Em um momento que se fala muito da formação em Portugal, após mais uma sessão de destravamento linguístico de Jorge Jesus, muitas considerações se têm feito quanto ao trabalho do Sporting nos seus escalões mais jovens e, na minha opinião, muitos equívocos se têm cometido. Alguns desses equívocos originados apenas e só por febre clubística e pura inveja e consequente desvalorização do Sporting e da sua importância no futebol português, enquanto clube formador e/ou como validação da estratégia dos clubes cujas cores defendem. Ou, em outros casos, equívocos causados por uma simples análise de determinados resultados desportivos, nos quais a aposta estratégica em causa tem que ser relativizada e inserida no contexto. Seja ele qual for.
Esses equívocos… ou melhor, pretensas verdades absolutas que como tal, só são e quando muito parcialmente válidos, têm passado principalmente por duas ideias chave.
1- “[glow=greenyellow,2,300]A aposta na formação por parte do Sporting não lhe trouxe maior competitividade.[/glow]”
Não há um Sportinguista que não discuta este tema e não exprima o seu orgulho em um 11 titular da equipa profissional de futebol em grande parte constituída por jogadores portugueses por si formados e nos seus Bolas de Ouro, que não tenha como resposta: “ E quantos títulos tem ganho o Sporting? Tem valido de alguma coisa?”
A perda de competividade do Sporting não passou de todo por uma aposta estratégica na Academia. Mas sim em uma gestão desportiva errática, por uma política de contratações sem cabimento, por falta de planeamento financeiro e incapacidade de entrar no mercado, numa altura do boom das parcerias de financiamento no que à aquisição de jogadores diz respeito. Aliás, a última vez que o Sporting foi de facto consistentemente competitivo, tinha, à imagem da época em curso, um núcleo base de jogadores importantes no rendimento colectivo, nascidos nos escalões de formação.
A essa competitividade, soma-se o impacto financeiro. Das 10 maiores vendas da história do Sporting, 8 são de jogadores da nossa formação e em conjunto representaram mais de 100M de Euros. Em um clube que apresenta um buraco enorme em termos de menos valias geradas por dezenas de contratações sem rentabilização desportiva e financeira, fica bem vincada a importância da nossa formação, também a nível económico.
2- “[glow=greenyellow,2,300]O Sporting aposta na formação por necessidade.[/glow]”
Não é mentira. Mas além de não explicar tudo não é justo para um clube que gastou muito na dinheiro e recursos na prospecção e formação e que teve o seu momento alto com o nascimento da sua Academia, que representou outro brutal investimento e é um case study na Europa para todos os clubes que olham para esta questão com algum interesse. Foi uma aposta estratégica, com implicações desportivas e financeiras e se nem sempre respeitada e mais tarde quase totalmente negligenciada por parte dos próprios responsáveis do clube, as sementes estavam lá e ainda dão frutos.
Mas não é e não foi a Academia que distinguiu o Sporting e com todo o mérito, como exemplar no que à formação e talentos diz respeito. O seu know how, os seus recursos humanos e a experiência acumulada, sim. Futre, Figo, Cristiano, Simão, Quaresma, Hugo Viana, Nani, Moutinho, nada ou muito pouco tiveram a ver com Alcochete.
Não se trata apenas de uma aposta por incapacidade de investir no mercado externo. Falamos de um clube que na última grande competição de selecções e dos 23 convocados, 44% tinham origem “verde e branca”. Tratam-se de jogadores, alguns de topo mundial e que tinham e têm lugar em muitas das grandes equipas das melhores ligas mundiais. São jogadores com escola, com critério, são jogadores de equipa grande. E Portugal e a sua equipa nacional muito têm beneficiado disso.
De maneira nenhuma pretendo dizer que foi ou é tudo bem feito. Neste momento, até terá algum cabimento a discussão quanto a algum adormecimento e obstáculos criados pela incapacidade directiva dos últimos anos e o seu impacto nas valências da nossa formação. De certa forma, parece justificar-se alguma preocupação quanto à qualidade dos nossos escalões mais jovens, embora não defenda a linearidade da competitividade e dos comportamentos colectivos das equipas dos diferentes escalões, com aquilo que é mais importante: formar jogadores e prepará-los para a equipa principal. Figo, salvo erro, nunca foi campeão pelo Sporting nas camadas jovens.
Actualmente, num país em crise profunda e com as SADs com estruturas de custos completamente desfasadas das receitas que conseguem originar de forma minimamente estruturada, a formação não é apenas uma alternativa em termos de gestão desportiva, é uma necessidade. Essa aposta pode ser mais ou menos vincada, pode ser mais ou menos complementar com a prospecção e investimento no mercado externo, mas tem que ser um dos caminhos a serem explorados, a bem dos clubes e do futebol português.
Neste momento, o Sporting está em 2º lugar, apresenta um futebol solidário, positivo e competente e para isso e na minha opinião, tem 5 jogadores nucleares no bom desempenho até ao momento: Patrício, Cedric, William, Adrien e Montero. 4 deles senão nascidos, pelo menos com um longo percurso na Academia. São do melhor que há em Portugal e, mais cedo ou mais tarde, serão peças chaves na selecção portuguesa, a juntar a vários outros que são por sua vez, nucleares nos resultados dos últimos largos anos.
Patrício teve o inicio por todos conhecido, mas alguém não esperou por um segundo nascimento e apostou convictamente aquele que é, por hoje, um dos grandes valores europeus na posição.
Cedric, que teve no seu percurso um ano de aprendizagem fora do clube e os problemas próprios de um jovem numa equipa e um clube em turbilhão, prova que está bem vivo, por mais “upgrades” que tentassem introduzir na sua posição.
Adrien e William formam uma dupla ao nível do melhor que se vê em Portugal e o segundo é neste momento um dos jovens mais cobiçados na Europa.
Estes… e outros, terão nascido mais que uma vez. Alguns renasceram/ressuscitaram, mas em todos eles havia e há talento e é neles que assenta a força actual deste Sporting.
O que espero é que não haja mais desvios de índole estratégica neste clube, que não se contratem 30 estrangeiros em 2 anos, se gastem dezenas de milhões e se dupliquem os custos com o pessoal, para depois e do nada, alguém levar as mãos à cabeça e se lembrar que afinal o Sporting tinha um ADN, uma identidade, uma imagem de marca.
A chave do nosso futuro é criar condições, de forma estrutura e planeada, para potenciar e desenvolver o que temos de melhor e o que temos de melhor é mostrado em campo em todos os jogos. Temos carácter, temos espirito de missão e de grupo, sabemos o que é o Sporting e que este clube nasceu para ganhar. Os nossos sabem-no e demonstram-no. E transmitem-no aos outros. E isto é coisa que neste momento os nossos rivais não têm. Têm as suas estrelas, os seus milhões, recursos para fazer várias equipas. Identidade? Não.