Maio é o mês em que se “purifica” o futebol português. É o mês em que, suavemente mas com firmeza, se eliminam as nódoas ressequidas de mais uma competição viciada. Enquanto os campos se enchem do perfume das flores e dos zumbidos das abelhas, o futebol nacional entra num espiral hipócrita, em que se faz de conta que está tudo bem e no final ganha sempre a melhor equipa.
Neste Maio temos os símbolos maiores da corrupção futebolística lusitana a degladiarem-se por um lugar no topo da classificação. Revelam-se podres de ambos os lados, utilizam-se todas as armas (legais ou ilegais) para abater o adversário. Os outros estão longe, bem longe, fruto de uma competição manipulada que alguns querem, cada vez mais, de sentido único. Enquanto uns chafurdam na lama, tapando como podem os seus telhados de vidro, os outros assistem ao avolumar das evidencias de que, afinal de contas, o rei vai nu.
Entretanto, já se começa a ouvir o chilrear de algumas aves de gaiola (leia-se comentadeiros) a iniciarem a evangelização das massas, com os habituais “são estas as melhores equipas em Portugal” ou “os erros afectam todos e no final ganha sempre a melhor equipa”. Como sabem que a memoria do adepto de futebol é curta, arranjam de imediato uma legião de “crentes”.
Essas almas ingénuas, de todos os clubes, esquecem rapidamente que este foi mais um ano do mesmo filme de sempre:
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A nível de arbitragens, o primeiro terço do campeonato foi a roubalheira do costume, beneficiando sempre a mesma equipa. No segundo terço, perante o clamor da injustiça evidente, começa-se a compensar para disfarçar. No ultimo terço do campeonato, os árbitros voltam a ter mão livre para, cirurgicamente, proceder aos ajustes finais;
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A nível de justiça desportiva, o descaramento é total: os mesmos actos, em clubes diferentes, merecem um tratamento totalmente distinto. Um clube domina a seu bel prazer os órgãos de justiça desportiva, sem preocupações com coerência ou mínimo sentido de imparcialidade. O desplante é tal que alguns membros desses órgãos se atrevem a mandar “bocas” e insultar determinados clubes publicamente, com poucas ou nenhumas consequências;
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A nível de imprensa, a subserviência a um clube é quase total, com o código de conduta profissional dos jornalistas a ser, permanentemente, letra morta. A imprensa desportiva em Portugal (e não só) branqueia, distribui propaganda, distorce factos e serve de forma permanente os interesses da cartilha. O jornalismo está transformado numa floresta de Monsanto, onde reina o situacionismo e a clubite aguda.
Estes e outros factores são, lenta mas inexoravelmente, apagados da percepção colectiva durante o mês de Maio. Em breve teremos as celebrações de um novo (ou não) campeão e tudo o que se passou durante a temporada será catalogado de “folclore” ou “irrelevante na definição do vencedor”. Segue-se a feira das transferências que a pausa do Verão traz.
Todos sabemos disto. Com maior ou menor interesse, com maior ou menor detalhe, mas sabemos. No entanto, continuamos a esperar que, num futuro próximo, o filme tenha um final diferente. Outros, mais pragmáticos, insistem que o que nos resta fazer é ser 100 vezes melhores do que os nossos adversários, para que tenhamos alguma hipótese de vencer o que quer que seja. Por fim, existem aqueles, incluindo alguns Sportinguistas, que acreditam que sim, no final vence sempre a equipa que tem mais mérito.
Maio lava mais branco. Expurga todos os pecados do futebol deste jardim á beira-mar plantado. Os que persistem em manter a memoria intacta são confrontados com um dilema cíclico: será que para o ano vai ser diferente?