12-09-2007
Paulo Bento: “Desmistificámos o sentimento do «quase»”

O treinador principal do plantel profissional do Clube comenta todos os assuntos do futebol «leonino», em exclusivo para o jornal Sporting.
JORNAL SPORTING – A época passada terminou com um título, a nova temporada iniciou-se com outro. Dois troféus (Taça e Supertaça), num curto espaço de tempo, catapultam a equipa para a cultura e dinâmica de vitória que tem defendido para o Sporting?
PAULO BENTO – Em especial para os jogadores era determinante conseguir ganhar. O Clube teve de 1999 a 2002 várias conquistas nessas três temporadas (dois Campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e duas Supertaças), e depois houve realmente um interregno de vitórias. Houve um momento histórico para o Clube com a presença na final da Taça UEFA, mas havia a importância de voltar a conquistar alguma coisa.
O campeonato continua a ser sempre a prova mais importante e tivemos perto de o conquistar em 2005 e 2006, mas estes dois troféus foram importantes para toda a estrutura do Sporting. Fez com que o Clube regressasse aos títulos, fez com que jogadores que estavam no Clube há uma série de anos conseguissem saborear vitórias, e desmistificou, de certa forma, a questão do quase, acabando por convencer as pessoas que temos valor e podemos ganhar.
“Perdemos dois pontos em Aveiro de forma impensável”
– Num campeonato decidido por um ponto, sente que foram os perdidos em Alvalade que custaram o título ao Sporting?
– Se tivermos em consideração os pontos que perdemos em Alvalade (duas derrotas com Paços e Benfica e dois empates com o Aves e FC Porto), no meio desses resultados existem duas “anormalidades” que foram o golo do Paços de Ferreira e a má exibição frente ao Aves, em que a equipa perdeu alguma da sua identidade e realizou os piores quarenta e cinco minutos da temporada. Mas fora perdemos doze pontos, ou seja, mais do que nos jogos em casa, mesmo conseguindo recuperar os resultados menos bons frente a FC Porto e SL Benfica. Em Aveiro, perdemos dois pontos, num jogo em que foi impensável a forma como desperdiçámos duas situações de vantagem. Em Paços de Ferreira, numa altura em que estávamos num nível exibicional equivalente ao momento do jogo frente ao Estrela, tivemos muita qualidade de jogo mas fomos ineficazes e depois um erro acabou por ser fatal para a nossa equipa. Foram jogos marcantes e depois temos também um factor decisivo. Na segunda volta jogámos em três situações em inferioridade numérica, em que, na minha opinião, apenas uma foi merecida, já que tanto no Bessa, como em Leiria, tal não deveria ter acontecido.
“Golo do Paços foi o erro mais grosseiro do campeonato”
– Considera que na época passada existiram demasiados casos em jogos do Sporting?
– Foram casos, cada um à sua medida. O jogo de Paços de Ferreira teve o erro mais grosseiro do campeonato. O jogo do Bessa teve uma situação que aconteceu muito poucas vezes noutros campos da Liga portuguesa. Ao intervalo lembro-me dizer no balneário que há mínima situação que existisse, o Sporting seria penalizado. Até já enumerei jogos em que a mesma pessoa teve critérios diferentes para equipas diferentes. Em relação ao jogo de Leiria, não devia ter acontecido aquilo, no máximo deveríamos ter ficado 10 contra 10 e tudo seria diferente, mas não nos devemos esquecer dos erros que cometemos.
“Aproxima-se o primeiro momento decisivo”
Paulo Bento analisa o arranque da época 07/08, bem como antevê o ciclo de jogos que se avizinha, com partidas do campeonato, Liga dos Campeões e Taça da Liga.
– A derrota no Porto, 26 jogos depois, abalou a confiança da equipa?
– Nunca gostamos de perder, e não perdíamos há muito tempo, mantendo essa série de jogos sem derrotas e mantendo também a invencibilidade fora de casa. Existiu insatisfação pela derrota, como é óbvio, mas aquilo que fizemos no jogo e a forma como perdemos, tendo em conta o Estádio e o adversário com que estávamos a jogar, não é motivo para colocar tudo em causa, nem para que se deixe de ter confiança naquilo que temos de fazer. Fizemos um resultado justo e demos uma boa resposta na exibição frente ao Belenenses.
Temos margem para progredir e ainda temos no plantel vários jogadores que chegaram e necessitam logicamente do seu tempo para se integrar no grupo.
– O Sporting vai ter um ciclo de quatro jogos em Lisboa (Amadora, Setúbal, Luz pelo meio e recepção ao Guimarães), com encontros europeus pelo meio. Será determinante não perder pontos?
– O ciclo que aí vem é difícil. À parte desses quatro jogos, temos entre Estrela e Setúbal, o jogo com o Manchester, entre Setúbal e Benfica, o da Taça da Liga, entre Benfica e Guimarães, o de Kiev, por isso faremos a abordagem jogo a jogo. Tendo apenas o treinador a preocupação, de pensar em mais de um jogo de cada vez. O Sporting joga em qualquer campo para ganhar.
“Sporting lutou sempre pelo título”
– Vingança é uma palavra muito forte para qualificar a vitória na Supertaça, tendo em conta que o Sporting perdeu o campeonato por um ponto para o FC Porto?
– Na vida não deve existir esse sentimento. O Sporting o que fez nas temporadas de 2005/06 e 2006/07 foi lutar pela conquista do objectivo principal que é o campeonato. Logicamente que em condições diferentes, porque na primeira entrei para treinador principal com a época a decorrer e na última preparei a época de início, mas o Sporting tentou e conseguiu nas duas temporadas lutar por esse objectivo. O Sporting nunca foi uma equipa que estivesse afastada do título. Em 2006/07 não deixámos de perseguir o título e acabámos por não o conseguir por factores que já enumerei e também logicamente pelo mérito da equipa que foi campeã nacional. O jogo da Supertaça foi encarado como um troféu que queríamos vencer e, felizmente, conseguimo-lo.
“«Apito Dourado» não cairá em «saco roto»”
– Como treinador de um clube grande, como vê os desenvolvimentos do processo Apito Dourado?
– Acho que é um assunto que deve ter interesse de todas as partes em ser resolvido. Espero que a resolução desse caso seja boa para o futebol e também para o país, em termos de credibilidade e da justiça. Acredito que se vai resolver e que não vai cair em saco roto
“Árbitros não podem ter mais direitos do que os jogadores”
– É um defensor da introdução das novas tecnologias no futebol, como o chip na bola e o recurso às imagens televisivas na análise dos lances?
– Estou de acordo com qualquer utensílio que possa trazer benefícios para ajudar a desfazer a dúvida de quem está a dirigir em situações que possam influenciar no resultado. Agora, em termos de recurso às imagens para penalizar, mas que depois não servem para despenalizar, não estou de acordo. Porque os árbitros não podem ter mais direitos do que os jogadores Têm de ter os mesmos.
“Sporting fez o que pretendia no defeso”
As entradas e saídas no último Verão deixaram o plantel diferente, com o treinador satisfeito com todo o processo de formação do grupo 07/08.
– Terminado o período de inscrições, como classifica a prestação do Sporting neste defeso?
– O Sporting fez aquilo que pretendia. Saíram dez jogadores e entraram 11. O Sporting foi contratar os jogadores que entendeu que eram os que melhor serviam a sua forma de jogar. Escolhemos os jogadores com determinadas características para fazer face às posições que necessitávamos e conseguimos ter tempo suficiente para enquadrar os jogadores no arranque da pré-temporada. Tomara que pudéssemos formar sempre o plantel com as condições e timings que as pessoas me deram em 2006/07 e 2007/08.
– Fechou o plantel com 25 elementos, com a inclusão de Adrien e o ingresso de Celsinho. O que podem acrescentar à equipa e se este é o grupo de trabalho que tinha idealizado?
– Como já referi, havia a ideia dos 23 jogadores mas foi reformulada por aquilo que o Adrien fez na pré-temporada. Agora, o facto de ele estar no plantel principal, não significa que o Adrien não seja utilizado pelos juniores. Quando entendermos que o jogador não irá ser utilizado, jogará pelos juniores até para que não perca ritmo competitivo. Contamos com o Adrien, mas isso não impede que ele tenha o trajecto normal até se afirmar como jogador profissional. Em relação ao Celsinho, numa situação que teve a ver com a oportunidade em função do seu potencial e talento, o jogador partiu com algum atraso na preparação, mas ao longo da época ser-nos-á útil. É um jogador jovem, com um potencial enorme, e necessita logicamente de algum período de adaptação e de alguma paciência para que possa render aquilo que esperamos e possa fazer face à competitividade existente no plantel do Sporting.
“Muito satisfeito com rendimento do Ronny”
– Chegaram reforços para as laterais, mas as lesões de Pedro Silva e Had deram a titularidade a Abel e Ronny. O rendimento positivo do brasileiro, após ter substituído o compatriota no Dragão, “resfriou” a ideia de recorrer ao mercado para contratar mais um defesa-esquerdo?
– Estava definido que o Ronny ia fazer parte do plantel do Sporting. Estou muito satisfeito pela forma como entrou e encarou o jogo da Supertaça e também pela sua evolução. É um jogador que tem uma capacidade técnica enorme, mas é jovem e tem pouco tempo de futebol europeu, pois só está na segunda época em Portugal. Tem vontade de evoluir muito mais e penso que terá um rendimento ainda superior àquele que tem apresentado. De qualquer forma, nunca idealizámos a contratação de mais nenhum lateral-esquerdo.
“Izmailov e Vukcevic podem coexistir no losango”
– Está satisfeito com a integração dos novos reforços (Derlei, Izmailov, Vukcevic) no modelo táctico?
– Sim. Eram jogadores que sabíamos que podiam e tinham características para jogar dentro daquilo que pretendíamos, que se encaixavam no nosso plano táctico e são jogadores com grandes capacidades técnicas.
– Izmailov e Vukcevic podem coexistir no losango do meio campo?
– Sim. Até agora só coincidiram num determinado momento do jogo frente ao Belenenses, mas são dois jogadores que têm capacidade para desempenhar mais do que uma função no nosso sistema de base.
“Abertura total do Sporting em ajudar a Selecção”
– As saídas de Ricardo, Caneira e Nani e a descontinuidade na convocatória de Tonel baixaram o contingente de «leões» na Selecção AA. Como está o relacionamento com a Federação?
– O Sporting continua a ter no plantel jogadores internacionais, nos sub-21 e internacionais de outros países. A relação que existe com o seleccionador é uma relação perfeitamente normal. Há uma abertura total do Sporting para ajudar a Selecção naquilo que for necessário. E o Sporting tem orgulho em ter o maior número de jogadores nas Selecções e ser internacional valoriza sempre o jogador em termos individuais.
– Surpreendeu-o a chamada de Miguel Veloso à Selecção A?
– Não, Portugal tem um excelente treinador, e não me lembro de alcançarmos melhores resultados do que com Scolari, por isso não me compete ficar surpreendido. Fiquei satisfeito com a convocatória do Miguel Veloso, independentemente de não ter sido utilizado, como fico satisfeito com a inclusão de outros jogadores do Sporting nas selecções.
“Satisfeito com o rendimento do «plano B»”
As questões tácticas são analisadas pelo líder técnico sportinguista, revelando a sua satisfação pela interpretação positiva da parte dos jogadores.
– Está satisfeito com a resposta do grupo ao plano B (três defesas), utilizado nas partes finais dos jogos da Bwin Liga com FC Porto e Belenenses?
– Claro que sim. A equipa adaptou-se no Porto, mudando o sistema para três centrais, Pereirinha e Moutinho no meio-campo, e depois Romagnoli atrás dos avançados, e contra o Belenenses, com dois laterais e um central – além de ter na frente Liedson e Purovic, suportados por Vukcevic, Yannick, Derlei e Romagnoli – cumpriu bem a estratégia que foi pedida. A resposta dos jogadores foi boa, até pela capacidade que tiveram de interpretar aquilo que a equipa necessitava, quer num jogo como noutro.
– Pondera utilizá-lo de início, à semelhança do que fez na época passada frente ao Pinhalnovense e Desp. Aves?
– Será possível, porventura, com outras variantes, princípios de jogo e funções individuais para os jogadores, mas a prioridade é o nosso 4x4x2 losango. Temos um sistema com o qual nos damos bem, com o qual os jogadores se sentem bem e com o qual perdemos poucas vezes, por isso não temos razões para mudar. No sistema de três defesas, o que exijo é ainda uma agressividade maior, uma capacidade de reacção maior à perda da bola e um sacrifício e superação maiores por parte dos jogadores e devo salientar que, quando o utilizámos, além de termos conseguido maior profundidade atacante, mantivemos consistência defensiva, mesmo correndo mais riscos.
“Existirá rotatividade a partir deste momento”
– O Sporting partiu para esta temporada em quatro frentes de competição, o que implica uma rotatividade mais cuidada do plantel. De que forma é que a irá utilizar?
– Se tudo decorrer dentro daquilo que é a nossa perspectiva, esperamos realizar mais 21 jogos até à paragem do campeonato em Dezembro. Logicamente que há ciclos em que vai ser fundamental rodar alguns jogadores, mantendo obviamente uma base da equipa. Para já temos dois laterais lesionados, por isso existem algumas dificuldades para fazer isso nessas posições, por isso temos de testar alternativas de outra forma. Faremos essa rotatividade, mas vamos escolher bem os momentos para a fazer. Não vão jogar todos o mesmo tempo, mas a partir deste momento, poderão existir mais oportunidades para alguns jogarem mais tempo.
“Taça da Liga é encarada como as outras competições”
– A Taça da Liga servirá para dar minutos aos mais jovens como Rui Patrício, Paulo Renato, Pereirinha?
– Não. A Taça da Liga é para ser abordada da mesma forma das outras e queremos ganhá-la. Faremos nessa competição a mesma gestão que fazermos para as outras competições, até porque existem algumas condicionantes.
– O modelo competitivo da Carlsberg Cup está bem estruturado?
– Há mais risco para as equipas do patamar principal saírem da competição no primeiro jogo neste formato competitivo. Se fosse primeiro a poule de quatro clubes seria diferente. Neste caso há uma maior possibilidade de existirem surpresas e chegarem a uma fase mais adiantada da competição equipas com menor dimensão.
Primeira análise de Bento à Bwin Liga 07/08
– Com três jornadas disputadas o que é que pode destacar neste início de campeonato?
– Não há ainda um conhecimento total sobre todas as equipas, mas penso que a decisão do título passará pelos três grandes. O Braga poderá intrometer-se nessa luta, porque tem um plantel de grande valia. O Marítimo teve um início de campeonato muito bom e o Belenenses é uma equipa extremamente bem organizada e muito complicada de defrontar. Depois, o Guimarães que é um clube com uma grandeza enorme, que voltou à Primeira Liga e tem a invencibilidade desde a época passada, mexe com muita gente que tem paixão pelo futebol e possui um treinador experiente, ou o Paços que tem uma equipa fiel ao seu estilo de jogo, e um treinador identificado com a estrutura e que levou o clube a uma lugar na Europa, também poderão realizar um bom campeonato.
“Não somos favoritos, mas queremos continuar na Europa”
Paulo Bento classifica o grupo «verde e branco» na Liga dos Campeões como difícil, mas não esconde a ambição em seguir em frente na prova.
– O Sporting volta a ter um grupo muito complicado na Liga dos Campeões, muito parecido ao do ano passado, com uma equipa italiana, uma formação de Leste, e um grande da Europa. Há condições para fazer melhor do que no ano passado (cinco pontos)?
– O grupo é reconhecidamente difícil. O Manchester é um crónico na Liga dos Campeões, a Roma é a detentora da Taça e da Supertaça de Itália e é uma equipa transalpina, logo extremamente rigorosa do ponto de vista defensivo, e o Dínamo que tem jogadores de qualidade e será a equipa que em termos de valia estará ao nível do Spartak. No ano passado, com Bayern e Inter, este ano com outros nomes sonantes, Manchester e Roma, mas a nós compete-nos contrariar o favoritismo e as dificuldades que vamos ter diante desses adversários. Não somos favoritos, mas vamos à procura do objectivo de nos mantermos nas competições europeias, ou pela via da Champions ou pela via da Taça UEFA. O que manchou a participação do Sporting no ano passado foi a derrota com o Spartak de Moscovo.
– O Sporting mantém a meta de atingir pela primeira vez a fase seguinte da Champions. Será desta?
– Há o objectivo de permanecermos nas competições europeias, o que não podemos pensar que é um mal menor ir para a Taça UEFA, porque o Sporting não vai abdicar do objectivo de chegar aos oitavos-de-final da prova. Isso aconteceu um pouco no ano passado quando perdemos em Milão a possibilidade de passar à próxima fase. Parece que o balão de confiança se esvaziou. Lutámos, mas se calhar mentalmente não estávamos preparado para ficar fora da Liga dos Campeões, depois da vitória frente ao Inter. Porventura terá havido uma quebra maior do que aquela que seria de esperar. Este ano, o que temos de pensar é que se tivermos um jogo negativo, não pode ser suficiente para nos tirar da perseguição de um objectivo.
“Sporting tem de estar preparado para vender jogadores”
– Uma boa prestação na Champions pode reafirmar a cobiça dos grandes europeus nos jovens talentos do Sporting. Está preparado para perder Veloso ou Moutinho na reabertura do mercado de transferências?
– A meio da época não conto que isso suceda. Em termos de final de temporada, e retomando a história do Sporting nos últimos anos, o Clube tem de se preparar para perder algum jogador. Os clubes portugueses têm sido obrigados a perder os jovens valores, para suster as dificuldades em termos financeiros. Contudo, para um jogador ter o interesse de outros clubes tem de realizar uma temporada regular e de qualidade, porque não é só a montra da Liga dos Campeões que dá garantias para uma transferência.