Que há muitos temos um desempenho europeu muito inferior aos rivais é uma evidência. Razões para isso? Há várias, mas acho que a forma como o clube - adeptos e dirigentes - olham para à Europa de há uns 15-20 anos a esta parte tem qualquer coisa a ver com isto.
É que o clube criou uma relação muito peculiar com a Europa, que não vejo em nenhum dos rivais - e, francamente, em muito poucos clubes com a nossa dimensão pela Europa fora.
É que há dois pressupostos que são partilhados por uma larga fatia da massa adepta:
a) a Europa é uma maçada que não vale a pena
b) e jogar para ganhar na Europa é inimigo de jogar para ganhar no campeonato.
É de estarrecer a quantidade de vezes que vejo sportinguistas a dizer e a escrever que o treinador devia poupar jogadores na Europa por causa de um qualquer jogo obscuro do campeonato nacional com um Tondela ou um Vizela. E é algo que não existe nos rivais - ou, pelo menos, não na mesma proporção.
Talvez seja uma espécie de escudo mental, um reflexo defensivo perante sucessivas desilusões e traumas. Na linha dos assobios ao hino da Liga dos Campeões - assobiar o hino e aplaudir a equipa depois de uma exibição miserável em que levamos 5 é também uma originalidade nossa. No fundo, é uma certa atitude hipster: “Não damos uma para a caixa na Europa - mas só porque não queremos…”
Há já uma geração de adeptos que cresceu a ouvir e a ler este discurso e muitos pensam assim. E as direções fazem-lhes a vontade: querem melhor demonstração desta mentalidade do que a forma como foi construído o plantel? A pensar numa boa campanha europeia não foi de certeza…
Já escrevi aqui dezenas de vezes que isto é um erro que pagámos no passado e pagaremos muito caro no futuro.
No plano desportivo, é um disparate. As boas equipas são fortes em casa e na Europa. E, face ao enorme desequilíbrio do tugão, precisamos de nos confrontar com equipas estrangeiras de qualidade para não estagnarmos nem criarmos ilusões sobre o valor das nossas equipas e dos nossos jogadores.
No plano financeiro, é contraproducente. Não há a comparação entre a exposição que os jogadores conseguem numa competição europeia - mesmo na Liga Europa. Um par de boas exibições na Liga dos Campeões ou até numa fase avançada da Liga Europa vale tanto como um campeonato, deste ponto de vista. E nem vale a pena falar da diferença entre os prémios do tugão e os prémios das competições europeias.
Para o prestígio do clube, esqueçam. É que ninguém lá fora sabe ou quer saber do Tugão. Falo com muitos estrangeiros e quase todos sabem quem são o Benfica e até o Porto, mesmo os que só casualmente vêm jogos. Mas, em geral, só os conhecedores sabem quem é o Sporting. E nem 10 vitórias consecutivas no Tugão mudarão isto, se não houver boas campanhas europeias.
Mas é no médio-longo prazo que acho que esta visão é um erro estratégico colossal. Eu acho que se aproximam grandes mudanças na organização do futebol europeu. Parece-me que os campeonatos nacionais estão condenados à irrelevância e que o tempo das ligas supranacionais está à porta.
Sim, a UEFA rasgou as vestes como uma virgem ofendida e rechaçou a Superliga Europeia. Mas já preparou a sua própria revolução na Liga dos Campeões - e que vai no mesmo sentido. Vai praticamente garantir a presença dos grandes clubes, independentemente do seu desempenho nos campeonatos nacionais. Em poucos anos, o fosso entre estes clubes e os outros vai alargar-se ainda mais - e a distância do último passo para uma liga europeia fechada com 16-20 clubes será cada vez menor.
Ou seja, a dúvida é cada vez menos saber se vai haver ou não uma liga europeia e cada vez mais saber se, quando for criada, o seu formato será fechado (estilo NBA, com acesso por convite) ou aberto (com divisões, promoções e despromoções). As ligas domésticas estarão então na base da pirâmide, um pouco como os distritais estão hoje para as competições nacionais.
É mais importante do que nunca mostrar que temos dimensão europeia. Por um lado, para contribuirmos que a ideia do formato fechado é demasiado redutor - e assim garantir que há um sistema de promoções e despromoções. Por outro, para não ficarmos apeados se o pior cenário se confirmar e se avançar para uma liga europeia fechada. Sob pena de um dia acordarmos e termos uma má surpresa, com o Benfica e/ou o Porto a serem convidados e a deixarem-nos os Tondelas e os Vizelas todos para nós. Mas aposto que até aí haverá gente a dizer que isso é que é o que importa.