Siniša Mihajlović, o combativo novo comandante leonino
Por Mestre da Tática
Dono de um pé esquerdo predestinado, Siniša Mihajlović foi um jogador jugoslavo que passou grande parte da sua carreira em Itália a esburacar redes e barreiras com os seus famosos livres diretos. Filho de pai sérvio e mãe croata, Mihajlović nasceu em Vukovar (atual Croácia) e deu-se a conhecer ao mundo do futebol com 17 anos no clube local. Por teimosia, optou por prosseguir a carreira em Novi Sad (no F.K. Vojvodina) e depois em Belgrado (no F.K. Crvena Zvezda), onde viria a conquistar, entre outros títulos, a Taça dos Campeões Europeus em Bari diante do Olympique de Marseille na sua época de estreia com apenas 22 anos.
A influência da guerra
Mas nem tudo são rosas. Foi nesse mesmo ano, entre as duas mãos da semi-final da competição europeia, que ocorreu o maior massacre da Guerra da Independência da Croácia, considerado como o pior crime de guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, na sua cidade natal – o massacre de Vukovar. Entre a destruição da casa de infância, as paredes pejadas de balas, e uma Vukovar em ruínas, Mihajlović conseguiu escapar à perseguição étnica e reunir a sua família segregada pela guerra graças às amizades que detinha com pessoas influentes, principalmente com o criminoso de guerra Željko Ražnatović (conhecido como Arkan), uma fama que sempre o acompanhou ao longo da vida e que marcou vários episódios da sua carreira, tal como os confrontos com Igor Štimac enquanto jogadores e, mais tarde, enquanto selecionadores da Sérvia e da Croácia, respetivamente.
A “escola” italiana
A competitividade evidenciada pelo servo-croata foi algo que pautou toda a sua educação. Dentro e fora do campo, Mihajlović queria ser o melhor. Mesmo não sendo o mais talentoso, eram a sua combatividade e determinação que o colocavam acima da média, fosse em literatura ou em desporto. Foi com esta ambição que o então extremo se transferiu para a A.S. Roma, onde, segundo o próprio, passou os dois piores anos da carreira. Em 1994, mudou de cidade e seguiu para a U.C. Sampdoria, onde encontrou o treinador que o acompanhou mais tempo na sua carreira (num total de 6 anos) e que mais tarde o levou de volta para Roma, mas, desta vez, para a S.S. Lazio: Sven-Göran Eriksson. Sob o comando do sueco, Mihajlović, que foi recuando no campo até se fixar como defesa central, viria a conquistar, várias taças e, acima de tudo, o Scudetto há muito desejado pelos adeptos biancocelesti. Nos seus 6 anos nas aquile conviveu com nomes que beberam dos ensinamentos de “Svennis” e que, anos mais tarde, viriam a dar cartas como treinadores ou dirigentes (ou, pelo menos, a tentar), e.g., Diego Simeone, Pavel Nedvěd, Alessandro Nesta, Dejan Stanković, Roberto Mancini, Simone Inzaghi, Sérgio Conceição, Matías Almeyda, Attilio Lombardo, e Roberto Sensini. Curiosamente, dos nomes apresentados, os que prosseguiram a carreira como treinadores têm características em comum que unem as suas ideias de jogo (como o rigor defensivo do 4-4-2, a pressão alta, e o espírito de equipa) e que vêm das épocas passadas juntos em Itália.
O espelho do temperamento na filosofia de jogo
Mihajlović é conhecido pela sua inflexibilidade. No entanto, a nível tático, a sua preferência não se restringe a um só esquema, principalmente quando os resultados não são os esperados. Excluindo os dois primeiros anos da sua carreira, enquanto treinador adjunto do antigo colega de equipa Roberto Mancini no F.C. Internazionale Milano, onde terminou a carreira como jogador, o esquentado treinador jugoslavo tem variado entre o 4-3-1-2, o 4-2-3-1, e o 4-3-3, optando ocasionalmente por um 4-4-2 ou até um 3-4-3. De uma maneira geral, as suas equipas jogam de acordo com a sua personalidade: rigoroso (linhas defensivamente compactas), agressivo (linha defensiva subida, com defesas centrais confortáveis com bola, e pressão alta de toda a equipa, incidindo especialmente nas faixas), à procura de equilíbrio (médios-ala/extremos com função tática de avançados interiores, para possibilitar a sobreposição com os defesas laterais, e médios centrais complementares, um mais agressivo e dominante, outro mais criativo e requintado, e, dependendo da formação em uso, um que permita o equilíbrio nas transições), e semi-preocupado com a estética (não se importa em ter menos posse de bola para exibir um futebol à base de transições com um tipo de passes variável, mas constrói desde trás e apresenta dinamismo). Com base nestas ideias, em termos de funções táticas muito primitivamente descritas, o temperamental servo-croata (redundância à parte) costuma optar por:
Guarda-redes líbero, está tudo dito;
Alas combativos, inteligentes a atacar, e que dão largura à equipa, mas que não desprezam os seus deveres defensivos;
Defesas centrais fortes fisicamente, com bom jogo aéreo e posicionamento, e confortáveis com a bola nos pés;
Médios defensivos resolutos, tenazes, e adeptos de passes curtos, que dêem apoio ao meio campo e cobertura à defesa;
Médios centrais com boa capacidade física e de passe, capazes de ligar setores, estilo box-to-box;
Médios ofensivos tecnicistas, criativos, e com visão de jogo (playmakers);
Médios-ala/Extremos aptos para jogar nos dois corredores, criativos, e com facilidade de remate;
Avançados móveis e completos que se desloquem para os flancos e estiquem a defesa adversária para criar espaço no centro do terreno, mas que possuam, cada um, um conjunto de características diferentes (e.g. um finalizador nato, um “descomplicador”, um trabalhador incansável, e um velocista).
Burro velho aprende línguas
Considerado por muitos como um treinador unidimensional e que só quebra jogadores em vez de os estimular, Mihajlović tem provado aos seus críticos o contrário. Para um treinador que fala incessantemente do lado mental do jogo e da necessidade de encontrar os gatilhos psicológicos certos para trabalhar cada jogador, não será surpreendente se nos próximos tempos acusar alguém de “não ter tomates”, apesar de admitir que as circunstâncias também têm o seu peso. Um exemplo disso é a subida de forma abismal do C. Catania S.p.A. em 2009/2010, aquando da sua entrada no decorrer da época, contrariamente à passagem pela A.C.F Fiorentina, que ainda “chorava” a saída de Cesare Prandelli. De qualquer forma, Mihajlović aprendeu com os seus erros e, antes e depois de assumir o cargo de selecionador sérvio, estagiou com algumas das maiores mentes do futebol atual (Pep Guardiola, José Mourinho, Arsène Wenger e Sir Alex Ferguson foram algumas delas) para se aperfeiçoar a nível tático, de treino, e, acima de tudo, comunicacional. Coincidência ou não, os resultados foram melhores a partir daí, o que teve impacto ao nível da duração da estadia nos clubes seguintes e nos feitos que conseguiu alcançar (duas qualificações para a UEFA Europa League e uma final da TIM Cup no período “pós”, por oposição, bem, a nada no período “pré”).
A aposta na formação
Com mais ou menos investimento da direção dos clubes por onde passou, Mihajlović nunca teve receio de depositar a sua confiança nos jovens talentos das respetivas academias. Por um lado, Gianluigi Donnarumma, Alessio Romagnoli, Shkodran Mustafi, Andrea Belotti, Manolo Gabbiadini, Adem Ljajić, M’Baye Niang, e Roberto Soriano, são alguns dos jogadores que foram aposta constante do treinador jugoslavo e estão agora noutro nível competitivo, existindo ainda inúmeros casos de atletas lançados pelo mesmo, como, por exemplo, Manuel Locatelli e os mais conhecidos Cristiano Piccini e Haris Seferović. Por outro lado, a experiência de Mihajlović como jogador é um fator motivante para quem treina sob as suas ordens, sendo sobejamente conhecidos os treinos de bolas paradas dados pelo próprio e as apostas de tiro ao alvo em comunhão com os seus atletas.
Como será no Sporting C.P.?
Em suma, para Mihajlović, o futebol é um desporto de equipa no qual todos atacam e todos defendem. Qual soldado a lutar pela sua pátria e pelas suas crenças, o espírito de equipa é a peça-chave da máquina do carismático treinador que não tem medo de dizer o que pensa nem o que sente. É sabido que trabalho árduo, treino, e organização são as palavras mais importantes no seu dicionário, e que é com a criatividade e o instinto dos seus atletas que quer chegar à vitória. No Sporting Clube de Portugal vai encontrar um clube a ferro e fogo, mas a este clima está Mihajlović, um jugoslavo sobrevivente da guerra que jogou e treinou na aguerrida Itália, bem habituado – transformar conjuntos de jogadores num todo é algo no qual o novo timoneiro verde e branco se sente como peixe na água. Em linha com o seu trabalho nos conjuntos supracitados e, mais recentemente, nos blucerchiati, no A.C. Milan, e no Torino F.C. S.p.A., os sportinguistas podem esperar uma equipa construída de trás para a frente, trabalhadora, organizada, e ameaçadora ofensivamente, e assente no ADN leonino. No entanto, não é de descartar que cheguem alguns reforços experientes vindos do mercado transalpino, já que Mihajlović gosta de trabalhar com atletas que conhece.
Cada qual olha para a vinda de Mihajlović para o Sporting C.P. de forma diferente: uns focam-se na faceta polémica e outros na faceta extra-relvado, mas poucos são capazes de se abstrair do lixo despejado constantemente pelos media e de se focar no que realmente interessa e, quanto a isso, parece que Bruno de Carvalho voltou a calar a censura com mais uma escolha a dedo tendo em conta o momento atual do clube. É esperar para ver e o Mestre da Tática estará cá para o fazer.