O impacto financeiro das rescisões nas contas do Sporting
JOÃO PEDRO CORDEIRO
Reunimos as questões principais que têm sido levantadas nas últimas horas e tentamos dar-lhes resposta.
Junho chegou negro para os lados de Alvalade. Depois de Rui Patrício e de Daniel Podence no dia um deste mês terem apresentado as cartas de rescisão, alegando justa causa para a desvinculação do Sporting, foi a vez de, dez dias depois, cair a bomba em Alvalade com os pedidos de rescisão de Bruno Fernandes, Bas Dost, Gelson Martins e William Carvalho. Segundo a imprensa nacional e internacional, os pedidos de rescisão não deverão ficar por aqui, com Acuña, Battaglia, Mathieu e Coates na linha da frente para novas rescisões no Sporting.
Assim, importa entender qual o verdadeiro impacto de todas estas rescisões nas contas do Sporting, sendo alguns destes indicadores factuais, mas também propensos a alguma subjetividade noutros casos. O Bancada compilou as perguntas mais frequentes que tem encontrado pela Internet e tenta explicar, ponto por ponto, qual o impacto financeiro das rescisões em massa no Sporting.
Qual foi o impacto imediato das rescisões nas contas do Sporting?
A questão mais imediata surgida após as rescisões apresentadas ontem por quatro jogadores do Sporting foi mesmo a queda abrupta do valor de transação das ações da SAD do Sporting.
Porque é que se diz que o Sporting teve um prejuízo de 115 milhões de Euros?
O valor refere-se ao montante estimado que o Sporting poderia receber em caso de venda dos seis jogadores que entretanto rescindiram e saíram sem contrapartida para o emblema de Alvalade. Valor que ainda pode subir em caso de rescisão de mais jogadores. Um valor, naturalmente, subjetivo e que está sujeito a diferentes avaliações consoante diferentes avaliadores. Como se costuma dizer, afinal, um jogador vale aquilo que pagarem por ele.
Os 115 milhões de Euros referem-se à avaliação de mercado feita pelos jogadores que já rescindiram pelo Transfermarkt, portal referência no que toca a avaliação de passes de jogadores. Nesse portal, Rui Patrício está avaliado em 16 milhões de Euros, William Carvalho em 25 milhões, Bruno Fernandes em 20 milhões, Gelson Martins em 30 milhões, Podence em 4,5 milhões e Bas Dost em 19 milhões de Euros.
Caso Acuña, Battaglia e Mathieu avancem também para a rescisão dos seus contratos, então o valor pode atingir um montante total de 137,5 milhões de Euros. Battaglia está avaliado em 6,5 milhões de Euros, Acuña em 14 milhões e Mathieu em 2,5 milhões de Euros. Já Coates está avaliado em 9 milhões de Euros.
O Sporting pode entrar em falência técnica e ficar insolvente?
A resposta foi dada pelo próprio Bruno de Carvalho, ontem, em conferência de imprensa. “Não está a ser benéfico para as contas do Sporting. Por muito resistentes que sejamos, temos de dar as duas alternativas possíveis aos associados e aos ativos que passaram a querer gerir o clube. Uma será pela AG e não será por dez dias que o Sporting sofrerá mais. Outra será pelas cartas. Voltarmos as costas ao Sporting neste momento resolvia o quê? Vender um jogador por dez milhões resolvia algo no momento. Mas isso seria como antigamente, em que se vendia jogadores para pagar ordenados. É isso que querem? Voltar a esse momento?”. Ou seja, o próprio presidente do Sporting não rejeita o cenário mais negro possível.
Isto, numa altura em que o Sporting fica, efetivamente, em falência técnica após as saídas dos seis jogadores. Isto acontece quando o capital próprio de um clube é negativo, ou seja, quando o valor do passivo é superior ao do ativo. Nas últimas contas enviadas pelo Sporting à CMVM, o clube de Alvalade registava a existência de um capital próprio positivo em 7,496 milhões de Euros. No caso dos jogadores formados no clube o peso dos mesmos nas contas é residual, porém, no caso dos atletas adquiridos, é o valor da transação que entra nos ativos, o que significa que a perda de Bas Dost e de Bruno Fernandes obriga a uma diminuição dos ativos no valor de 21,54 milhões de Euros, atirando o valor atribuído aos capitais próprios para os 14,044 milhões de Euros negativos.
Porém, aqui, entra a subjetividade, já que os ativos sportinguistas formados no clube não têm o seu real valor refletido na tabela dos ativos. O que significa que o valor referente aos ativos, na teoria, deverá ser sempre superior pois em caso de venda um jogador da formação valerá, também na teoria, mais do que aquilo que está registado contabilisticamente.
Importa referir que apesar de nunca ser positivo ter o valor de capitais próprios negativo, a verdade, é que ao longo dos últimos anos foram raros os exercicios contabilisticos apresentados pelo Sporting em que tal situação não ocorreu. Ou seja, não é exclusivo das rescisões e da administração Bruno de Carvalho que o Sporting entre em falência técnica. Na verdade, entre 2001 e 2014, o Sporting apresentou sempre valores de Capitais Próprios negativos.
Caso seja confirmada a justa causa, qual o rombo financeiro sofrido pelo Sporting?
A compensação mínima que terá de ser paga pelo Sporting em caso de ser comprovada a justa causa para a rescisão dos jogadores será de 36,72 milhões de Euros, montante relativo ao total de salários devido aos jogadores até final dos seus contratos. 4,8 milhões para William (que aufere um salário bruto de 2,4 milhões de euros e tinha contrato até 2020), 8 milhões para Bruno Fernandes (2 milhões de euros/ano até 2022), 5,6 milhões de euros para Gelson Martins (1,4 milhões de euros ano até 2022), 8 milhões de euros para Bas Dost (4 milhões de euros/ano até 2020), 9,6 milhões de euros para Rui Patrício (2,4 milhões de euros até 2022) e ainda 0,72 milhões de euros para Podence relativos a 240 mil euros/ano até 2021.
Diz-me valor de compensação mínimo, já que o Sporting pode ainda ser obrigado a indemnizar os jogadores por questões como danos psicológicos.
E caso a justa causa não seja confirmada, quanto pode receber o Sporting?
Esta é a questão mais complicada de responder, uma vez que o valor será altamente subjetivo e vários indicadores serão tidos em conta na avaliação dos mesmos. O que parece certo, segundo diversas avaliações feitas por especialistas na área, é que os valores que os jogadores terão de pagar ao Sporting pela rescisão não justificada dos seus contratos deverá ser inferior aquele que o Sporting conseguiria com uma transferência dos mesmos e, por consequência, bem mais baixo do que aquele estabelecido nas cláusulas de rescisão dos jogadores.
“A grande questão é definir os valores e essa questão é altamente imprevisível. Nos últimos dias ouvi falar, no exemplo de Rui Patrício, numa transferência entre os 15 e os 18 milhões de Euros, ora para o Nápoles, ora para o Wolves, e são valores que devem ser considerados nesta situação em concreto. Depois temos a cláusula de rescisão. Se se chegar a esse ponto, de calcular a indemnização, se for dada razão a Rui Patrício, por exemplo, tem de receber todos os valores até final do contrato. Isto, além de alguma indemnização que entenda pedir. No lado oposto, o Sporting tem de ser indemnizado. Mas com que valores? Se se trata de uma rescisão sem justa causa temos uma coisa chamada cláusula liberatória que é o valor fixado caso o jogador queira sair sem justa causa. Imagine-se: se a cláusula de rescisão é de 60 milhões, deve ser esse o valor levado para a mesa, mas, como sabemos, é altamente desproporcional, o que significa que esse valor será reduzido proporcionalmente de forma a que o Sporting seja ressarcido de um valor real caso não exista justa causa”, explicou João Diogo Manteigas, advogado, ao jornal A Bola.
Quem é que irá julgar a justa causa dos processos?
Em teoria, nos próprios contratos dos jogadores e clube estão desde logo definidos os tribunais que irão avaliar qualquer processo e que estão referenciados para dirimir qualquer conlito que exista entre ambas as partes. O Tribunal do Trabalho assiste sempre a qualquer uma das partes, sendo que o caso poderá também ser julgado pelo Tribunal Geral do Desporto, ou caso seja definido por ambas as partes, o conflito ser gerido por alguma comissão parital.
A FIFA só fará jurisprudência nos casos em situação dos mesmos assumirem contornos internacionais. Ou seja, caso ambas as partes tenham nacionalidades diferentes (como é o caso de Bas Dost e do Sporting), ou caso os jogadores entretanto se transfiram para clubes internacionais, conforme explicou ontem na TVI24, Gonçalo Almeida, advogado especialista em direito do desporto que trabalhou na FIFA durante cinco anos.
Mas os jogadores podem assinar desde já por outro clube na mesma?
Podem. E, sobre isso, nada como ler o artigo do Sérgio Cavaleiro acerca dessa questão.
Leões podem assinar por outros clubes, caso avancem para a rescisão
SÉRGIO CAVALEIRO
Lúcio Correia, professor de Direito do Desporto, diz que aos olhos da Lei os jogadores podem assinar novos contratos
A questão que mais preocupa a nação sportinguista, entre muitas outras, é a possibilidade de ver Bruno Fernandes, Gelson Martins ou Bas Dost a assinarem por outros clubes logo após a final da Taça de Portugal. O Bancada quis perceber quais as possibilidades disso acontecer e falou com Lúcio Correia, advogado e professor de Direito do Desporto que foi claro: os temores dos adeptos verdes e brancos podem tornar-se uma realidade: “Se qualquer jogador cessar contrato segunda-feira, o que a Lei diz é que cessando o contrato, imediatamente cessa o vínculo desportivo que está em vigor, ou seja, o vínculo do registo que está na Federação (FPF) e na Liga.”
No entanto, Lúcio Correia alerta para o facto de a Lei de Contrato de Trabalho Desportivo - revista em 2017 - não estar em sintonia com o que dizem os regulamentos da Liga e o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) dos jogadores profissionais de futebol: “O que dizem o regulamento de competições da Liga e o CCT dos jogadores profissionais de futebol é que após a cessação de um vínculo contratual, o jogador tem de obter uma decisão de reconhecimento de cessação do vínculo desportivo, e aí, aquilo que está de momento em vigor no CCT dos jogadores profissionais de futebol é uma decisão da Comissão Arbitral Paritária (CAP) de forma que possa obter uma desvinculação desportiva e imediatamente poder outorgar novo contrato com outro clube.”
Ou seja, aos olhos da Lei é possível que os jogadores assinem por outros clubes depois de rescindirem contratualmente com o atual clube. “Imagine-se que o jogador rescinde contrato na segunda-feira - e recordo que o jogador tem de comunicar à Liga, ao Sindicato e à Federação (FPF), e o que a Lei diz é que esse jogador pode, na terça-feira, assinar por qualquer outro clube, mas o que o CCT diz, e o que os regulamentos de competições da Liga dizem, é que o jogador não pode assinar por outro clube porque precisa da tal desvinculação desportiva, que será obtida por decisão da Comissão Arbitral Paritária, caso encontre fundamento para a justa causa”, explicou Lúcio Correia, ao Bancada.
A questão que se segue é a seguinte: o que acontece no caso de os jogadores verem ser-lhes negada a justa causa? Quem compensará, neste caso o Sporting, pelos prejuízos decorrentes dessas rescisões contratuais? Porque não é líquido que a razão esteja do lado dos atletas. Nesse caso terão de ressarcir o clube com o valor das cláusulas de rescisão? Lúcio Correia diz que não e lembrou que as cláusulas de que tanto falamos são liberatórias e não de rescisão.
“Eu não concordo com o nome que dão às cláusulas liberatórias. Há quem lhes chame cláusulas de rescisão, mas para mim são cláusulas liberatórias porque não é uma cláusula que pune o incumprimento e aquilo que está aqui a ser discutido é: se ao jogador não lhe for reconhecido justa causa quais serão os danos que decorrem dessa cessação.”
Ou seja, no caso de aos jogadores não lhes ser reconhecida justa causa, os cálculos terão de ser outros, ainda que Lúcio Correia salvaguarde qualquer tipo de cláusula nos contratos estabelecidos entre o Sporting e os jogadore que prevejam este tipo de situação: “O montante da cláusula, que os jornalistas continuam a chamar de rescisão, mas que eu ando há dez anos a dizer que são cláusulas liberatórias - mas pronto, é um termo que pegou e que parece que é para ficar -, é previsto para quando o jogador queira sair antes do termo do contrato e tem aquele valor previamente fixado.”
“Outra coisa é a penalização pelo incumprimento do contrato. As tais cláusulas liberatórias podem coexistir com cláusulas penais pelo incumprimento do contrato. Agora, nós não sabemos exatamente qual é o teor dos contratos em questão. Esse tipo de questões só as partes saberão: os jogadores e os clubes, mas o que interessa aqui ao caso é: as cláusulas de rescisão não foram feitas para este tipo de situação, com a salvaguarda de não saber o que foi assinado e o que está nos contratos.”
“Por outro lado, o que a Lei diz não é isso, ou seja, o que a Lei diz é: quem não cumpre o contrato - seja o clube, ou o jogador - paga no mínimo o valor das retribuições vincendas e, caso os danos sofridos - seja o clube, ou o jogador - sejam de valor superior, então poderá, caso faça prova de tal, solicitá-lo. Ou seja, isto não tem a ver com o valor das cláusulas, que muito vocês gostam de chamar, de rescisão”, enfatizou Lúcio Correia.
Bancada