por outro, não servia.
Durante esta salgalhada de contradições, enquanto os vices, directores e avençados benfiquistas davam uma no cravo outra na ferradura, da mudança de paradigma para clube formador e o cumprimento espartano das responsabilidades financeiras que eram vendidos ao público, brotavam opções de gestão curiosas, como os 9M em 50% do passe de um avançado, os 10M em 2 sérvios para a equipa B, o negócio Mitroglou agora culminado com a aquisição do passe, os milhões por Cervi, prémios de assinatura e salários milionários para Taarabt e afins, o trabalho de bastidores por Carrillo que vai encher os bolsos a vários empresários, os 8M por metade do passe de Pizzi.
Basicamente 4, 5 vezes mais que os valores investidos esta época pelo Sporting, acusado de loucura e irresponsabilidade despesista, que motivou pedidos de investigação à CMVM por lavagem de dinheiro.
O cenário estava montado. JJ, o traidor que perdera 3 campeonatos no Benfica e destruira a formação, BdC, o louco irresponsável que afundaria o Sporting, quando até então apresentara resultados financeiros sempre positivos, cortara despesas, aumentara receitas, com ganhos de competitividade.
E foi um cenário que ganhou força. Também patrocinado pelos ditos notáveis sportinguistas, vários responsáveis por buracos financeiros de dezenas de milhões, um passivo impagável e a decadência desportiva do clube. Mas acima de tudo, difundido eficazmente pelo poder mediático e social do Benfica, com ramificações transversais na sociedade portuguesa.
O Sporting nem sempre terá respondido bem, seja na forma ou no conteúdo, a este contexto. Não tendo a força mediática do rival, tendo ainda uma estrutura pouco consolidada e em construção, após anos de desvarios de dirigentes que viam o clube como um hobby por vezes incómodo, ainda dividido pelos anti corpos criados por várias posições de força que visaram a sobrevivência do Sporting e a responsabilização de quem lhe fez mal quando era suposto defenderem os interesses da instituição, a mensagem foi-se dispersando e esbatendo contra uma maré vermelha que engoliu com toda a facilidade o célebre caso dos Vouchers e que pelo meio colocou a pairar sobre a cabeça de Slimani, um castigo peregrino.
As deselegâncias intrínsecas à postura de Jesus e as respostas, ataques e contra ataques dos comunicados, posts no Facebook e entrevistas por parte de Bruno de Carvalho, que disparava para todo o lado, quando era zurzido a torto e direito por todo o lado, foram um combustível para a retórica benfiquista, mas um mero pormenor, a cereja no topo do bolo que coloria a tal história da carochinha e que agora alimenta o ego vermelho.
O mito do herói estava criado. Um herói que não teve problemas em apagar da história quem foi determinante na quebra da hegemonia do clube do Norte, que se escondeu dos holofotes, magnânimo, conciliador e dono de uma postura de sentido de estado, enquanto mandava para o terreno os seus peões, estrategicamente colocados, fazerem o seu trabalho sujo. Seja em campanhas de difamação, seja de desinformação, seja de branqueamento, seja no amparo necessário a uma equipa de futebol que quando tremeu, teve sempre uma mão miraculosa que a impediu de cair.
Um dos aspectos mais chocantes desta época, foi o colocar a nu, definitivamente, a parcialidade e falta de isenção da comunicação social, subjugada ao poder vermelho. Parcialidade assumida sem qualquer pudor, por jornalistas inclusivamente com responsabilidades editoriais e até de gestão.
Em outros tempos, esta fantasia desavergonhada que se tornou verdade, arruinaria por completo o ânimo de qualquer um, impotentes perante uma máquina poderosa que subverte e reescreve por completo a história.
Esses tempos acabaram.
#VoltaAgosto