PERFIL
Tomás Alberto Cardozo Aires é engenheiro civil, especializado em urbanismo. Nasceu em Lisboa no dia 31 de Julho de 1947 (65 anos) e é sócio do Sporting desde 1966 (n.º 3121). Entrou para os corpos sociais dos leões em 1989, como vice-presidente com o pelouro do Património. Saiu em 1995, quando José Roquette chegou ao poder em Alvalade. Quando deixou o clube, o património do Sporting valia cerca de 16 milhões de contos (80 milhões de euros). Crítico do projecto de Roquette, foi dos poucos notáveis que se atreveram a prever o descalabro financeiro, patrimonial e desportivo da instituição fundada pelo visconde de Alvalade em 1906.
Retirado da Cortina Verde
Entrevista hoje ao Correio da Manhã:
Tomás Aires, antigo vice-presidente dos leões, está contra eleições antecipadas, mas reconhece que o projecto de Godinho Lopes falhou. Não descarta apresentar uma candidatura em 2014 e lamenta que no clube se fale mais em activos, passivos e juros do que em jogadores, vitórias e títulosCorreio Sport - Com a actual situação desportiva e financeira do Sporting, teme pelo futuro do clube?
Tomás Aires – Desde 1995 [entrada de José Roquette em Alvalade] que o Sporting tem um regime ‘monárquico’, com nomeações, indigitações, cooptações para posteriores ratificações, que tem vindo a agravar a situação financeira do clube. Na minha opinião, isso resulta de total ausência de um projecto desportivo. Os diversos responsáveis têm feito ao longo dos anos muitos elogios à formação, mas na realidade o seu aproveitamento está muito próximo do zero. O Sporting, que era um clube uno e, pensava eu, indivisível, não acabará, poderá no entanto ficar amputado de tudo o que tinha e agora já não tem.
Quem são os culpados?
Aquilo que o famigerado “Project Finance” criou para que o clube fosse sustentável mesmo que a bola batesse na trave é que pode eventualmente acabar. Foi essa gestão, com um nome tão bonito, elogiada e aconselhada até à exaustão por conhecidos cronistas, que conduziu à situação actual, tão delicada, que torna muito difícil gerir o clube, mesmo que a bola entre. No entanto, se algo de grave vier a acontecer, espero que os autores e respectivos executores peçam desculpa aos sócios e assumam as suas responsabilidades. Então as SAD não foram criadas para que houvesse mais competência e transparência na gestão e que se tornasse possível responsabilizar os seus administradores pela sua gestão? Não é por isso que alguns são ou foram principescamente remunerados?
A SAD teve 45,9 milhões de euros de prejuízo em 2011/2012 e mais 7,7 milhões no primeiro trimestre de 2012/2013. Como encara estes resultados?
Com preocupação, tendo em conta que no último acto eleitoral o candidato Godinho Lopes prometeu aos sócios que iria alterar os métodos de gestão, para que permitissem inverter a situação, já nessa altura muito preocupante, e até agora, pelo que tem sido tornado público, o problema foi substancialmente agravado.
A auditoria feita por iniciativa de Godinho Lopes foi esclarecedora?
Não. Importante teria sido realizar uma auditoria de gestão que permitisse identificar quando e por quem foram praticados os actos que conduziram o clube a esta situação, pois em 1995 o Sporting, não tenho dúvidas, era em Portugal o clube que se encontrava em melhor situação financeira e patrimonial.
A solução financeira do Sporting passa por um ou mais investidores?
O clube sempre teve investidores (os bancos e outras entidades – que são a ‘troika’ do Sporting ), o problema é que os financiamentos concedidos pela Banca e as receitas de vendas antecipadas foram mal aplicados, não houve retorno, o que conduziu o clube à situação actual.
Defende a aprovação da alienação da maioria do capital da SAD caso esses investidores assim o exijam?
-É por causa dessas engenharias contabilísticas do clube para a SAD e da SAD para o clube que o Sporting se transformou na barafunda actual. Os resultados dessas operações, infelizmente, só agora estão à vista. O que me está a perguntar é se existem investidores para comprar dívida?.. pelos vistos até agora não apareceram. Há muitos anos que no Sporting em vez de se falar de jogadores, vitórias e títulos, se fala em activos, passivos, juros, etc… agora são os fundos e os potenciais investidores (quantos jogadores neste momento são do Sporting ou da tal SAD?). Gosto mais do modelo do Barcelona. Uma aposta clara na formação. O que tem acontecido no Sporting é formar jogadores, vendendo os bons para pagar aos maus que a seguir têm ido contratar, e isso tem prejudicado muito o clube. Os sócios e adeptos do Sporting sabem do que estou a falar, não preciso de dar exemplos.
Quem são os responsáveis pelos maus resultados da equipa de futebol?
Os sócios não são! Mesmo em momentos particularmente decepcionantes em termos desportivos, nunca deixaram de apoiar a equipa, mas, como se vem verificando ultimamente, a paciência tem limites… e a verdade é que os sócios estão cansados de ver o Sporting perder.
Em Janeiro de 2011, disse ao ‘CM’ que era necessário investir mais e melhor na equipa de futebol. Isso sucedeu?
É evidente que os resultados até agora obtidos nos levam a concluir que os investimentos (40 milhões de euros?) não terão sido os mais acertados.
Que balanço faz do mandato de Godinho Lopes?
Se desportivamente tem sido o que todos os sportinguistas sabem e se não conseguiu melhorar a situação financeira do clube, o que é que lhe posso responder? Aquilo que a maioria dos sportinguistas lhe responderia, ou seja, que o mandato até agora não se pode considerar positivo.
As saídas de Domingos Paciência, Paulo Pereira Cristóvão, Sá Pinto, Luís Duque e Carlos Freitas retiram credibilidade ao projecto de Godinho Lopes?
Quando se candidatou, Godinho Lopes escolheu quem o deveria acompanhar. Uns por um motivo, outros por outro, foram sendo substituídos, pelo que a equipa directiva actual já nada tem a ver com a que iniciou o mandato. Estamos numa nova fase e temos de acreditar que se abriu um novo ciclo, que vai permitir a recuperação do tempo (e do dinheiro) perdido.
Há falta de liderança?
As saídas dos elementos que citou reflectem mais um clima de desorientação do que a alteração de qualquer projecto que eventualmente existisse, que, confesso, nunca conheci. Ainda hoje é um mistério a saída de Domingos.
Em caso de derrota com o Benfica, Godinho Lopes deve demitir-se?
Era o que faltava que a direcção de um clube com a dimensão do Sporting se demitisse por causa do resultado de um jogo de futebol!
Acha que há necessidade de eleições antecipadas?
Não. Houve recentemente uma remodelação directiva e, na minha opinião, os responsáveis pelo clube neste momento devem ter tempo e tranquilidade para implementarem medidas, que, tanto quanto percebi, se destinam essencialmente ao fortalecimento da parte desportiva do clube, designadamente a equipa principal de futebol.
Disse que se houver eleições em 2014 não descarta candidatar-se. Mantém essa opinião?
Aproveito para esclarecer que o que eu respondi aos jornalistas que me questionaram a propósito de uma eventual candidatura foi que não estava marcado nenhum acto eleitoral, que o Sporting precisa de paz e sossego e que considerava que Godinho Lopes deveria terminar o mandato, que acaba em 2014. Quando me foi perguntado se nessa ocasião encararia a hipótese de me candidatar, respondi: ‘Nessa altura, logo se vê’. É essa a posição que mantenho .
E se as eleições forem já em 2013?
Não me parece que seja benéfico para o clube que se venha a verificar essa situação, mas, se isso vier a acontecer, analisarei com mais detalhe a situação do clube, falarei com algumas pessoas que me têm incentivado a assumir a candidatura e depois tomarei a decisão que a minha consciência ditar. O Sporting foi e é demasiado importante na minha vida para eu recusar liminarmente esse honroso desafio.
In Correio Sport