José Goulão produziu um texto para a Centúria Leonina sobre a SAD e o Sporting que reproduzo abaixo num tópico próprio, visto ser um tema sempre interessante e actual no nosso clube e que merece ser debatido e comentado:
segunda-feira, 5 de Julho de 2010 [size=14pt][b]"É PRECISO DEVOLVER O FUTEBOL DO SPORTING AO SPORTING"[/b][/size] (por José Goulão)Estimados Sportinguistas
Há muito que o incansável sportinguista que é João Pedro Varandas me sugeriu uma reflexão por escrito sobre a actualidade do nosso Clube. Estou em falta com ele e comigo mesmo porque, apesar de acompanhar o que de tão grave se passa e de participar, ainda que apenas pensando para mim mesmo, no debate que circula em blogues, sites, até na comunicação convencional – se bem que contaminado pela poluição oficial – a verdade é que o desencanto com a situação e as circunstâncias da vida me têm mantido um pouco à distância - não apenas física.
Quebro hoje o silêncio. Não porque a minha voz seja mais ou menos importante que a de qualquer consócio ou sportinguista; não porque o nosso capitão João Moutinho está a ser negociado com o FC Porto, que com Beto, Varela e jogadores das equipas jovens que para lá têm viajado em negócios ruinosos – o caso de Postiga está muito fresco na memória de todos – se prepara para, a prazo, fazer assentar a sua equipa no trabalho de formação do nosso Clube; não porque vendemos e emprestamos as jóias da casa e compramos o refugo dos outros.
Quebro o silêncio porque tenho o dever de partilhar o que penso e sei com os outros sportinguistas; e tenho a obrigação porque cinquenta e muitos anos de amor sportinguista me proíbem de ficar calado quando se trata de tentar salvar – não tenhamos medo de usar esta palavra – de salvar o Sporting.
Talvez ainda consigamos ir a tempo, mas os danos já são irreparáveis e agravam-se todos os dias.
Vivi quase oito anos, de 1998 a 2005, no interior do nosso Sporting. Não tenho qualquer dúvida em testemunhar que foram os oito anos mais intensos e exaltantes – mas também os mais desgastantes – da minha vida. Também não tenho dúvida em transmitir-vos que, apesar do amor com que me dediquei às múltiplas actividades de que fui encarregado, cometi erros, fiquei aquém do que era preciso alcançar. Por insuficiências próprias, é claro; por interferências alheias, sobretudo na área da comunicação, que procuraram funcionar objectivamente na defesa de interesses que não coincidiam com os do Sporting – circunstâncias que se mantêm com actualidade gritante, é bom que todos tenhamos a noção disso.
Vivi com grande entusiasmo os primeiros tempos de vida da SAD. Parecia-me uma excelente ideia, o caminho para profissionalizar a elevado nível o futebol do nosso Sporting de modo a dotá-lo com espírito ganhador a nível interno e ambicioso à escala europeia. Se outras modalidades o conseguem ou conseguiram – Atletismo, Hóquei em Patins e agora o Andebol – por maioria de razão o Futebol deve almejar esses horizontes fazendo com que não seja esporádico o feito dos heróis de 1964 na Taça das Taças.
Acreditei na SAD porque, à partida, assentava em dois pólos prometedores de triunfos: responsabilidade profissional e dedicação sportinguista.
Hoje, doze anos passados, venho dizer-vos que me enganei redondamente. O que era teoricamente uma boa ideia transformou-se num pesadelo e numa ameaça à existência do próprio Sporting.
Não tenho qualquer hesitação em dizer-vos, estimados Sportinguistas, que a salvação do Sporting depende da devolução do Futebol do Sporting ao próprio Sporting, seja qual for a maneira encontrada para resolver o problema da SAD, porque a SAD é o problema do Sporting.
A SAD, estimados Sportinguistas, tem muito pouco a ver com o Sporting; transformou-se num corpo estranho ao nosso Clube, que usurpou a sua modalidade de eleição – o Futebol – para se servir dos seus símbolos e historial em proveito de interesses em que o do Sporting nem sempre – ou poucas vezes – está em primeiro lugar.
O caminho da SAD entortou-se cedo. Lembram-se certamente de que um presidente/administração da SAD fez cair um presidente do Sporting logo pouco tempo depois da separação entre a gestão do Futebol e a gestão do Clube.
Começou nessa altura o encerramento da SAD sobre si própria: instalações exclusivas, portas fechadas a sete chaves; contabilidades e contratações próprias; afastamento tecnocrático em relação ao espírito do Clube – ouvia-se dizer a dirigentes e funcionários da SAD “isso é uma coisa que tem lá a ver com o Sporting”; marginalização de funcionários do Sporting, que tinham de pedir “por favor” para realizar as suas tarefas relacionadas com o Futebol, até que foram completamente postos de parte, excepto em ocasiões episódicas.
Os dois pilares prometedores em que teoricamente assentaria a SAD cedo ficaram comprometidos: a dedicação sportinguista dissolveu-se nos “interesses da SAD”; o profissionalismo e saber – tantas vezes invocados – não eram assim tantos. Em poucos dias de avaliação um alto dirigente da SAD decidiu que tinha “de mandar embora” um defesa esquerdo que chegara de Espanha por empréstimo e que ele já diagnosticara como “maluco”. Chamava-se e chama-se Gabriel Heinze, ainda titular da selecção argentina e que foi campeão europeu pelo Manchester United.
O saber futebolístico dos dirigentes executivos exclusivos da SAD ao longo da última dúzia de anos foi um bluff, o que nos leva a questionar a oportunidade e a conveniência de muitos dos negócios feitos. Todos nós, estimados Sportiguistas, temos de memória uma longa lista de contratações que não se limitaram a “correr mal”. Algumas foram ridículas mas certamente resolveram problemas de colocação que preocupavam alguns empresários, como ainda agora acontece graças às portas da SAD abertas a jogadores em fim de carreira ou mesmo em fase de mudança de carreira.
Não foi para isto que se criou a SAD.
A SAD nasceu para optimizar a relação entre uma escola de formação reconhecida a nível mundial e uma elevada plataforma de profissionalismo.
Os rivais do Sporting refastelam-se hoje com jogadores formados nas nossas escolas e a SAD tem vindo a trocá-los por substitutos problemáticos, quase sempre de qualidade duvidosa ou então em estado de pré-caducidade. A estratégia de aposta na formação, que estranhamente continua a ser invocada, funciona sem dúvida muito bem … para os outros.
A SAD nasceu para colocar o Futebol do Sporting no patamar dos grandes da Europa. A construção da Academia e do novo Estádio representaram um esforço imenso – mas indispensável – de modernização para que nada faltasse às equipas do Clube, dos iniciados aos profissionais.
A Academia, porém, transformou-se rapidamente no bunker da SAD, uma espécie de território autónomo, quase sempre encerrado até às visitas de dirigentes eleitos do Sporting, encarados como intrusos ou indesejados. Para um funcionário da SAD que sentava no banco da equipa principal os funcionários ou dirigentes do Sporting eram, na altura, “os gajos do Dias da Cunha”. Um desabafo? Não, uma cultura tolerada porque um alto responsável da SAD, a quem a luta do então presidente do Sporting contra o Sistema estranhamente incomodava, não se coibiu de qualificar Dias da Cunha como “o alvo da chacota nacional”.
Não é pois de admirar, estimados sportinguistas, que tenha sido bem acolhido na SAD o clima de contestação que levou à demissão de Dias da Cunha e de José Peseiro num processo manipulado de instabilidade, divisão e desestabilização que nos poderá ter custado uma Taça UEFA apesar de a nossa equipa praticar, como então se reconhecia à escala continental, o melhor futebol da Europa.
Daí que seja dramático para o Sporting, neste quadro, que a Academia tenha passado a ser património da SAD, apesar de numerosos sócios se terem deixado convencer pelos argumentos amedrontadores do poder. A Academia na SAD significa que também ela escapa ao controlo do Clube e que o Sporting perdeu não apenas um bem valioso no qual investiu com muito sacrifício mas também a sua “fábrica da formação”. Além disso, aquele esplendoroso espaço em Alcochete passou a ser um bem partilhado por interesses financeiros que do Sporting apenas querem receitas. Por isso é que vender jogadores jovens é bem melhor que obter resultados desportivos. Onde é que o Sporting entra nisto?
Ao longo da última dúzia de anos, estimados sportinguistas, paulatinamente foi nascendo um outro clube que veste à Sporting mas dificilmente pode ser identificado com o Sporting, o Sporting que sentimos e amamos.
É verdade que a dada altura deixou de existir uma separação absoluta das gestões do Clube e da SAD através da ocupação das presidências pela mesma pessoa. Só que, estimados Sportinguistas, a separação estava feita e acabou por ser o vício tecnocrático da SAD a contaminar a Direcção do Clube e o próprio Sporting começou a perder identidade, como hoje todos bem percebemos. Se essa contaminação era um resultado previsível com Felipe Soares Franco, já o caso de José Eduardo Bettencourt me surpreende. Porque é um sportinguista do fundo do coração e está em condições de perceber o que todos entendemos: este Sporting não é o nosso Sporting.
Este Sporting tomado pelo espírito mercantilista da SAD é um mero instrumento do bunker em que se transformou o Futebol do Sporting. Os sócios e mesmo os pequenos accionistas não interessam. Interessam os que têm participações elevadas na SAD e no caso de se chamarem Joaquim Oliveira são-lhes devidas vénias e submissões, também na área estratégica da comunicação, como testemunhei pessoalmente. Outros capítulos se seguirão se não lhes pusermos cobro.
Tal como vénias e submissões são devidas há muito aos empresários, sobretudo quando se chamam – agora – Jorge Mendes e podem tratar a SAD do Sporting como um entulho dos desperdícios da Juventus, do Atlético de Madrid e, por este caminho, um qualquer Young Boys, Nice ou Botafogo de Tocantins.
Não foi para isto que se criou a SAD.
Sobretudo, este é um tratamento indigno do histórico Futebol do Sporting.
Que fazer, estimados Sportinguistas?
Não é uma questão de varinha mágica, mas sim de grande união na diversidade das nossas opiniões e das nossas opções orientadas pela salvação do Sporting.
Nenhum de nós tem a solução, mas todos em conjunto vamos encontrá-la. Mas tem que ser depressa, acreditem, porque como já sabemos os clubes podem acabar e o nosso Sporting não será excepção se não travarmos a queda no abismo.
Penso que um dos caminhos indispensável para a salvação do Clube será o de devolver o Futebol do Sporting ao Sporting. Há um vasto espaço de opiniões sobre o destino da SAD, todas terão a sua validade, mas o fundamental é que o Sporting, os sócios do Sporting, tenham o seu Futebol de volta. Quando se diz Futebol isso significa também todo o património e todos os mecanismos de gestão.
Tão importante como este passo é devolver o Sporting aos sócios, mas para isso é necessário que os sócios voltem a identificar-se plenamente com o que é o seu Clube.
Ao contrário de outras práticas que infelizmente já foram notadas no Clube, é preciso que se convoque um amplo espaço de debate institucional no Sporting, sem manobras manipuladoras sobre os sócios mais antigos (muito apreciados na altura de votar), sem pressões nem intimidações sobre quem quer que seja.
Não conheço mecanismo mais adequado do que a realização de uma ampla e histórica Assembleia Geral, onde tiver que ser e durante o tempo que tiver que ser, para que tudo seja discutido e as decisões sejam livres e soberanas.
Uma Assembleia Geral organizada de maneira a que nela possam participar como sócios de pleno direito os Sportinguistas de todo o país e de comunidades além-fronteiras.
Não se trata de um Congresso, pelo menos de um congresso como o que o poder promoveu anteriormente. Círculos inúteis de discussão não, obrigado. O Clube não pode perder mais tempo, sobretudo quando se trata de prolongar o autismo em que vive.
Mais do mesmo não nos serve, não serve o Sporting.Se o movimento por essa Assembleia Geral for poderoso, organizado, credível, o mais plural possível, guiado pelo espírito de mobilização sportinguista não haverá presidente de Assembleia Geral capaz de lhe opor artifícios mesquinhos.
Desejo, estimados Sportinguistas, que este escrito possa ser mais uma contribuição, entre tantas que tenho lido com muito apreço, para uma reflexão colectiva profunda e que dê resultados nesta luta para salvar o Clube que faz parte das nossas vidas.
Isso é essencial, dramático mesmo, porque o tempo urge.As minhas mais sinceras Saudações Leoninas a todos os que me lerem, estejam ou não de acordo. Isso não interessa. O que importa é que todos nos unamos para não perdermos o Sporting.
Bruxelas, 4 de Julho de 2010
José Goulão
Antigo director de comunicação do Sporting, do jornal “Sporting” e do site oficial na Internet, que fundou.