Recordo-me das primeiras idas a Alvalade. Vindo de família não-Sportinguista (ainda hoje somos apenas dois – espero virmos a ser pelo menos 3 dentro de alguns anos), tal ida ocorreu já tarde, teria uns 14 ou 15 anos, não mais. Arriscar 16 já será pedir o erro. Tais idas ocorriam em grupo, com mas alguns companheiros de Sportinguismo, com idade semelhante. Do que me lembro, apenas um com mais 2 anos em cima e mesmo assim elemento que só se juntou mais tarde à comitiva. A maioria filhos de ferroviários, 5 pela minha conta, o que permitia viagens gratuitas e tornava a expedição possível. Assim, a despesa era o bilhete e uns trocos para umas queijadas na bancada. Que sabiam pela vida, como se costuma dizer por aqui. Ir a Alvalade, naquela altura, era O objectivo. Nesses fins de semana não havia discoteca, bar ou coisa mais importante.
Não me recordo do primeiro adversário, da primeira vez que entrei no Estádio. Com certeza tenho o bilhete ainda guardado, provavelmente ainda na casa dos meus pais, juntamente com outros troféus e lembranças desses tempos. Mas assim, de repente, não me lembro. O que me lembro é que ficava extasiado perante o Estádio, o jogo, a multidão. Mesmo apenas a viagem já era de si monumental, todos devidamente identificados de cachecóis e, mais tarde, com dinheiro poupado, uma camisola (sem ser oficial, claro, que o dinheiro não chegava a tanto). Todo o caminho até ao Estádio, desde que saímos de casa, era naturalmente encarado por quem nos via: lá iam os miúdos ver o Sporting. Na altura, um Grande! Mesmo já no final dos anos 80, mesmo sem campeonatos na vitrine… um Grande!
O Futebol: O jogo
O futebol não se inicia na minha vida com estes episódios. Afinal, contam-me os meus pais, foi durante um intervalo de um jogo do clube local, eterno militante dos regionais, que comecei a dar os primeiros passos. Dizem-me, em passo acelerado. Ao descer junto ao pelado, como habitualmente faziam os meus pais pois assim eu podia ver os senhores a trocar a bola, eu logo ali perto fiz força para descer do colo do meu pai e resolvi caminhar em direcção da bola. Uma queda, duas quedas, quatro quedas… mas nada parou. Com a ajuda e por entre sorrisos, dizem-me, lá cheguei. Pela forma como me agarrei à bola, logo ali sentenciaram que seria guarda-redes… ou avançado! Diagnóstico errado.
Não me recordo como surgiu a paixão pelo Sporting. Lembro-me de querer ser como o Jordão. Era o meu preferido. Nas corridas com bola na primária era sempre o Jordão ou o Manuel Fernandes. Nada me dava maior prazer que a bola e as corridas. Nem as caricas ou os soldados que vinham nos pacotes. Chegava perto o Lego, mas até aí havia futebol. Na casa do meu amigo Charles, nascido sul-africano, filho de pai inglês e mãe portuguesa, havia sempre futebol. Era lá que via o Southampton. Não gostava. O Liverpool via com o meu pai, no canal 2 ou também por satélite. O Tottenham só depois. O México 86 (maldita confusão entre portugueses e depois maldito Maradona!). Mas o Sporting sempre. Em casa de benfiquistas, com tios, primos e avós benfiquistas… eu era do Sporting. Mas até o meu avô me contava histórias do Grande Sporting, o seu rival. Do Peyroteo, que era lixado para marcar golos, ou do enorme Azevedo, entre outros. Também um antigo correspondente de futebol para um conhecido jornal, Sportinguista ferrenho, em contava (a mim e aos outros) tudo sobre o Sporting. E sobre futebol. Sim, já tinha sido diagnosticado com a doença do futebol, até na escola. Principalmente na escola. “O seu filho pode jogar futebol com os mais velhos ou estudar com os mais velhos. Não consegue é as duas ao mesmo tempo”. Foi fácil ao meus pais decidir. Ainda bem, digo eu hoje.
O Sporting
O Sporting era o gigante. Adormecido, órfão de uma grande presidência, diziam-me. Não percebia bem isso. Nem com os meus 14 ou 15 anos o percebia bem. O Sporting tinha deixado de ser a imaginação do recreio e passava a ser a euforia das viagens, de Alvalade, das claques e dos adeptos. Se tivesse de fazer passar a imagem do que era, só me vem à cabeça aquele início do “Show”, dos The Cure. O Tape, as pessoas que esperam ansiosamente o início, os sorrisos pela antecipação do espetáculo memorável, pois a “Wish Tour” é para os fãs da banda uma gloriosa caminhada para a vitória na Liga dos Campeões. Melhor, o futebol espectáculo da laranja mecânica, servido em 26 jogos, terminado com o melhor jogo de sempre, algo chamado de A Forest. Que seria a vitória que não aconteceu em 74, mas que consagrou o futebol espectáculo em 88.
Era raro sair de casa a pensar na possibilidade de uma derrota. Não por causa daquela velha superstição do “sempre que vou ao Estádio, ganham”, como muitas vezes ouvi de muita gente (que raio, se assim é, porque não vão sempre, pensava eu?). Era assim porque o Sporting era favorito em todos os jogos, excepto fora de portas e contra os outros dois grandes. Os campeonatos eram perdidos fora de portas e contra os grandes. Ter menos do que 60% de vitórias valia o despedimento. E por isso fomos tendo tantos treinadores. Mas tirando os jogos contra os rivais (e só tínhamos 2) ou em alguns jogos europeus, o espectro do resultado negativo não existia. Afinal, o Sporting é Grande. O nervosismo surgia durante o jogo, nunca antes, excepto nesses poucos jogos.
O Sporting nasceu para ser grande. Ok, também surgiu para proporcionar a “educação physica dos sócios e dos seus filhos e tutelados por meio de exercícios de gynastica hygienica ao ar livre e poderá igualmente dedicar-se à gymnastica applicada, à esgrima, à equitação, à natação, aos jogos athleticos, aos exercícios de remo e de tiro e a outros destinados ao desenvolvimento e conservação das forças musculares.”. Mas nasceu para ser um grande Clube. Afinal “Queremos que o Sporting seja um grande Clube, tão grande como os maiores da Europa”, dizia José Alvalade.
E foi. O Sporting foi um dos maiores da Europa, ensinaram-me. Em 1955 o Sporting era um dos maiores. Se calhar, triste sina a de ter chegado tão cedo ao objectivo. Tão cedo que que a partir do final da década de 60, os dirigentes do Sporting, na sua maioria, tal como os gordos e preguiçosos senadores romanos, viveram às custas da glória. Poucos foram os que saíram dessa letargia. Poucos os que encararam a grandeza como algo a ser cuidado, nunca tido como ad eternum.
E assim chegamos a hoje. Hoje o Sporting corre o sério risco de descida de divisão. Não, não estou a exagerar. Antes estivesse! Não estou porque hoje o Sporting é uma das piores equipas do campeonato. Faz-me lembrar um Famalicão em 1993/94 ou um Derby County em 2007/08. Se não é a pior, é das piores da nossa Liga. Foi a isto que chegámos. E as piores descem, se a justiça existe. Diz um senhor, grande Sportinguista, que deveria ter mais bom senso nesta altura (e que muito me perturbou): “Se o futebol acabar, acabou.”. Pois, corre o risco de acabar sim. Juntando os resultados, uma possível descida e ainda os resultados financeiros de uma SAD falida e a assobiar… Pois corre. Mas para mim, dizer que o Sporting continua… Que o Sporting quando nasceu era assim e assado…O Sporting é grande pelo futebol. Tornou-se grande assim e quando se acaba o futebol, acaba-se o Sporting Clube Grande. Se calhar, acaba-se o Sporting. Porque achar que o Sporting sobrevive sem futebol…
O ser Grande.
Mesmo que não se acabe o futebol, mesmo que por milagre ainda consigamos dar a volta ao futebol, o Sporting anda a fazer pela vida para ser mais um dos pequenos. A perda de respeito, a constante facilidade com que se enxovalha o Sporting… ninguém imaginaria! Hoje em dia qualquer otário faz o que quer do Sporting. Sem o mínimo de pudor, sem o mínimo de punição. Ele é presidentes rivais que enxovalham dirigentes (que se prestam a ser enxovalhados, diga-se), ele é ex-jogadores rivais, burros que nem uma porta, que de repente ficam xico-espertos e gozam à grande, ele é jornalistas que em directo mandam a piada do “lagarto” ou fazem o que querem com o emblema, tudo! Ele é clubes de meia-tigela que nos atropelam e voltam para mais. Tudo! E se acharem que é a carreira do futsal que nos salva o prestígio, está aí a prova.
O Sporting tem hoje um Presidente que fala em legados. Pois bem, tenha cuidado Sr. Presidente, que ainda deixa como legado um fantasma. Apresentou-se como um Prometeu, mas em vez de carne, fogo e conhecimento, trouxe-nos dívidas e o pior futebol de que há memória. Com este Prometeu, quem come os ossos somos nós. Quem está amarrado e é devorado somos nós. Rodeou-se de supostos Titãs, mas que não foram mais que fogo-de-artifício e que hoje, já fora do Sporting, cada vez que abrem a boca ainda mais arrastam o Sporting pela lama.
Tem um Presidente que fala em projectos, mas cujo único projecto para o futebol morreu a 13 Fevereiro 2012. E mesmo esse era uma visão muito turva, sem grandes pernas para andar. Godinho Lopes, o homem forte do futebol desde 22 de Outubro de 2012, não consegue melhor que ser um Edward John Smith. Hoje fala de aprendizagem pelos erros cometidos, fala até de uma reestruturação, de um novo projecto, mas o que salta cá para fora é uma salgalhada, de resto já ensaiada no passado e com resultados muito nefastos. Reestruturação que vai no sentido contrário ao que defendia nas eleições. Antes era mau, era o que tinha falhado. Hoje é a solução. Não pode ser.
A ideia de voltar a ter uma base com jogadores de formação é um prenúncio de desastre, pois não só não existe qualquer base que acolha e sustente a evolução dos miúdos na A (aliás, começa-se a ver os resultados de forçar a entrada dos jovens da B na A).
O Sporting tem hoje um Presidente de Assembleia Geral que se porta como um miúdo, que diz que faz e bate, mas depois… nada. Eu percebo os Estatutos, eu percebo que até tenha dado a dica para os sócios resolverem o imbróglio. Mas há já muito que esta Direcção está longe do prometido.
Há quem esteja muito aflito porque os filhos pedem para mudar de Clube. Pois bem, eu olho para o meu filho, que ainda não fala nem sabe o que é o futebol. Tenho receio é que já não haja Clube e que tenha de lhe contar a História de um Sporting que em tempos existiu. Tenho receio que ele não tenha a mesma alegria ao sair de casa para apanhar o comboio, carregando o cachecol e a ilusão.
Para ver O jogo. E o Sporting, o Grande do futebol português!