Entrevista a Materazzi [b]Nani? Fiquei foi fascinado com Moutinho[/b]Materazzi, central do Inter e campeão do Mundo pela Itália, recorda no Correio Sport as dores que sentiu após a cabeçada de Zidane no Mundial e garante que já perdoou o francês. Luís Figo, Rui Costa, Cristiano Ronaldo e Nani recolhem amplos elogios, mas foi a classe de João Moutinho que lhe ficou na memória após os dois confrontos com o Sporting na Liga dos Campeões.
Correio Sport – Hoje em dia a primeira pergunta numa entrevista a Marco Materazzi tem, evidentemente, que ser: a cabeçada de Zidane, na final do Mundial da Alemanha, doeu ou não doeu?
Marco Materazzi – (risos) É claro que doeu. Posso dizer que não foi fita, nenhuma encenação.
– Muitos médicos disseram que a cabeçada podia ter sido fatal. Temeu pela sua vida?
– Confesso que na altura não pensei nisso. Ouvi e li depois sobre essa hipótese, mas não perco tempo a pensar nisso. Felizmente não me aconteceu nada.
– A sua imagem é a de um jogador bastante viril, muitos dizem até bastante violento. No calor do momento sentiu vontade de responder?
– Claro que não. Essa imagem de violento é uma imagem falsa. Eu jogo a 100%, dou tudo e se por vezes há lances aparatosos é devido à minha entrega, nunca tenho intenção de magoar.
– E hoje em dia ainda guarda rancor a Zidane?
– Não. Foi uma atitude menos pensada, mas já o perdoei. Não tenho nada contra ele, como já disse várias vezes. Tenho a porta de minha casa aberta para ele.
– Então pode-se depreender que se algum dia se cruzar com ele vai cumprimentar Zidane
– Claro, estendo-lhe a mão, disso ninguém tenha dúvidas. Volto a dizer, não tenho nada contra ele, isso já faz parte do passado.
– Mas Zidane ainda há pouco tempo disse que não o perdoou. Arrepende-se do que fez? Arrepende-se de ter proferido algumas palavras sobre a irmã de ‘Zizou’?
– Não é uma questão de arrependimento. É normal um jogador picar o adversário. Eu fi-lo, mas não disse nada com intenção de ofender o Zidane. Ele entendeu de outra maneira e reagiu mal!
– Também fica com a ideia que hoje é mais ídolo em Itália por causa desse lance?
– Ídolo não acredito, há jogadores bem melhores que eu, sei que não sou o melhor do Mundo. No entanto admito que seja admirado. Mas quero esquecer isso e espero que um dia isto tudo seja esquecido. Quero só lembrar-me que fui campeão do Mundo, mais nada.
– O seu primeiro grande título
– É verdade, nunca vou esquecer.
– E agora, com 34 anos, o que ainda espera vencer?
– Mais títulos com o Inter, quero ser campeão e vencer a Liga dos Campeões.
– Este ano o título de campeão está bem encaminhado
– No futebol num dia as coisas estão bem e noutro mal. Não podemos pensar que está ganho, assim acabaremos por perdê-lo.
– O escândalo da corrupção ajudou nesta campanha?
– Não podemos ser hipócritas e dizer que não. No entanto, era bom que isso nunca tivesse acontecido. Não quero culpar ninguém, mas a verdade é que quem paga é o futebol italiano.
– E Figo, ex-internacional português e seu colega no Inter, tem ajudado?
– Tem e muito. É dos jogadores mais extraordinários com que tive o prazer de jogar. Um homem exemplar e um amigo fantástico. Está cá há dois anos e todos temos aprendido com ele. Há poucos como o Luís, é dos jogadores mais influentes.
– Mas a verdade é que este ano não tem feito parte das contas iniciais de Mancini
– O nosso plantel tem jogadores fantásticos e um dia jogam uns e noutro outros. O Luís, contudo, não deixa de ser fundamental para o desempenho da nossa equipa.
– E há mais jogadores portugueses que admire?
– Portugal tem jogadores fantásticos, como ficou provado no último Mundial da Alemanha e no Campeonato da Europa em 2004. No entanto há um de quem gosto particularmente: Rui Costa. É um ídolo aqui em Milão e em Florença. Estar tantos anos a jogar a um nível fantástico é muito complicado, mas ele conseguiu-o. Desejo-lhe muitas felicidades no Benfica.
– Se pudesse escolher um defesa-central português para jogar a seu lado quem seria?
– É injusto fazer uma escolha dessas, não posso fazê-lo. Há muitos bons centrais portugueses. [Ricardo] Carvalho, [Jorge] Andrade, Couto, são todos excelentes.
– E desta geração mais jovem, destaca alguém?
– Também gosto muito do Cristiano Ronaldo. Vai ser grande, tem tudo para o ser. Já joga há alguns anos no patamar mais alto do futebol e continua a crescer. Só espero que esteja num dia mau quando jogar contra o Inter. Este ano jogámos contra o Sporting e gostei bastante de outro jovem futebolista
– O Nani?
– Não, um do meio-campo, o João Moutinho. Confesso que não o conhecia, mas fiquei fascinado. Tão jovem e já um patrão de uma equipa como o Sporting. Dá tudo em campo, tem visão de jogo, técnica, fiquei visivelmente encantado com ele. Tenho a certeza de que será uma mais-valia para Portugal nos próximos anos e para qualquer outra equipa onde jogar.
– Mas é de Nani que se fala para poder vir a representar o Inter
– Sim, já ouvi rumores. É um jogador diferente de Moutinho, é mais explosivo, tem também grande valor. Se vier para cá será bem-vindo, assim como qualquer outro jogador. E como um dos mais velhos do plantel estou pronto para ajudar os mais jovens.
– O Sporting entrou na sua vida há uns bons anos
– Em 1999, foi quando o meu pai (Giuseppe Materazzi) foi treinar para lá. Esteve pouco tempo, mas é evidente que o Sporting ficará para sempre ligado à nossa família. O meu pai, de vez em quando, também se recorda desses tempos.
– É verdade que poderia ter ido com ele para Alvalade?
– Na altura tinha acabado de sair de uma experiência em Inglaterra, com o Everton, e depois rumei ao Perugia. O meu pai então falou comigo, mostrei que poderia ser uma hipótese a estudar, mas depois não passou daí até porque o meu pai saiu de Portugal logo no início da temporada.
UM COLCHÃO MOLE E DURO (Opinião do jornalista António Tadeia)
Materazzi’, plural de ‘materazzo’, em italiano, quer dizer colchões. E Marco, o mais famoso Materazzi do Mundo, por ter absorvido a cabeçada de Zidane na final do Mundial, assemelha-se à maioria dos colchões porque, diz quem com ele priva, tal como eles, tem dois lados diferentes, um de Inverno e outro de Verão. O primeiro, competitivo, leva-o a protagonizar entradas duríssimas, a lesionar colegas de profissão e a insultar-lhes as mães e as irmãs; o outro, pessoal, é o de um extremoso pai de três filhos, cuja educação acompanha de perto, seja nos momentos mais exigentes, como os trabalhos escolares, seja no tempo de diversão, frente à Playstation ou a viajar pelo Mundo. “Tenho mais internacionalizações na Disneylândia e no Eurodisney que na selecção italiana”, diz.
A capacidade de se transfigurar em campo está no sangue deste filho de treinador: o pai Giuseppe chegou a treinar o Sporting, liderando a equipa nas primeiras jornadas de 1999/00, a época da interrupção do jejum. Marco foi sempre um poço sem fundo de força de vontade, como se viu quando, ainda demasiado jovem para jogar nos sub-12 do Bari, onde o pai trabalhava na altura, se levantava da cama às seis da manhã de domingo para praticar como fiscal-de-linha. A sua paixão pelo futebol era incontornável. Mas o pai, ele próprio ex-centrocampista de méritos duvidosos nas segunda e terceira divisões italianas, não lhe via muito futuro e, um dia, quando treinava a Lazio, disse a um amigo: “O meu filho está a crescer bastante, gosta de basquete… Vês alguma possibilidade de o experimentar?” O amigo viu e Marco foi fazer um teste, superado com à-vontade, mas apenas para depois recusar juntar-se à equipa.
O que Marco queria era jogar futebol e, em 1990, aos 17 anos, fez o primeiro contrato profissional, nos juniores do Messina, cuja equipa principal era treinada pelo pai. A ascensão, contudo, não foi rápida. Passou por várias equipas amadoras, em 1995, já com 22 anos, chegou ao Perugia, da II Divisão. Mas jogava pouco e acabou emprestado ao Carpi, um escalão abaixo. A despromoção acabou por ser boa, porque ali, em meia época, fez sete golos como defesa-central, conheceu a mulher, Daniela – “via os jogos mas só tinha olhos para ele”, lembra ela – e foi chamado de volta ao Perugia, já na Série A. A grande decisão da sua vida, contudo, foi tomada em 1998, quando trocou Itália por uma experiência no Everton. O espírito aventureiro enche-lhe a alma, como se vê quando expressa o desejo de, retirado do futebol, “percorrer o Mundo numa Harley Davidson e com uma autocaravana para levar os miúdos”.
Em Inglaterra, Marco cresceu como futebolista. “Não percebia bem o inglês, logo, não acusava a pressão dos ‘media’, não podia sentir-me mal com o que diziam de mim”, afirmou, como que a justificar o sucesso na Premier League e o regresso ao Perugia como estrela da companhia. A ponto de, com os doze golos que fez em 2000/01 (recorde na Série A para um defesa) ter chegado à selecção e entrado no plantel do Inter. Aos 27 anos, Marco mostrava que não é preciso ser precoce para ter sucesso. Afinal, a resistência é uma qualidade de qualquer bom colchão.
In: Correio da Manhã
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