Jogada de perigo na área. O jogador remata, o guarda-redes ainda lhe consegue chegar com uma mão, mas é incapaz de suster completamente o remate. A bola passa-lhe por cima, embate no poste e bate no chão, em cima da linha de golo. Grita-se GOLO no estádio, o avançado levanta os braços e celebra efusivamente, enquanto que os jogadores da equipa adversária protestam junto do árbitro que a bola não estava dentro. O árbitro hesita por momentos, e pede pausa. Corre para junto do quarto árbitro e conferencia. Ambos estão em contacto, via um auricular, com o árbitro técnico, que se encontra numa sala dotada de meios audio-visuais dignos do século em que vivemos.
Silêncio no estádio.Alguns segundos depois, o árbitro vira-se para os jogadores e dá sinal de validação de golo. As bancadas voltam a gritar GOLO, adeptos e jogadores festejam.
Podia ser este o argumento de um jogo de futebol moderno. O argumento de um desporto que entretém massas, movimenta muito dinheiro e se rege pela transparência e pela verdade. Mas não é. No ténis e no críquete temos o “hawk-eye”,no hóquei da NHL e no futebol americano da NFL estas “pausas técnicas” são comuns. Mas no desporto mais popular do Mundo, algumas mentes brilhantes continuam a achar que “o erro humano faz parte do jogo” e que essa justificação imbecil se deve sobrepor à verdade desportiva. É o mesmo que achar que os antibióticos não deviam ser usados porque falsea a “verdade da Natureza, onde apenas os mais aptos devem sobreviver”, ou o mesmo que aceitar a batota num jogo de cartas porque “há que premiar os habilidosos de mãos”.
Da mesma forma, será que, se tivessem poder para tal (e se alguém, com sérios problemas de bom senso lhes pedisse a opinião), estes artistas também diriam que a polícia não devia usar a tecnologia para descobrir os criminosos? Faz o mesmo sentido e a lógica é a mesma – na sociedade também deveríamos saber conviver com o “erro humano”, e se os polícias não descobrissem os criminosos pelas suas próprias mãos então “azar, que se faz tarde e eu tenho de ir ver a bola para casa”.
Lembrei-me desta questão há duas semanas, por altura da segunda mão da pré-eliminatória da Liga dos Campeões, entre o Basileia e o Vitória de Guimarães. O tal jogo onde o Vitória marcou um golo nos últimos minutos, que lhe garantiria a histórica presença na fase de grupos da competição mais importante na Europa a nível de clubes. O tal jogo onde o erro da equipa da arbitragem custou uma participação inédita – e, quiçá única – para duas dezenas de jogadores. O tal jogo que custou 5 milhões de Euros aos cofres de um não grande do futebol português. E agora, quem é que paga o prejuízo? O árbitro? O senhor Platini?
O senhor Platini. Uma das tais “mentes brilhantes” de que falava há pouco. Que considera que as repetições em vídeo “matariam o futebol”, já que os jogos teriam de parar de 10 em 10 segundos, por cada decisão do árbitro (http://uk.reuters.com/article/UK_WORLDFOOTBALL/idUKL1121635520071011). E bom, em matéria de argumentos, está tudo dito. Quando a discussão descamba em argumentos para desconversar, é porque não se está interessado em conversar. Porque motivo será?
Platini também teve outra tirada brilhante, quando resolveu desistir da ideia de introduzir a tecnologia de linha de golo (a tal que permitiria dissipar dúvidas em relação à história do início da crónica), em favor da introdução de mais dois árbitros assistentes nas linhas de golo (http://findarticles.com/p/articles/mi_qn4156/is_20080309/ai_n24934723).
Não sei se o mais grave e assustador desta história é o facto de um dirigente “de uma nova geração” ter o mesmo pensamento antiquado das gerações anteriores, se o facto de a caravana passar e ninguém – jogadores, dirigentes, federações – se mostrar minimamente interessado em mudar a situação. Deve ser mais interessante andar a discutir o penalty e o fora-de-jogo nos jornais e cafés à segunda-feira. Será?