O autor da frase que faz o titulo deste texto, chama-se Henrique Monteiro.
Ela diz muito sobre os últimos 18 meses de vida do Sporting. Não deixa também de ser significativo que a personagem que a escreve tenha sido membro da Comissão que recomendou a expulsão de BdC. Chamem-me “old fashion”, mas noutros tempos e com gente mais bem formada, alguém que foi juiz não viria para a praça pública celebrar a condenação do réu. Mas no Sporting vivem-se agora tempos diferentes e de união…
Mas ainda mais preocupante é o que esta frase quer dizer.
O “Sporting que sempre fomos” que Henrique Monteiro tão efusivamente celebra e de forma empenhada trabalhou para que regressasse, não é o clube fundado por Visconde de Alvalade, mas o Sporting que nasceu a 11 de Abril de 1996 quando José Roquette chegou à Presidência.
O ideal que José Roquette vendeu aos sócios fazia sentido, ninguém contesta que num clube com a dimensão do Sporting tem de ser praticada uma gestão profissional e existir (perdoem-me o anglicismo) “accountability” – responsabilidade, ética e transparência.
Até então vivia-se o tempo dos Presidentes-Mecenas, homens que tinham fortuna e estavam dispostos (alegadamente) a dispensar parte dela nos clubes do seu coração. A prática era generalizada não só em Portugal, mas também lá fora.
Por isso, quando um grupo de pessoas relativamente bem-sucedida chega ao Sporting “para o profissionalizar”, na sombra de 12 anos sem ganhar um título importante no futebol, não foi difícil convencer os sócios, onde me incluo.
O problema do “projecto Roquette” está no embuste veio a seguir. À pala de uma suposta superior capacidade para gerir o Sporting, pelo facto de serem chamadas pessoas com algum sucesso nas suas vidas profissionais e académica, criou-se uma casta que se acha no direito, deste então, de mandar no clube.
Nós, os sócios, devíamos ter percebido que não podia ser normal que de 1996 a 2005, os três presidentes tivessem chegado a esse cargo sem passarem por um processo eleitoral, mas através de uma figura jurídica chamada “cooptação” e desconfiado.
O primeiro a dar o exemplo foi o pai do projecto. José Roquette foi cooptado em 1996 após a demissão de Santana Lopes, transitando da Presidência do Conselho Fiscal, para a Presidência do Sporting.
Anos mais tarde calhou a vez a Dias da Cunha. A 1 de Agosto de 2000 é cooptado para a Presidência após José Roquette, em rota de colisão com Luís Duque, se demitir.
O cavalheiro que se seguiu foi Filipe Soares Franco, cooptado para a Presidência no dia 19 de Outubro de 2005 devido ao pedido de demissão de Dias da Cunha na sequência da saída de José Peseiro.
Admito que os títulos de 2000 e 2002, e a final europeia tristemente perdida em casa, tenham servido de soporífero, ainda que essas conquistas mais não tenham sido as execpções que vieram a confirmar a regra: o desastre desportivo e financeiro está à vista.
No meu caso pessoal, as dúvidas sobre o Sporting que estava a ser construído e a idoneidade de muitas das decisões que eram tomadas começaram a ganhar forma na Presidência de Filipe Soares Franco.
Mas importa referir outro dos embustes do ideal nascido em 1996, que casa com a tal suposta necessidade de o Sporting ser Presidido por gente proveniente de uma determinada linhagem, a dependência da banca. Essa imperativa obrigatoriedade dizia que, quem quisesse servir o clube tinha de (1) pertencer ao meio da alta-finança, mais importante ainda, à orbita do BES e/ou (2) ter a aprovação dessa mesma banca. Sem um destes requisitos, quem estivesse disposto a avançar estava à partida condenado.
Para aqueles que acham que exagero, façam o favor de reler o que disseram sobre este assunto Eduardo Barroso e Daniel Sampaio, presidente e vice-presidente da MAG de 2011-2013 eleitos pela lista de Bruno de Carvalho, nas eleições ganhas por Godinho Lopes.
Portanto o que se conseguiu com isto foi garantir que não havia o incomodo de eleições renhidas e com um vencedor incerto. Não é por isso um acaso que depois de terem sido cooptados, José Roquette e Dias da Cunha tenham conquistado um segundo mandato em eleições sem oposição, e que FSF tenha sido o primeiro Presidente a enfrentar concorrência em eleições, na pessoa de Abrantes Mendes que não obteve mais que 24,5% dos votos. Não deixa de ser curioso que depois dessas eleições, o juiz-desembargador tenha, entretanto, visto a “luz” e seja hoje um acérrimo defensor da “ordem natural das coisas” no Sporting, como foi possível comprovar, mais uma vez, pelo artigo que escreveu no jornal Abola na semana que antecedeu a Assembleia Geral que votou favoravelmente a expulsão de Bruno de Carvalho.
Mas como estava a dizer, foi com FSF que comecei a interrogar-me sobre decisões que estavam em cima da mesa e a visão que esse Presidente tinha de e para o clube. Infelizmente a esmagadora maioria dos sócios não acompanhava estas minhas inquietações e foi assim que aprovaram a venda de todo o património não desportivo do clube: Edifício Visconde de Alvalade, Alvaláxia, Holmes Place e Clínica CUF, apesar do intenso debate que esta questão levantou durante a campanha eleitoral.
Neste processo de domínio do clube pensou-se em tudo. A importância da comunicação social para o sucesso da fórmula não foi esquecida. Por exemplo, nos dias que antecederam a aprovação em AG da venda desse património, não faltou na imprensa colunistas e convidados a explicar que sem essa aprovação era o desastre que esperava o Sporting.
Ora este é o grande drama do nosso clube, o envenenamento das massas através da comunicação social que tem a capacidade de moldar e formar as opiniões, somado ao facto de a esmagadora maioria dos sócios nunca terem lido um R&C, não se informarem convenientemente, e não procurarem o contraditório. Para eles o “verdadeiro” Sporting está na manchete do Correio da Manhã, do Record ou da Bola.
Mas FSF tinha outras ideias perigosas que nunca passou para o papel por falta de tempo, mas vontade não lhe faltava, como por exemplo transformar o Sporting num clube “à inglesa”, ou seja, sem modalidades (no limite ficava o futsal integrado na SAD), com todas as receitas a serem canalizadas para o futebol). Aliás ele chegou a confessar que era do Sporting pelo futebol e nunca tinha visto um jogo das modalidades.
Por fim foi nesta presidência que a banca (leia-se BES/José Maria Ricciardi) entrou definitivamente no Sporting e passou, na sombra, a mandar no clube.
Reflitam no seguinte, entre 11 de Abril de 1996 e 26 de Março de 2011, ou seja, em 15 anos, Sporting conheceu quatro Presidentes. Três chegaram ao poder por cooptação. E neste período só por duas vezes existiram actos eleitorais com mais que um candidato, com o especial requinte desses candidatos terem ido a jogo para perder porque não tinham a mínima condição de serem eleitos.
Se no caso de Abrantes Mendes, falamos um juiz-desembargador que tem um passado no clube, foi PMAG na Presidência de Jorge Gonçalves, e é filho de um ex-jogador, treinador e dirigente do Sporting, o outro candidato foi o sinistro Paulo Pereira Cristóvão que levou uma sova de JEB nas eleições de Junho 2009, e não me merece nenhuma consideração, a não ser dizer isto, foi outro que depois de perder viu a “luz” e anos mais tarde, para desgraça e vergonha de todos nós, foi vice-presidente de Godinho Lopes.
A pergunta que se segue só pode ser esta, num universo de três milhões de adeptos, e naquele período quase 60 mil sócios, não existiam pessoas com outro calibre, carisma e capacidade para serem oposição séria e determinada às pessoas que lideravam os destinos do clube?
A resposta é fácil, existiam, como a história se vai encarregar de mostrar, mas era preciso ser destímido e ter um projecto para o clube que passasse, entre outras coisas, separar o clube da banca, acabando com a dependência quase doentia e castradora que até então existia.
Salto para a actualidade. Hoje o Sporting tem Frederico Varandas como presidente, Bruno de Carvalho foi expulso do clube e as principais figuras do Conselho Directivo que ele liderou estão suspensas de sócio e por isso inibidas de serem candidatas a qualquer coisa no clube nos próximos cinco anos.
Olho para tudo o que se passou e pergunto-me se não foi permitido a Bruno de Carvalho ganhar as eleições (à segunda) para servir de exemplo, isto é, mostrar a quem possa ter a ambição de sair fora do trilho que começou a ganhar forma em 1996, que não tem futuro e pode pelo caminho ter a vida destruída, por isso o melhor é mesmo nem sequer tentar.
Bruno de Carvalho foi o único e verdadeiro contratempo que surgiu no caminho dos iluminados. Aguentou-se mais tempo que o esperado. No dia em que foi eleito, 27 Março 2013, houve quem dissesse que passados seis meses estávamos em eleições outra vez. Enganaram-se. Aguentou cinco anos. Nesses anos provou que era possível ter uma relação de igual para igual com a banca. Acabou com o mito da impossibilidade da SAD ser rentável, reparem que esta Sociedade foi criada em 1998 e só teve contas positivas num ano com FSF, e em TODO o mandato de BdC. Fez o Pavilhão, criou a SportingTV e voltou a dotar a equipa de futebol de capacidade para lutar por títulos. Além disso recuperou o ecletismo perdido desde João Rocha e extinguiu esse antro de vaidade e nepotismo que era o Conselho Leonino.
Foi de tal forma um empecilho na máquina que manda no Sporting que o melhor que se arranjou para o contrariar foi o inepto Pedro Madeira Rodrigues, entretanto desaparecido e remetido à sua insignificância.
Sucedeu o seguinte, não foi possível domar Bruno de Carvalho e por isso muitas relações dentro do clube, com outras entidades e agentes ficaram comprometidas. Todo um circuito que estava montado e serviu para muita gente entrar no Sporting de Opel Corsa e sair de Mercedes foi colocado em causa. Quando se passou para a fase do aniquilamento e valeu tudo.
O caracter de Bruno de Carvalho foi destruído na imprensa com o grupo Cofina (CM, CMTV e Record) a serem os ponta de lança.
Estou certo de que a história não falhará, e vai trazer a publico tudo o que se passou desde o dia 5 de Maio 2018, empate em casa com o benfica (0-0), à derrota na Madeira e subsequente perda do acesso à CL pela diferença de três pontos para o nosso rival. O processo Cashball cozinhado na redação do Correio da Manhã, o ataque a Alcochete na semana anterior à final da Taça de Portugal que perdemos para o Aves (!!), reação da classe política portuguesa à presença de BdC na tribuna do Jamor, demissão de Frederico Varandas que logo de seguida se anunciou candidato em eleições que eram, até então, inexistente, rescisões dos principais jogadores da equipa de futebol e papel de Jaime Marta Soares nos dois meses seguintes.
Não exonero Bruno de Carvalho de vários erros cometidos entre Fevereiro de a sua saída, mas não me custa reconhecer que poucas pessoas neste país foram aniquiladas socialmente como ele foi e que esse processo possa ter sido, em parte, responsável pelo descontrolo que foi visível nele. O Bruno de Carvalho que ganhou as eleições em 2013, teria sabido lidar com tamanha sucessão de acontecimentos com outra sagacidade e perícia, sucede que o Bruno de Carvalho em 2018 estava destruído e acabou atraiçoado por gente que meses antes, o abraçava e chamava de “meu presidente”.
Para que isso acontecesse alguém teve de fazer o seu trabalho, por isso termino recordando o que disse Tânia Laranjo, jornalista do CM, e autora da fascinante peça de ficção chamada “Cashball”, nas redes sociais quando soube o resultado da última AG. “Fechou-se um ciclo. O Sporting é dos sócios e eles decidiram. No futebol e na vida não há espaço para Brunos de Carvalho.”
Tem razão num ponto. O Sporting sempre foi o que os sócios quiseram que fosse. Os mesmo sócios que elegeram Bruno de Carvalho em 2013, e deram-lhe uma vitória retumbante anos mais tarde, expulsaram-no do clube. Infelizmente esses mesmo sócios na sua maioria são ávidos leitores de jornalistas como a Tânia Laranjo.
A história ditará quem esteve em todo este processo do lado certo da barricada, e o que será o Sporting daqui para a frente.