Como diria qualquer soldado de La Palice (ou o Gabriel Alves, numa versão intelectualmente mais robusta), os resultados definem sempre a sorte dos treinadores. Podem existir algumas excepções, mas, como é habitual, apenas servem para confirmar a regra.
Assim de repente, em Portugal, recordo-me no campo das excepções do mítico Mata do Infesta que se manteve no clube cerca de duas décadas (ocorre-me agora que porventura por algum receio dos responsáveis do clube relativamente às razões do apelido do treinador) …
Verdade seja dita que, mais recentemente, outros tentaram seguir este percurso, sustentando, no entanto, essa permanência em bases muito mais científicas do que as do Mata do Infesta. Com efeito, essa nova categoria de “misters water proofs” (muitos eles são também Profs) eram – ou, pelo menos, pretendiam ser – misters à prova de água, ou seja, misters que mesmo que metessem muito água, nada lhes acontecia, porque afinal os homens tinham um projecto, com tudo o que tal significa… Sim, porque a (aparentemente) simples afirmação de se ter um projecto, encerra em si mesmo um profundo significado estratégico que abre logo a perspectiva que termos perante nós um visionário capaz de planear a longo prazo, de efectuar um rigoroso diagnóstico prospectivo, de conceber uma visão de futuro num horizonte relativamente longínquo (normalmente, o da manutenção do seu próprio emprego) e de definir as prioridades necessárias para concretizar essa visão.
Queiroz terá sido um dos expoentes máximos dessa geração de misters waterproofs, encarando cada derrota apenas como mais uma sessão de estudo mal sucedido dentro de um longo processo de aprendizagem iterativa que viria a culminar (ele não tinha dúvidas e, como é evidente, nós, pobres mortais, também não deveríamos ter) no sucesso infalível do seu projecto de longo prazo… Por via das dúvidas e para que ninguém ousasse cair em tentação de quebrar este ciclo de aprendizagem que conduziria indubitavelmente à vitória final do seu projecto, estes misters waterproofs exigiam contratos longos e, sobretudo, cláusulas de rescisão elevadas… A premissa desportivamente correcta da altura era a de que não deveria existir qualquer pressão sobre o trabalho do mister waterproof (
, silêncio, génio treinando…). Os jogos e respectivos resultados eram, pois, considerados meras experiências científicas necessárias para se ir estudando laboriosa e minuciosamente a composição da fórmula que nos conduziria inevitavelmente ao sucesso. Aliás, esses misters raramente sorriam (e andavam frequentemente com “cara de dor de dentes”), pois, no seu douto entendimento, o futebol deveria ser encarado, não como um jogo, mas sim como uma ciência exacta, portanto, uma coisa muito séria… A generalidade dos jogadores das respectivas equipas deveriam ser mantida no clube a qualquer preço, para, sempre de uma forma científica, se poder assegurar que o estudo fosse efectuado sempre em condições ceteris paribus… Pelo contrário, qualquer ser com duas pernas que alguma vez tivesse a sorte de ser aprovado após as rigorosas observações (ponderem por favor o profundo peso científico destas últimas palavras) do mister waterproof, deveria ser contratado na hora e por qualquer preço, pois poderia muito bem (ou não) ser (as numerosas experiências futuras assim o iriam ditar) a tal componente chave do Santo Graal, perdão, da fórmula do sucesso futebolístico.
Depois essa moda passou. Durante as últimas décadas, mesmo os Porcs, tradicionalmente o clube grande mais avesso a mudar de treinadores, geralmente mantêm o mesmo treinador no máximo durante dois anos, mesmo ganhando a maior parte os troféus em disputa. É verdade que durante esses dois anos gostam de dizer ciclicamente que renovaram por mais épocas com o treinador tal a qualidade de trabalho que ele apresenta, mas o facto é que, por diversas circunstâncias (raramente, por opção do próprio treinador), eles acabam por não ficar mais de dois anos (pelo que me recordo, a excepção foi o abençoado timex – opção essa que se revelou fundamental para quebrar o enguiço do Sporting e do Boavista)… Nos últimos dois anos, os Porcs andaram, aliás, muito mais impulsivos em matéria de precarização da relação de trabalho dos misters (pode ser que o livro da anterior primeira dama explique as razões dessa relação precária e impulsiva… com os treinadores, pois claro) …
Em relação a Paulo Bento e mantendo-se a premissa básica de que, como é natural, serão sempre, a curto ou médio prazo, os resultados a ditar a sua sorte no comando do Sporting, parece-me que o seu afastamento nas actuais circunstâncias não deixaria de configurar um erro grave. Primeiro, porque, do meu ponto de vista, Paulo Bento tem dado provas de uma grande capacidade de liderança sobre a equipa transmitindo quase sempre as mensagens certas nos momentos adequados. Não me refiro exclusivamente, nem sequer principalmente, à gestão dos conflitos no balneário. Ao contrário dos tais treinadores water proof, Paulo Bento não tem tido receio (mesmo com o plantel de qualidade muito duvidosa que tem ao seu dispor) de afirmar objectivos ambiciosos (alguns porventura irrealistas face à qualidade do plantel – e aqui começa um dos problemas… que pouco diz respeito a Paulo Bento), colocando pressão sobre si e sobre os jogadores. Cada jogo, na concepção de Paulo Bento, não é, pois, uma experiência científica, mas sim um desafio que pretendemos ganhar. Quando a imprensa lhe fala sobre potenciais reforços ou sobre a qualidade do plantel, Paulo Bento, que certamente sabe do que dispõe, afirma que tem que vencer com os jogadores que estão actualmente disponíveis no sentido de não os desresponsabilizar e, por forma a que, nem eles, nem os adeptos, queiram transferir ilusoriamente a responsabilidade para potenciais “D. Sebastiões” que porventura venham a reforçar a equipa leonina. Paulo Bento, por outro lado e apesar da risca ao meio, também não me parece ter o perfil do lendário treinador dos anos 70/80, um empírico com ou sem bigode que diz conhecer a fundo o famoso “cheiro do balneário” (geralmente, um tipo fala barato, demagogo ou vendedor de ilusões), mas que desconhece completamente os fundamentos mínimos metodológicos para treinar uma equipa como a do Sporting (embora se Paulo Bento não for suficientemente humilde e exigente consigo próprio, possa correr o risco, mais tarde ou mais cedo, de cair nesta segunda categoria).
Paulo Bento tem sido um líder, aparentemente muito crítico e exigente dentro do próprio grupo, mas que, externamente, tem sempre demonstrado acreditar – e fazer com que jogadores e adeptos acreditem - na capacidade desse grupo para concretizar os objectivos definidos. De certa forma, Paulo Bento corre até o risco de ser vítima do seu próprio sucesso na transmissão dessa mensagem, pois certamente no ano transacto quando ele entrou ninguém acreditaria realisticamente na possibilidade de disputar o título até 4 jornadas do fim. De igual modo, aquando do sorteio da Liga dos Campeões, seriam também muito poucos os que acreditavam na hipótese de apuramento para a segunda fase (aliás, 14 das 16 equipas apuradas eram perfeitamente identificáveis à partida – as outras 2 – Celtic e Lille – estavam integradas nos Grupos mais fracos). Depois dos primeiros dois jogos, muita gente começou a hipervalorizar as nossas probabilidades de acesso relativamente à segunda fase da Liga dos Campeões, conduzindo a uma aparente grande desilusão quando fomos eliminados em Milão. Convém também não esquecer que o futebol não deixou de ser um jogo e que com alguma dose de sorte, por exemplo, nas bolas ao poste (Bayern cá, Bayern lá, e Spartak cá) – já para não falar das lesões consecutivas em Milão, poderíamos no limite até ter ficado apurados para essa segunda fase da LC.
O que realisticamente se poderia esperar é que disputássemos - sublinho, disputássemos - o acesso à UEFA com o Spartak (vice-campeão russo, salvo erro com os mesmos pontos do CSKA, tendo esta última equipa, recorde-se, disputado o apuramento com os Porcs e com o Arsenal até quase ao último minuto da série), o que fizemos também até ao fim, sem, no entanto, ter logrado assegurar esse apuramento (apesar de ficarmos com os mesmos 5 pontos do Spartak e termos obtido 4 desses pontos contra as duas equipas mais fortes do grupo). Assim, no caso da UEFA, apesar de mais uma vez termos lutado até ao fim, falhou-se, sem dúvida, um objectivo. Os veteranos como eu das noites de descalabro europeu das últimas décadas, não gostaram nada de repetir novamente a sensação no jogo de terça feira passada (sobretudo com uma exibição em que a equipa entrou no estado amorfo e passou, posteriormente, à desvairada fase “sobre brasas”), mas quem se lembrar bem das nossas participações na Liga dos Campeões saberá certamente que a deste ano representou, apesar de tudo e sobretudo perante a capacidade dos oponentes, uma evolução qualitativa face a situações anteriores.
Em resumo, Paulo Bento (que eu, aliás, nunca apreciei como jogador e que, na altura, achei uma aposta um pouco suicida como treinador principal) terá certamente ainda bastante a aprender em termos metodológicos, no entanto, neste momento, parece-me que as suas características de liderança são indispensáveis para gerir a actual equipa de futebol do Sporting.
Próximo capítulo: Hoje, como o Paulo Bento, perdão, agora o Ricardo Araújo Pereira costuma dizer todos os fins-de-semana, precisamos fundamentalmente de voltar a ganhar… tranquilidade…