Após anos de ausência, a extrema-direita tem nos últimos tempos marcado presença nas páginas dos jornais, se bem que nem sempre pelas melhores razões. Mas qual será o verdadeiro peso deste tipo de movimentos na sociedade portuguesa? Como têm sido encarados pelo povo português? Do MDLP nos anos 70, passando pelo MAN na década de 80, e terminando no PNR dos nossos dias, este tópico tem como objectivo a discussão deste assunto polémico, mas sobre o qual convem ter algumas noções.
Começo por fazer uma pequena resenha histórica de algumas organizações de extrema-direita que surgiram em Portugal depois do 25 de Abril de 1974, neste caso concreto o Movimento de Acção Nacional (MAN) e o bem conhecido Partido Nacional Renovador (PNR), abordando também a sempre polémica relação entre as claques de futebol e os movimentos radicais de direita.
O Movimento de Acção Nacional - Os Skinheads chegam a Portugal
Em Junho de 1985 um grupo de jovens residentes na zona da Amadora regista no cartório a Associação Cultural Acção Nacional. Este colectivo tinha como missão a defesa dos valores nacionais, étnicos, culturais, éticos e espirituais, e as formas de concretizar estes objectivos passavam pela edição de um jornal e de livros. Eram estes os objectivos primários da Associação Cultural Acção Nacional. Os seus fundadores foram Vítor Santos, Manuel Andrade, Alexandre Freire, Paulo Sequeira e José Luís Paulo Henriques, que rapidamente se veio a tornar no líder do grupo, cabendo-lhe também a ideia original de fundar a associação. Este grupo de jovens tinha em comum o facto de pertencerem à classe-média baixa, estarem descontentes com o sistema político vigente na época, que consideravam corrupto, e de simpatizarem com ideais conservadores e nacionalistas. O tempo foi passando, e as posições no seio da associação foram-se consolidando, passando José Luís Paulo Henriques a liderar o colectivo, ao mesmo tempo que alguns dos seus fundadores se iam afastando das suas actividades. Este último, também conhecido por “Zé Gato” (alcunha ganha pelas semelhanças futebolísticas que tinha com o antigo guarda-redes benfiquista), não era propriamente um novato em matéria de actividade política, aos 16 anos já liderava a associação de estudantes do Liceu da Amadora e em 1983 já se encontrava à frente da secção que a Juventude Centrista (JC), a organizaçao juvenil do CDS, tinha nesta cidade dos arredores de Lisboa. No entanto, a militância na democracia-cristã não terá sido suficiente para José Luís Paulo Henriques, que se caracterizava por um aguerrido anti-comunismo e por um saudosismo do Estado Novo salazarista, o que o levou a abandonar a presidência da JC da Amadora. Entretanto, a associação passa a designar-se por Movimento de Acção Nacional (MAN), e começa a dar os primeiros sinais de dinamismo. Em 1986 é editado o primeiro orgão de informação do MAN, o jornal Acção, alguns cartazes começam a surgir nas paredes da zona, e os pedidos de adesão e informação começam a chegar em catadupa à sede do movimento, também situada na Amadora. Naquele que foi o seu primeiro jornal podia-se ler que “o MAN caracteriza-se por uma Terceira Atitude, que se coloca em oposição ao Capitalismo e Socialismo”, sendo o seu lema, explicíto nos cartazes que povoavam as paredes, “Nem Capitalismo! Nem Comunismo! Terceira Via! Por Portugal!”. Esta atitude de inconformismo e de rebeldia em relação ao sistema político vigente, de recusa do Comunismo que tanta agitação tinha provocado uma década antes, que provocou os saneamentos, as nacionalizações e a ocupação de terras, sendo tudo isto materializado no PREC; de desilusão em relação à Democracia Cristã defendida pelo CDS, que se encontrava numa posição cada vez mais redutora em virtude da ascenção do PSD liderado por Cavaco Silva, que por seu lado representava o Capitalismo, destruidor da identidade nacional e adverso às tradições seculares; levou a que muitos jovens aderissem ao MAN, que se apresentava como uma alternativa revolucionária (1). E terá sido esta sugestão de militância política mais agressiva que levou um grupo de jovens, por volta de 1987, oriundos da zona de Almada e que tinham em comum o gosto pela cultura “skinhead” (surgida em Inglaterra no final dos anos 60 no seio dos bairros operários, adepta da diversão regada com muito álcool e de alguma violência à mistura, por oposição ao “peace and love” da cultura “hippie”, e caracterizada por um vestuário e gostos musicais comuns) a aderir ao movimento. Este grupo de “skinheads” da Margem Sul era liderado por Fernando Pimenta, e começam a incutir um novo espírito no MAN, que passa a adoptar a cruz celta como símbolo, e que se materializa na edição do Combate Branco, publicação dirigida aos militantes mais radicais. A influência do movimento chega ao Norte do país, onde começam a surgir os primeiros militantes, nomeadamente no Porto e em Braga, e onde surge a primeira publicação, intitulada Vento do Norte. Mas ao mesmo tempo que o MAN aumentava a sua influência, também os problemas começavam a surgir em quantidade razoável. A adesão dos “skinheads” veio-se a tornar fatal para o movimento, que começou a ser visto pela sociedade portuguesa como um grupo de “cabeças-rapadas” racistas e violentos. A comunicação social começa a reportar alguns episódios de turbulência na noite lisboeta, nomeadamente no Bairro Alto (2), confrontos com outros grupos de jovens e agressões a indivíduos de origem africana começam a ser habituais, começam a surgir os primeiros símbolos de extrema-direita nos estádios de futebol, frases como “Se vires um preto mata-o”, “Poder Branco” ou “Portugal aos Portugueses” começam a aparecer escritas nas paredes de Lisboa, até que chegamos a 1989, ano que se vem a revelar decisivo na história do MAN, e onde se produzem alguns episódios marcantes, não só pela violência que envolveram, mas também pelo impacto que tiveram. Em Maio deste ano o actor João Grosso é agredido por um grupo de sete “skinheads” em Lisboa, tendo perdido um testículo em resultado das agressões, sendo de referir que João Grosso foi agredido por tentar socorrer um jovem que estava a ser espancado pelo mesmo grupo, e a 28 de Outubro José Carvalho, militante do Partido Socialista Revolucionário, um pequeno partido de orientação trotskista, é esfaqueado mesmo à porta da sede do PSR, na Rua da Palma em Lisboa, vindo a falecer. Tudo terá acontecido quando um grupo de “skinheads” oriundo da Margem Sul forçou a entrada na sede do partido, onde estava a decorrer um concerto inserido numa campanha anti-militarista promovida pelo PSR, os militantes trotskistas tentaram impedir a entrada do grupo, e no meio da confusão e das agressões José Carvalho cai no chão vítima dum golpe fatal na zona do coração. A Polícia Judiciária faz algumas detenções, enquanto que algumas vozes defendem que o crime teve motivações políticas. Pouco tempo depois do assassinato de José Carvalho, a 19 de Novembro, no Porto, um grupo de “skinheads” agride dois cidadãos espanhóis no centro comercial Brasília e espanca Francisco Faustino, indivíduo de nacionalidade angolana, sendo abandonado pelo mesmo grupo, inconsciente, na linha férrea. O MAN começa a ficar com a marca das agressões dos “skins” (3). Já a terminar este ano, talvez o mais atribulado da história do movimento, realiza-se um jantar no Porto a 1 de Dezembro, com o objectivo de aproximar a estrutura dirigente do movimento, que estava estabelecida em Lisboa, dos militantes nortenhos. No entanto, o repasto acaba em confrontos entre os dois grupos, o que simbolizava, de certa forma, a fragilidade e as contradições das bases militantes do MAN (4).
1 – Cf. Jornal Semanário, edição de 18 de Setembro de 1993;
2 – Cf. Jornal Tal & Qual, edição de 21 de Julho de 1989;
3 – Cf. A Extrema-Direita em Portugal, ed. SOS Racismo, 1998;
4 – Cf. VEGAR, José – “Áreas Especialmente Sensíveis” in Serviços Secretos Portugueses – História e Poder da espionagem nacional, ed. A Esfera dos Livros, 2007.
A extrema-direita e as claques de futebol
Mas se os anos 90 viram o desaparecimento do MAN, também viram o surgimento da extrema-direita em grande destaque noutros palcos, desta vez menos políticos e mais desportivos. Em 1991, Gaspar Fernandes, responsável operacional da PSP pelo policiamento dos estádios da Grande Lisboa, confirma em entrevista ao Diário de Notícias a presença de elementos da extrema-direita nas claques dos grandes clubes portugueses. Mário Machado, skinhead que vem a ter um enorme protagonismo anos mais tarde, terá tomado contacto com esta ideologia sensivelmente nesta altura, e terá sido nas bancadas do antigo estádio José Alvalade, e no seio da claque sportinguista Juventude Leonina, que pela primeira vez privou com skinheads, conforme o próprio assume em entrevista concedida ao jornal Correio da Manhã em Maio de 2005. Os primeiros anos da década de 90 ficam marcados pelos primeiros episódios de violência protagonizados pelas claques. Em Março de 1992, após o jogo entre Sporting e o F. C. do Porto a contar para a Taça de Portugal, os adeptos sportinguistas envolvem-se em confrontos com a polícia dentro e fora do estádio. Durante esta época de 1991-92, a exibição de bandeiras neo-nazis no seio das claques do Benfica, Sporting e F. C. do Porto são uma constante, mas é na época seguinte, 1992-93, que a situação se agrava, tendo a comunicação social dado grande atenção ao facto. Ainda em 1992, também em jogos a contar para a Taça de Portugal são exibidos símbolos de extrema-direita. Em Loulé, durante o Louletano – Benfica, membros dos Diabos Vermelhos exibem uma bandeira com a cruz suástica, e no Barreiro, no jogo Barreirense – Sporting, uma enorme faixa, contendo a palavra Skinheads e ladeada por uma cruz celta, é colocada na rede do estádio, precisamente na zona onde se encontravam as claques do Sporting. Mas não era só em estádios de clubes pequenos, onde o policiamento é mais fraco, que estes símbolos eram exibidos. Em pleno estádio da Luz, em Lisboa, no jogo que opôs o Benfica ao Dínamo de Moscovo, a contar para a Taça UEFA, a claque No Name Boys exibe uma faixa relativa às Waffen SS, a força de elite do exército nazi. A confirmação da infiltração da extrema-direita nas claques de futebol surge nas páginas da revista Sábado, onde é feita uma reportagem sobre o assunto, e onde membros da Juventude Leonina, incluindo o seu líder Fernando Mendes, posam para a foto fazendo a saudação nazi e segurando uma bandeira com a cruz celta. Mais tarde, em entrevista concedida ao jornal A Bola, o mesmo assume que o fez por uma questão de protagonismo, com o intuito de que a comunicação social desse alguma imagem da claque, e desvaloriza a saudação nazi, afirmando que fez o mesmo aquando do seu juramento de bandeira durante o serviço militar. Mas é no início do ano de 1993 que a opinião pública desperta em definitivo para esta situação. A 3 de Janeiro, durante o intervalo do jogo Belenenses – Benfica, membros afectos à claque No Name Boys provocam incidentes e agridem um funcionário do clube do Restelo, por este ter tentado impedir que os jovens benfiquistas vandalizassem o marcador do estádio, no seguimento dos incidentes é exibida uma bandeira com uma cruz suástica por um suposto membro dos já referidos Diabos Vermelhos, tudo isto captado pelas câmaras da televisão e visto por milhões de portugueses. Dias depois começam as reacções, a direcção do Benfica decide retirar o apoio às suas claques e o presidente do F. C. do Porto, Pinto da Costa, pede a demissão de Dias Loureiro, responsável pela pasta da Administração Interna do governo de Cavaco Silva, responsabilizando-o pelos últimos acontecimentos. A conexão entre este despertar da violência nos estádios de futebol portugueses e as infiltrações da extrema-direita começou a ser feita pela opinião pública, o que ainda perdura, sendo algo sempre reforçado por associações como o SOS Racismo.
Partido Nacional Renovador - O resurgimento da extrema-direita portuguesa no século XXI
No final do ano de 1999 um grupo de simpatizantes da extrema-direita adere ao moribundo Partido Renovador Democrático (PRD) com o intuito de organizar um partido de cariz nacionalista, algo inexistente na época em Portugal. A estratégia consistia na apropriação dum partido já existente e registado no Tribunal Constitucional, na alteração do nome, sigla e símbolo, na subida aos orgãos directivos do partido em questão de membros do grupo, e desta forma nascia no panorama político português um partido nacionalista, algo até aqui inédito, em grande parte devido à dificuldade que os militantes da direita radical tinham sentido em anteriores tentativas na angariação das 5.000 assinaturas necessárias para a formalização dum partido político. A 17 de Março de 2000 entra no Tribunal Constitucional um requerimento por parte do PRD da alteração do seu nome, sigla e símbolo, passando a designar-se por Partido Nacional Renovador, com a sigla PNR, sendo o seu símbolo um facho de cores vermelha, branca e azul. O requerimento era assinado pelo presidente da Comissão Directiva do partido, António da Cruz Rodrigues – que anteriormente tinha formado a Aliança Nacional, organização nacionalista fundada em 1995 que nunca chegou a constituir-se como partido político precisamente por não ter conseguido reunir as 5.000 assinaturas necessárias para esse efeito – e por outros membros da direcção como José David Santos Araújo (presidente da Mesa do Conselho Nacional), Bruno Oliveira Santos (vogal da Comissão Directiva), Eugénio Manuel Campos Godinho e Francisco José Felgueiras Barreto (ambos secretários da Mesa do Conselho Nacional). A 12 de Abril o Tribunal Constitucional aprova o requerimento, e desta forma estava criado o PNR. A controvérsia à volta do PNR começou logo nos primeiros tempos do partido. A 28 de Maio de 2001 o presidente Cruz Rodrigues, por ocasião dum jantar comemorativo do 75º aniversário do golpe de Estado ocorrido em 1926 que impôs a ditadura militar em Portugal, anuncia a intenção do PNR em concorrer às próximas eleições autárquicas marcadas para 16 de Dezembro deste ano. O anúncio provocou a reacção do Bloco de Esquerda (BE), que classificou de “candidaturas fascistas” as intenções do PNR, e apelaram ao Tribunal Constitucional que impedisse a formalização das mesmas. No entanto, o partido avançou com candidaturas nos concelhos de Lisboa e Mafra, acabando por recolher 877 votos, 0,02 % da totalidade dos votos respeitantes ao Distrito de Lisboa, naquela que foi a primeira participação eleitoral do partido. Em virtude do descalabro eleitoral do Partido Socialista (PS) nestas eleições, o Primeiro-Ministro António Guterres apresenta a sua demissão, provocando a queda do governo socialista. O Presidente da República Jorge Sampaio marca novas eleições legislativas para 17 de Março de 2002, às quais o PNR também concorre, recolhendo 4712 votos, 0,09% do total. Durante a campanha eleitoral desta eleição deu-se um acontecimento, marginal à actividade do PNR, que apontou para o ressurgimento dos “skinheads” em Portugal: a 9 de Março um grupo de militantes do BE que se encontrava a colar cartazes na zona de Alcântara, em Lisboa, é atacado por um bando de “skinheads”, acabando por ser esfaqueado um dos militantes bloquistas. O partido só volta a demonstrar sinal de actividade em 2004 com um novo acto eleitoral, as eleições para o Parlamento Europeu realizadas a 13 de Junho, onde obteve 8405 votos, 0,25 % do total nacional, sendo de realçar que obteve o dobro dos votos obtidos nas eleições legislativas de 2002. Contudo, os “skinheads”, que até aqui se tinham mantido numa posição marginal, começam a partir de 2004 a demonstrar sinais de vitalidade e dinamismo, nomeadamente através da organização dum concerto em Loures que contou com presenças internacionais, ao mesmo tempo que se apropriavam da “internet” como meio de difusão de ideais, sendo merecedor de especial destaque o fórum nacional, onde chegou a estar publicada uma lista de “alvos a abater” pelos nacionalistas radicais. Este recrudescimento das actividades dos “skinheads” acabou por ter repercussões no PNR, que passou a contar com um corpo de militantes mais aguerridos e dispostos a fazer também das ruas um espaço de luta política. Desta forma no início de 2005 é organizada em Lisboa uma manifestação contra a entrada da Turquia na União Europeia, encabeçada pela organização Frente Nacional (FN) – onde se inseriam a maior parte dos “skinheads” nacionalistas – e acompanhada pelo PNR. No entanto, a 10 de Junho, precisamente no Dia de Portugal, dá-se um acontecimento que provocou um enorme impacto na opinião pública, em grande parte devido à cobertura mediática: o “arrastão” de Carcavelos. Um grupo de jovens de ascendência africana provoca alguns tumultos na praia de Carcavelos, o que leva a polícia a intervir. A comunicação social chamada ao local fala dum enorme “arrastão” de cerca de 500 jovens negros que provocaram o pânico junto dos banhistas. Ainda neste dia, uma organização nacionalista intitulada Causa Identitária comemora o Dia de Portugal no Largo de Camões, em Lisboa, o que levou um grupo de anarquistas a tentarem atacar os cerca de 50 nacionalistas que se concentravam junto à estátua do poeta Luís de Camões, o que não se concretizou devido à intervenção da PSP. No entanto, a polémica em torno da criminalidade associada às comunidades imigrantes estava lançada, o PNR aproveitou a situação e organizou, juntamente com a FN, aquela que foi considerada como a maior manifestação xenófoba de sempre em Portugal. A 18 de Junho cerca de 300 pessoas juntam-se no Martim Moniz, em Lisboa, e desfilam até ao Rossio, empunhando faixas onde se podiam ler mensagens como “Não existem direitos iguais quando és um alvo por seres branco” e “Imigrantes igual a crime”. Pouco tempo depois, a 17 de Setembro, é levada a cabo nova manifestação na capital, desta vez contra o “lobby gay”, sendo novamente organizada em conjunto pelo PNR e pela FN, acabando por reunir cerca de 100 manifestantes, que se concentraram no Parque Eduardo VII. A toda esta dinâmica demonstrada pelo PNR, em grande parte potenciada pela FN, não é alheia a eleição em Junho de 2005 para a presidência do partido de José Pinto Coelho, que nunca negou o apoio dos “skinheads”, apesar da conotação violenta e racista que estes têm.