Talvez não seja este o tópico indicado, mas decidi colocalo aqui para que tivesse mais notoriedade esta entrevista a uma das figuras do Sporting que mais admiro, e com a qual concordo apesar de dúvidar muito que no futuro o Sporting venha a comprir os seus desejos
VICE-PRESIDENTE EM ENTREVISTA
Moniz Pereira: «Gostava que o Sporting continuasse ecléctico»
Prestes a completar 85 anos (a 11 de Fevereiro), o vice presidente para as modalidades e sócio n.º2 do Sporting assume a herança do mestre José Salazar Carreira e faz a defesa criteriosa do eclectismo. Por um clube diferente
RECORD – Porque se tornou sportinguista?
MONIZ PEREIRA – A principal razão é que no dia 23 de Janeiro de 1922 eu já era sócio do Sporting, portanto antes de o Gago Coutinho e o Sacadura Cabral terem atravessado o Atlântico de avião! Tinha 11 meses e foi o meu pai, Carlos Moniz Pereira, que me fez sócio. Ele era um homem do desporto, aliás foi o primeiro a fazer a Volta a Portugal em automóvel, em 1925. Tornei-me sócio umas horas antes do meu irmão, que é mais novo do que eu um ano, um mês e um dia; O sócio n.º1 é uns 4 meses mais velho do que eu. Mais tarde, entrei para a ginástica do clube, com o meu irmão. Mas onde comecei a praticar desporto foi no Liceu Camões e aí já com uma grande influência do Dr. José Salazar Carreira, que comandava as modalidades amadoras do Sporting. Ele incutiu-me o vício e, com 10 anos, passei a ir com ele ao Sporting ver os treinos. Sem ele nada disto teria acontecido. A primeira modalidade que pratiquei no Sporting, oficialmente, foi ténis de mesa. Depois, então, veio o atletismo. Quando estava a frequentar o estágio do meu curso, no INEF (Instituto Nacional de Educação Física), o Sporting convidou-me para ser treinador. Eu já era atleta da equipa. Disse que antes de acabar o curso não podia aceitar, mas que teria todo o gosto no ano seguinte. E, assim, entrei como técnico em Outubro de 1945.
RECORD – Qual foi o primeiro acontecimento desportivo a que assistiu em que o Sporting tenha estado presente?
MONIZ PEREIRA – Lembro-me melhor das coisas de há 40 ou 50 anos do que da semana passada. Recordo-me perfeitamente do recorde de Portugal de salto em comprimento, em 1931, tinha eu 10 anos, no “Stadium” do Lumiar. O José Carvalhosa bateu o recorde, com 6.80 m. Ele era atleta do Sporting, mais tarde foi olímpico em hipismo e vice-presidente do Sporting para as modalidades amadoras. Foi o primeiro recorde de Portugal a que assisti.
RECORD – Qual é a sua melhor recordação ligada ao clube?
MONIZ PEREIRA – O Carlos Lopes a ganhar a maratona olímpica, que ainda hoje é recorde (2.09,21h). Em Los Angeles, a 30º de temperatura, um calor doido e à pior hora para correr, ele ganhou nitidamente. Chorei como uma madalena. A contar isto às vezes comovo-me e se vejo a fotografia da pista choro. No ano seguinte aos Jogos Olímpicos, já com 37 para 38 anos, o Lopes bateu o recorde do Mundo! Foi o corredor mais completo que eu conheço, de todos. E não venham cá com pistas! Não estou a fazer favor nenhum! Pista, crosse e estrada, nenhum é melhor do que o Lopes. Do mesmo modo, a Rosa Mota foi a melhor maratonista de todos os tempos. Nunca pensei na minha vida ser treinador de atletas que conquistaram medalhas olímpicas e bateram recordes mundiais e europeus. Nunca me passou pela cabeça. Quando repenso tudo o que aconteceu, fico até admirado como o consegui. Como foi? Dando o exemplo. Trabalho, trabalho, trabalho! Porque, hoje em dia, as dificuldades são muitas. Nós continuamos sem ter uma pista coberta e ganhámos medalhas em pista coberta. Não entra na cabeça de ninguém! E depois de termos ganho tantos campeonatos, o Sporting faz um estádio sem pista de atletismo. É inacreditável que um clube com uma história destas no atletismo português faça um campo de futebol sem pista de atletismo.
RECORD – E a pior recordação?
MONIZ PEREIRA – Também houve coisas más, algumas desistências que me aborreceram bastante, alguns atletas que foram ingratos para aquilo que lhes foi proporcionado, tudo isto magoa. Do ponto de vista desportivo, o máximo dos máximos foi a desistência do Fernando Mamede nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, antes de o Lopes ganhar a maratona. O Mamede tinha batido o recorde do Mundo um mês antes e, portanto, era de longe o favorito e o melhor. Se não fosse e perdesse, mas ele era o melhor. E não conseguia correr… É das coisas mais esquisitas que me aconteceram, aliás não foi só nesse dia mas essa é a máxima. Ele esteve 2 anos e meio sem perder uma prova no estrangeiro, nunca perdeu nos ‘meetings’ principais, mas quando chegava ao Campeonato do Mundo, da Europa ou aos Jogos Olímpicos não era capaz. É uma pena porque nunca vi uma máquina humana como o Mamede.
RECORD – Quem é a principal figura da história do Sporting?
MONIZ PEREIRA – Figura desportiva, pela categoria atlética, é sem dúvida o Carlos Lopes. Agora, para mim, tenho de dizer que a grande figura do Sporting é o Dr. José Salazar Carreira. Ele era médico. Foi presidente do Sporting, da Federação Portuguesa de Atletismo e da Federação Portuguesa de Futebol; vice-presidente da Federação Internacional de Voleibol; treinador de atletismo, de voleibol e de remo; membro honorário da Comissão Ténica da Federação Internacional de Atletismo, de Remo e de Andebol; e membro do Comité Olímpico de Portugal, de 1920 a 1924. Escreveu vários livros, publicou trabalhos em muitos jornais e ainda foi recordista de Portugal em 400 metros barreiras, 4x100 e 4x400, além de jogador e campeão de râguebi. Julgo que não há nenhum dirigente português que possa ter um currículo igual. Se não fosse ele, eu não era hoje aquilo que sou. Na minha opinião, está por fazer uma justa homenagem a esse senhor. Era um homem com uma cultura desportiva ímpar.
RECORD – Que Sporting gostaria de ver nos próximos anos?
MONIZ PEREIRA – O Sporting tem uma grande vantagem em relação a outros clubes, que é ter mais de 12 mil associados com mais de 25 anos de filiação. Isso é a base, ao contrário do que muita gente pensa. Ao longo de todos estes anos nunca abandonaram o clube, ganhando ou não o campeonato. São do Sporting. Porquê? Porque são do Sporting. É evidente que o desporto nacional está futebolizado e eu gosto muito de futebol. Vejo todos os jogos em Alvalade e se não o faço mais vezes é porque no mesmo dia há atletismo, natação ou andebol. E eu sou vice-presidente para as modalidades. Não sou vice-presidente para ir ver o futebol e ser dirigente do Sporting para ir ao futebol ao domingo é muito pouco. O que gostaria é que no futuro tivéssemos as obrigações de cada um bem definidas e cumpridas, porque se o Sporting fosse só futebol era um clube diferente. Gostava que o Sporting continuasse a ser um clube ecléctico como sempre foi. Não pode ter 20 modalidades, é impossível, mas com um critério justo e segundo a tradição e a história destes 100 anos deveria ter meia dúzia de modalidades a sério, de alta competição, com recintos próprios para treinar, com uma pista de atletismo, com uma piscina de 50 metros, com um pavilhão desportivo, com condições mas sem exageros. Quem estiver a dirigir o clube é que deve decidir quais as modalidades. Eu não, porque não estou de regresso, estou de partida.
RECORD – O Sporting tem estruturas e capacidade financeira para enfrentar os desafios do século XXI?
MONIZ PEREIRA – Só sei de desporto e não me candidato a ser presidente do Sporting. Se fosse presidente do Sporting poderia ter umas opiniões, assim não quero opinar sobre esse assunto porque não sou expert. Não sou director financeiro, mas director desportivo. O que digo é que o Sporting tem aqueles 12.000 sócios com mais de 25 anos que são a base, ao contrário do que as pessoas possam julgar. A base são aqueles sportinguistas a sério, que são sócios há mais de 25 anos. É por aqui que tem de se seguir e, ao dizer isto, não estou a excluir a juventude, nada disso. Esses são os mais experientes. Têm de ser a base da equipa.
RECORD – O lema do Visconde de Alvalade, que o clube seja tão grande como os maiores da Europa, pode concretizar-se no século XXI?
MONIZ PEREIRA – O Sporting já é um dos melhores clubes da Europa, mas porque tem várias modalidades. Se fosse só o futebol era um clube diferente. O Sporting chegou a ser conhecido como clube de atletismo. A diferença é o facto de ter ganho provas internacionais não só no atletismo, mas também no hóquei em patins, no ciclismo ou no tiro, onde teve medalhas olímpicas. O Barcelona também tem várias secções vitoriosas na Europa, mas em atletismo o Sporting ganhou sempre ao Barcelona. Portanto, o Sporting já é um dos melhores do Mundo.
Autor: VÍTOR ALMEIDA GONÇALVES
Data: Terca-Feira, 13 de Dezembro de 2005 02:04:00
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