Cenário que já era um pouco estranho na memória dos leões, o Sporting começou a última época praticamente arredado do seu maior objetivo, a conquista do campeonato nacional, estando logo à terceira jornada a 8 pontos da liderança, e encaminhando-se para uma primeira volta paupérrima onde consegue perder 19 pontos em apenas 51 possíveis.
Esfumando-se o principal objetivo, a verdade é que nem assim a equipa soube dar resposta nas competições remanescentes, conseguindo perder o acesso aos oitavos de final da Liga dos Campeões, fazendo 1 ponto em 4 jogos depois de ter feito 6 pontos nos 2 primeiros, e assumindo especial evidência a eliminação precoce na Taça de Portugal perante um modesto Varzim.
Os únicos pontos positivos, em termos globais, acabaram por ser o percurso na Taça da Liga, onde fomos arredados de vencer por questões mais do que abordadas, e uma caminhada na Liga Europa, competição de recurso, onde fica para a memória uma eliminação épica diante do Arsenal e um amargo de boca nos quartos-de-final contra os italianos da Juventus, que estiveram claramente ao nosso alcance.
Pouco, muito pouco, olhando não somente para aquilo que devem ser as expectativas de um clube com a dimensão do Sporting, mas sobretudo para o inverter do paradigma que se vinha verificando com Rúben Amorim.
Na minha opinião, mais de um factor isolado, o falhanço desta época deveu-se a uma sucessão de factores, de erros, que interligados culminaram na pior campanha do Sporting de Amorim. Erros, estes, que devem ser esmiuçados para que tal situação não se volte a repetir, e é, nesse sentido, que me propus a apresentar uma reflexão sobre tudo o que na minha ótica correu mal, e o que considero que terá de ser mudado para que voltemos ao trilho do sucesso.
Embora o mercado de verão de 2022/2023 tenha iniciado com um negócio que por si só foi uma surrealidade para o dito “normal” do Sporting, com a contratação da lacuna mais evidente do plantel, num negócio de rendimento imediato e, mais do que tudo, efetivado num período ainda embrionário, que foi Jeremiah St Juste, a verdade é que este provou-se ser a exceção para os movimentos que se seguiram.
Depois disso chegaram Morita, Trincão, Sotiris, Rochinha, Arthur Gomes, Fatawu e Franco Israel.
Uma postura distinta do que vinha sendo a forma de trabalhar de Amorim, optando por um mercado mais na linha do que é o clássico modus operandi do Sporting, contratando muito em quantidade, ao invés de privilegiar a qualidade dos seus reforços. Se recuarmos, por exemplo, um ano atrás, tinham chegado jogadores como Ugarte, Sarabia, Edwards ou Slimani. Optando por ora jogadores de rendimento, ora projetos futuros para crescer “na sombra” e conferir profundidade ao plantel.
Ora, olhando para o que chegou neste último verão, apenas Morita e Trincão se conseguiram assumir como verdadeiros elementos com capacidade para serem titulares regulares, e muito ás custas do contexto vigente. O japonês pela ausência de nomes para o meio campo. Já o vianense, muito por culpa da inexistência de um verdadeiro extremo-esquerdo que oferecesse atributos diferenciados.
Adiciono que Trincão, na minha ótica, acaba por ser mais um negócio de ocasião do que propriamente um reforço na ótica de suprir lacunas patentes no plantel, pois é um jogador que mostra o seu melhor futebol jogando da direita para o meio, e ocupando espaços mais interiores, o que choca com os outros 2 pesos-pesados do ataque, Pote e Edwards, que apesar de terem todos eles características diferentes, na minha visão, apresentam o seu melhor futebol a jogarem como extremo-direito. Nesse sentido, relativizo um pouco a sua época a jogar na esquerda, um pouco como peixe fora da área.
No entanto, olhando para aquilo que seriam as lacunas patentes no plantel do Sporting à partida da nova época, que seriam a contratação de um ala esquerdo titular, um 9, um extremo-esquerdo e um central do lado direito, todo este planeamento sofre um revés adicional com a venda, em péssimo timing, de Matheus Nunes, adicionando-se, portanto, a necessidade de um 8 titular.
Ignorando a questão do 9, que sabemos que foi descartado por teimosia de RA, os movimentos de entrada supramencionados não foram capazes de preencher tais lacunas identificáveis e, mais do que isso, sequer dar a profundidade que um plantel do Sporting exige, levando a que em vários jogos o nosso banco fosse constituído por um misto de jovens projetos de jogador e jogadores sem qualidade para alinharem no nosso plantel.
Em Janeiro, num momento já arredado de maior parte dos objetivos pré-definidos para a época, existindo a possibilidade de poder sanear os erros cometidos no Verão, o que se verificou foi a inoperância. Não só não foram preenchidas qualquer tipo de lacunas existentes, como também vimos sair o melhor jogador do clube, Pedro Porro. Para a sua sucessão opta-se por uma solução de recurso, Bellerin, e acabam também por chegar Tanlongo e Diomande, este último num negócio de envergadura considerável para o Sporting. Tal como o caso de Trincão, voltamos, na minha perspetiva, a estar perante um negócio de ocasião, tendo sido identificado um potencial superlativo do atleta para uma posição (ou posições, pois vejo OD a jogar no centro ou descaído para a direita) na qual a Academia não tem nenhuma solução de futuro, mas para onde no imediato havia Coates, Inácio e Juste.
De salientar, igualmente, que num curto período de tempo (cerca de 6 meses) vimos sair os 2 melhores jogadores da equipa, e para os quais já existiria, naturalmente, a perspetiva muito prévia de serem futuramente vendidos, e, mesmo assim, não tivemos a capacidade de já ter alguém contratado para crescer na sombra (como fizemos com Edwards para Sarabia ou Ugarte para Palhinha) ou sequer promover a substituição direta, o que acho demasiado amador, já que é básico ter um estudo suficiente de mercado em relação a acautelar as saídas dos jogadores com maior valor.
Seria logicamente expectável que a “forma de jogar” do SCP fosse alterada progressivamente com o crescimento do clube sobre o seio do Amorim. Em 2020, Amorim pega num Sporting que já pouco era respeitado pelos adversários, e, por isso, apresentavam estratégias um pouco mais ambiciosas e corajosas do que seria normal defrontando uma equipa dita grande, pelo que a profundidade e as transições ofensivas fizeram muito parte do sucesso da conquista do título.
Mudando o paradigma, Amorim introduziu nuances táticas que visaram apresentar um Sporting com uma proposta de jogo mais arriscada e ofensiva, mais preparado para obter o domínio do jogo em grande parte dos 90 minutos, sem nunca descurando a possibilidade de ferir o adversário de diferentes formas.
Se este modelo de jogo foi suficientemente competente para os jogos nacionais, ao ponto que o Sporting de RA em 2 épocas consegue a marca dos 85 pontos, não sendo bicampeão por tudo aquilo que se sabe, a verdade é que sempre ficou um amargo de boca e foi questionado o rendimento nos jogos europeus, onde vimos o Sporting a ser atropelado por equipas como Ajax, Lask Linz ou Manchester City, expondo a nu o risco do sisema.
Na minha opinião, é com esta base que Amorim preparou a alteração do modelo de jogo 22/23. Uma equipa mais adaptada para os jogos europeus, sem descurar o volume de jogo ofensivo nos jogos nacionais.
A ideia até acabou por ter parcialmente sucesso, pois nunca vimos o Sporting de Amorim tão bem preparado perante equipas como Arsenal, Tottenham, Juventus ou Frankfurt, com especial incidência para os gunners, que são uma equipa com forte incidência no meio-campo ofensivo, a passo que o meio-campo defensivo tinha sido o nosso tendão de aquiles nos jogos europeus das épocas anteriores.
O Sporting preparou um modelo de jogo que privilegia mais do que tudo a posse, desde o momento da fase de construção, levando ao absurdo de sofrer golos e calafrios como em Marselha pela insistência em querer sair sempre curto, até o momento da própria criação e consequente finalização. A ideia subjacente seria não descompensar as peças e apresentar um bloco muito próximo e compacto, nos diferentes momentos do jogo, pensando sempre na eventualidade da perda.
Se isto tornou o Sporting muito mais sólido, não tenho dúvidas. Mas também, simultaneamente, retira espaços aos nossos criativos e concentra a nossa organização ofensiva a jogar contra o adversário num bloco completamente estável e numeroso para anular os nossos ataques, o que sempre diminui as possibilidades de sucesso do ataque.
E com isto trouxe também uma nuance tática que eu creio que tenha sido “o problema”, a gestão do risco. Não só vimos a obsessão com o bloco, mas sobremaneira a ideia de jogar sempre visando a opção mais segura, menos ferida de susceptibilidade da perda, independentemente de ser a solução que aproximasse mais o Sporting do golo.
E isto é confirmado pelos ratings que demonstram uma evolução massiva da equipa em termos de domínio de jogo, mas também nunca ficamos tantos jogos sem marcar (5) para o campeonato, como nesta época.
A opção, estruturalmente, foi colocar no sistema dinâmicas a jogar com os 3 avançados da frente por dentro, procurando aproveitar os momentos de superioridade numérica com a subida excessiva dos alas, sendo a largura também dada pelo 8 (dinâmicas já exploradas para valorizar Matheus Nunes), o que levou a que o Sporting muita das vezes estivesse com uma linha de 5 a atacar. O que, como já referi, não se traduziu em sucesso ofensivo.
Este tipo de nuances resultam, a meu ver, perfeitamente na europa, onde os adversários “jogam mais o jogo” e concedem maiores espaços dentro do bloco intermédio para permitir as combinações dos nossos atacantes, mas é completamente inoperante em Portugal, onde defrontamos organizações defensivas densas, que nos retiram qualquer tipo de espaços interiores para essas tais combinações, o que leva a que maior parte das jogadas acabassem no “futebol em U”.
Teimosias e Fundamentalismo dos Preceitos de Amorim
Não há volta a dar.
Se a personalidade, firmeza de ideias ou assertividade são pilares fundamentais para introduzir um modelo vencedor, tudo isto deixa de fazer sentido quando as convicções individuais deturpam o raciocínio ao ponto de se tornarem cegueira, e um claro obstáculo. E isto tem sido um aspeto sobejamente presente na estadia de Amorim no Sporting.
Completamente incompreensível como RA conseguiu arrastar mais uma época a questão do avançado ao ponto do insustentável, bem como outras ideias que não lembram ao diabo, como a constante oscilação de utilização de jovens jogadores como Essugo e Fatawu, ou a opção fiel e descabida em Chermiti, jogador sem qualquer experiência sénior e que foi lançado aos lobos, com a pressão do mundo sobre si. Para não falar da defesa mórbida a Paulinho e Esgaio, mais do que esmiuçada.
Sem querer alongar muito nesta matéria, a verdade é que o facto das coisas terem dado certo no início de carreira a Amorim fez com que este se tornasse crente de que se pode sobrepor a anormalidade de um mundo tão volátil como o futebol.
Um treinador capaz de autocrítica, descoberta de conceitos novos ou utilização de caminhos diferentes visando obter o mesmo resultado, estará sempre mais próximo do sucesso e é isso que quero de RA.
O que mudaria para a próxima época
Como já referi, um bom ponto de partida seria, essencialmente, retificar aquilo que de errado foi feito, em especial:
- Apostar num planeamento de época equilibrado e racional, visando um nº mais reduzido de entradas mas com minúcia e objetividade, de forma a entrarem colmatar diretamente lacunas do 11 base;
- Contratações adequadas tendo em conta a mudança do modelo de jogo ou o perfil do jogador exigido para a posição. Por exemplo, se a ideia for voltar ao perfil de meio campo do título (6 posicional + 8 construtor de jogo), apostar no Morita, se a ideia for ter novamente um 8 a dar largura no flanco e a ter mais liberdade ofensiva (fórmula Matheus), contratar um 8 novo;
- Contratar definitivamente um extremo-esquerdo abre latas, que permita novamente o Sporting recorrer à profundidade, às transições, ao rasgo do 1x1 e abrir espaços para os outros atacantes finalizarem;
- Contratar definitivamente um 9 que associe as características do jogo de apoios, no chão ou pivô aéreo, a movimentações exteriores, pelos flancos, a qualidade técnica para fazer iniciativas individuais, somando tudo isso a GOLOS;
- Providenciar um modelo de jogo mais completo, mais rico em diferentes soluções e mais adaptado às especificidades do campeonato português, explorando a profundidade, a largura dos extremos e os 1x1s, o jogo mais direto, a meia distância, a altura nas bolas paradas ofensivas, a abertura de espaços dessa mesma largura para existir condições para ter jogo interior, etc…;
- Manter o plano B para os jogos europeus e promover a rotatividade do plantel que permita ser competitivo na Liga Europa e Campeonato;
- Ter a humildade de perceber a subjetividade dos preconceitos futebolísticos e a possibilidade de existirem diferentes caminhos para o sucesso, tendo abertura para poder mudar sempre que possível;
Partirá de Viana, Amorim, os jogadores, nós e o Sporting em geral ir novamente à guerra para um ano de decisões, onde só o sucesso desportivo poderá acontecer !