O actual sistema de votação nas Assembleias Gerais é antiquado, injusto e pouco democrático. Estes são os principais argumentos de quem, como eu, defende alterações neste sistema, uma posição que gera muita controvérsia pelo anti-conservadorismo que encerra (o ser humano é pródigo a resistir a mudanças) e por conseguinte a sua discussão acaba por se tornar estéril e inconsequente, apesar da sua elevada recorrência (a última delas está no tópico Diferenças entre Sócios). Recordo os mais incautos que no centro da polémica está a seguinte frase dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal (os actuais): “Por cada decénio de inscrição ininterrupta, os sócios efectivos terão mais três votos, para efeitos de votação nas Assembleias Gerais, de requerimento da sua convocação e de propositura de candidaturas.” (artigo 43, ponto 2 http://www.wikisporting.com/index.php?title=Os_actuais_Estatutos_do_Sporting_Clube_de_Portugal#Cap.C3.ADtulo_III_-_S.C3.93CIOS_DO_CLUBE).
Bom, eu não sou jurista nem percebo muito das raizes históricas do voto proporcional aos anos de filiação, mas não vejo qualquer sentido nesta distinção. Por exemplo, se numa associação entrar um sócio e a mesma passar a ter 100 sócios que pagam todos a mesma quota, então pela minha lógica, esse indivíduo, mediante o pagamento da sua quota parte, representa 1% da associação (assim como qualquer outro sócio representa 1% da associação), como tal o seu voto representa 1%, nem mais nem menos do que qualquer outro sócio da dita cuja. Parece-me justo e saudável, pois confere igual importância a todos os sócios em relacão à associação, uma vez que todos contribuem financeiramente na mesma medida… e assim sendo, por que razão deveriam os direitos de cada um serem diferentes?
Não é o que se passa no Sporting, aqui os direitos dos sócios (de voto, neste caso) aumentam consoante os anos de filiação na associação. Repare-se que a quota mensal é exactamente a mesma para todos, miúdos e graúdos e portanto num determinado momento a contribuição financeira de todo e qualquer sócio é exactamente a mesma, ie, a representatividade em percentagem para a associação é idêntica para todo e qualquer sócio (efectivo, entenda-se) tal como mostrei no exemplo do parágrafo acima… mas uns têm um voto que pesa mais do que outros, o que é a mesma coisa que dizer que uns são mais tidos em conta que outros, que uns são “mais Sportinguistas” (fazem mais parte do Sporting) que outros.
Quem defende este sistema costuma basear-se nos seguintes argumentos: premiar a preserverança em pagar quotas a fio, ano após ano, dizem uns; enaltecer a vivência e a experiência de quem já atravessou mais anos de Sporting sempre a pagar as quotas, dizem outros. Pergunto eu, desenvolvendo um raciocínio a que já aludi num tópico anteriormente, valerá a pena criar Sportinguistas de primeira, de segunda ou de terceira apenas para “premiar” a temporalidade da filiação? Será benéfico para o clube Sporting que alguns dos seus associados sejam vistos como sócios menores, com menos sentimento e menos “sportinguismo” do que outros, embora carreguem um sentimento idêntico de amor eterno ao clube no coração e contribuam financeiramente de igual forma para a associação? Será que é justo que estes Sportinguistas, que cumprem os seus deveres para com o clube exactamente como todos os outros, tenham menos direitos e por isso menos capacidade de decisão que outros sobre o presente e o futuro do clube?
Eu estou convicto que é errado diferenciar o direito de voto de sócios que têm os mesmos deveres, que contribuem de igual forma para o clube a que se associaram. Mesmos deveres, mesmos direitos ou dizendo de outra forma, um sócio efectivo, um voto. Estou convencido que, ao colocar os direitos dos associados sportinguistas ao mesmo nível, esta alteração estimula a unificação pelo reconhecimento da igualdade entre pares com opções diferentes, ajudando assim a que se quebre definitivamente as desconfianças que decorrem do efeito perverso das minorias com maiorias de votos (um efeito que embora mais teórico que prático, afecta o subconsciente de todo e qualquer sócio e gera fracturas e crispação entre os associados).
Existem outras formas de premiar os Sportinguistas com muitos anos de filiação e que não causem esta discriminação nos direitos fundamentais de um sócio. E mesmo que não existissem quaisquer prémios (lembranças e outros pequenos gestos simbólicos), a filiação prolongada já lhes teria conferido o “galardão máximo” - a capacidade de votar nas Assembleias Gerais e de decidir assim o rumo do clube através dos tempos… ou seja, podem orgulhar-se de terem ajudado a construir e a modelar o clube e a fazê-lo sobreviver ao longo dos anos até ao momento presente, altura em que o “partilham” com o sócio seu par que tem a possibilidade de votar pela primeira vez. Maior honra que esta é a meu ver impossível de obter.
Este post teria aqui o seu final, mas existem ainda duas nuances que me parece importante abordar:
- Pode surgir alguma desconfianca em relacão a este sistema de “one man, one vote” por abrir as portas a um eventual “coup d’état” (que deriva da inscrição abrupta de centenas ou milhares de sócios os quais podem ter intenções duvidosas no sentido de desvirtuar e descaracterizar o clube). A razoabilidade deste argumento parece-me muito pequena, uma vez que as hipóteses de tal ocorrer são, parece-me, tão ínfimas que podem ser desprezadas, mas não querendo alhear-me desta preocupação sugiro que o direito de voto fosse concedido apenas após 3 anos de filiação ininterrupta a partir do momento em que o sócio se torna efectivo. Seria um “período de provação” durante o qual o sócio teria oportunidade de clarificar as suas ideias e definir a sua relação com o clube.
- Os sócios-correspondentes configuram de facto uma situação em que os deveres (financeiros) são menores que os dos sócios efectivos para a associação, mas atenção que não são nulos e como tal os seus direitos não devem ser equiparados aos de um adepto não-sócio. Creio que a melhor solução seria atribuir a cada sócio-correspondente um “meio-voto”, ou seja, visto que o dever é reduzido, o direito também o deveria ser… um voto que corresponda a metade do voto do efectivo parecer-me-ia justo.
Estou certo que existem outras sugestões bem mais elaboradas para um novo sistema de votos nas AGs do Sporting, mas esta pequeníssima reflexão que na verdade dá pano para mangas teve como objectivo acima de tudo realçar que o princípio de um sócio, um voto me parece inalienável e creio que qualquer alteração futura a aprovar deverá sempre tender para este princípio (uso a palavra “tender” já a prever a aura de radicalismo que lhe vai ser imputada fruto das nossas mentes biologicamente conservadoras… se fosse gradual em vez de “quantal” já me daria por satisfeito ;D).
© Paracelsus 2010