Hoje na bola surge uma interessante entrevista com o nosso Ex:Treinador José Peseiro.
Tem factos importantes que até agora penso que nunca foram relatados.
Liedson foi o jogador que mais marcou Peseiro em Alvalalde; o treinador não se arrepende de ter colocado Rogério a meio-campo na final da Taça UEFA; explica com recursos limitados o facto de a equipa numa semana ter perdido competição europeia e título nacional. Leia as respostas de Peseiro aos leitores de A BOLA online.
- Pergunta: Na sua passagem pelo Sporting, conseguiu colocar a equipa a jogar um futebol espectacular, com muitos golos, e acaba perdendo o campeonato numa jogada. Gostaria de saber se já pensou como teria sido a sua carreira, o que teria feito posteriormente, as portas que se abririam, se o Ricardo tivesse ganho aquela bola ao Luisão?
Márcio Neto
25 anos
Água Longa
Benfica
A minha carreira teria sido diferente, seguramente. Hoje, eu posso dizer que, nessa altura, fui sondado por um clube importante da Premiership, histórico, tradicional do futebol inglês, para me transferir, no final dessa época para Inglaterra. Isso teria transformado a minha carreira em algo diferente do que tem sido. E claro, seria um treinador vencedor de uma competição europeia e isso muda o currículo de um treinador. Porém, devo dizer que não me envergonho, pelo contrário, do que tenho conseguido, pois tenho tido a felicidade de treinar clubes importantes dos respectivos países. De todas as situações, tenho saído enriquecido. Tenho construído uma carreira bonita, honesta e de valor.
- É verdade que se desentendeu com Polga na semana que antecedeu o jogo da final da Taça UEFA, daí ele não ter sido titular? E qual o melhor jogador que treinou no Sporting?
Tomás Faustino
16 anos
Caniço (Madeira)
Sporting
– Não é verdade que tenha tido algum desentendimento com o Polga antes da final da Taça UEFA. Ele não jogou por opção minha e era para isso que me pagavam, para tomar decisões. Essa foi apenas uma de muitas decisões que tive de tomar, enquanto treinador principal do Sporting. Quanto à outra parte da pergunta, não posso responder de forma tão minimalista e escolher apenas um jogador. Claro que o Liedson, pelos golos que marcou e pela época extraordinária que completou. Mas não passo uma esponja sobre a qualidade de outros grandes jogadores que tinha no plantel do Sporting, como o Pedro Barbosa, o Hugo Viana, o Carlos Martins e o Rochemback, que fez, nesse ano, a sua melhor época de sempre no futebol europeu. Mas era uma equipa que tinha um grande valor colectivo, onde muitos jogadores acabaram por realizar as suas melhores épocas de sempre, como o Miguel Garcia, o Enakharire, o Custódio, o Douala. É fácil constatar isto, percebendo o que foram as carreiras destes jogadores, depois dessa época maravilhosa que construímos em conjunto no Sporting.
De que se arrepende mais hoje, ao pensar na final da Taça UEFA? De colocar o Enakarhire a defesa direito, apesar debilitado, ou o Rogério a médio centro?
Cláudio Afonso
25 anos
Geraz do Lima
Sporting
– Começo por precisar que o Enakharire não foi lateral direito nesse jogo. Foi defesa central, tendo jogado o Miguel Garcia como lateral direito, o que era quase uma obrigação, depois de nos ter apurado para a final, com o golo que marcou na Holanda. Curiosamente, o Rogério jogou como médio centro e um conjunto de incidências do jogo deram-nos razão, já que foi o Rogério que marcou o golo do Sporting e foi também ele que rematou a bola ao poste da baliza do CSKA, quando já perdíamos por 2-1. Portanto, não posso dizer que me arrependo de ter decidido assim, até porque continuo a considerar que o que mais influenciou o resultado da final da Taça UEFA, foi não termos conseguido suplantar emocionalmente a derrota com o Benfica, quatro dias antes. O Sporting começou a perder a final da Taça UEFA, quando perdeu, ingloriamente, o jogo com o Benfica. Ainda marcámos primeiro, mas não conseguimos reagir de forma serena e inteligente ao golo do empate.
Pergunta: Recordando aquela semana decisiva de 2004, o que mudava em relação ao que foi feito se pudesse voltar atrás no tempo?
José Vasco
23 anos
Lisboa
Sporting
– Não mudaria nada de substancial naquela semana. Onde entendo que talvez tenhamos errado, foi, não abdicar de uma competição em detrimento de outra, dada a limitação de recursos e o consequente desgaste a que o plantel se submeteu.Perdemos, durante a época, pontos no campeonato, em momentos que arriscámos na composição da respectiva equipa, porque estávamos firmes na convicção de que podíamos vencer as duas competições. Se tivéssemos tido a coragem ou a lucidez de escolher a Liga para vencer, creio que o conseguiríamos, dado que não teríamos perdido, pelo caminho, alguns pontos que nos fizeram falta no final do campeonato. Teríamos sido campeões, não tenho dúvidas. Face aos recursos que tínhamos disponíveis, devíamos ter estabelecido prioridades. Assim como poderíamos ter abdicado da luta pela Liga, para nos concentrarmos na Taça UEFA.
- O que se passou no Sporting naquele final de época que podia ganhar tudo e não ganhou nada?
Miguel Caseiro
26 anos
Lombo
FC Porto
– O que se passou é que tínhamos poucos recursos para, como disse, jogar nos dois tabuleiros. Ganhar a Liga e a Taça UEFA, foi um erro, que assumimos com convicção e porque sentimos que teria sido importante para o relançamento da imagem do Sporting na Europa, vencer a competição europeia. Mas, analisando as coisas à distância, o plantel do Sporting não tinha homogeneidade suficiente, em termos de qualidade, que permitisse estar nas duas competições de uma forma homogénea. Especialmente no campeonato, fizemos algumas cedências, que se revelaram, no final da época, fatídicas para as nossas aspirações. Mas devo enaltecer o trabalho de todos os jogadores, porque tiveram um comportamento épico, sempre a treinar e a jogar nos limites. E, claro, a sorte também nos virou completamente as costas em dois momentos cruciais da época, depois de tanto stress, de tanto desgaste. A derrota na Luz fez-nos muito mal, a final da Taça UEFA já chegou num momento de grande desgaste físico e anímico dos jogadores e da equipa. Mesmo assim estivemos a seis minutos de ser campeões e na final da UEFA estivemos a um centímetro de empatar de novo o jogo, com o remate de Rogério ao poste. Acho que não nos fica mal reconhecer que nos faltou uma pontinha de sorte, para fazer história no Sporting e no futebol português.
Acha que foi tratado de forma injusta pelos adeptos e pelo clube , atendendo á excelente prestação na Taça UEFA e à qualidade de jogo apresentada?
David João Balseiro
16 anos
Aveiro
Sporting
- Quando saí do Sporting, senti que as pessoas foram injustas. Com a experiência que acumulei, entretanto, desde que deixei o Sporting e Portugal, comecei a ver as coisas de outra forma, mais fria, menos emocional e mais racional. Não quero falar de injustiças. Nesta altura, mais do que sentir-me injustiçado, sinto o conforto de olhar para trás e verificar que, com os recursos limitados que tínhamos, o Sporting, naquela época, praticou o futebol de melhor qualidade dos últimos anos e conseguiu estar numa final europeia. E não era uma final qualquer, porque a final disputava-se no nosso estádio. E isso criou-nos uma maior responsabilidade, porque seria histórico para o Sporting vencer uma competição europeia em casa, no seu estádio. Também por isso, não fomos capazes de abdicar de vencer a Taça UEFA, com todas as implicações que isso teve na luta pela Liga. Em alguns jogos do campeonato, abdicamos de jogar com a equipa normalmente titular, de modo a que nos conseguíssemos manter na luta pela conquista da Taça UEFA. Recordo, por exemplo, o jogo em que perdemos em Alvalade com o Penafiel, antes de jogarmos com o Middlesbrough, em que deixamos de fora seis titulares da equipa. E isto aconteceu mais algumas vezes, noutros jogos do campeonato, que poderíamos ter vencido, se não tivéssemos tomado a decisão de deixar alguns dos nossos jogadores titulares de fora. Teríamos ganho o campeonato, mas provavelmente não teríamos chegado à final da Taça UEFA, que sempre foi também um objectivo nosso. Desde o dia da nossa apresentação no Clube.
Depois dos insucessos de final da época no Sporting, as suas equipas são, hoje, mais cautelosas ou continua a acreditar que se deve privilegiar o espectáculo, em detrimento do jogo menos vistoso e mais “defensivo”?
Rui Silva
39 anos
Vila de Arões, Fafe
Sporting
– A minha personalidade mantém-se, não se alterou. As minhas equipas não têm dupla personalidade. Eu gosto e defendo o espectáculo. Na minha opinião se um treinador renuncia ao espectáculo está, de alguma forma, a renunciar ao futebol, à sua essência. Mantenho as minhas convicções e sobretudo a ideia de que jogando bem estaremos sempre mais perto da vitória. Para mim, não há outro caminho. É para mim impossível fugir à minha matriz de futebol-espectáculo. Não foi por dar espectáculo, por ser uma equipa ofensiva, que o Sporting perdeu o campeonato e a Taça UEFA. Pelo contrário, foi porque jogava um futebol bonito que o Sporting chegou a duas semanas do final da época, em condições de vencer o campeonato e a competição europeia. Não teria sido possível lá chegar sem jogar bom futebol. No entanto, tenho de afirmar que, como treinador, tento encontrar novas soluções, individuais e colectivas, que permitam tornar as minhas equipas mais eficazes, sobretudo nos momentos em que não tem a bola, que foi uma das lacunas que o Sporting apresentou, nessa altura. Mas atenção, pretendo que as minhas equipas sejam mais fortes defensivamente, sem perder a ofensividade e a espectacularidade que tanto gosto.
Já há alguns anos no estrangeiro, o regresso a Portugal não é algo que esteja no seu horizonte a curto prazo? Qual o clube que lhe deu mais “prazer” treinar?
Bruno Paiva
18 anos
Amarante
– Como digo, o meu regresso está a ser preparado com tempo e sem urgências. Voltarei ao futebol português, um dia, mas sem precipitações. Não tenho nenhuma data na cabeça, acontecerá quando tiver de acontecer. Em relação à segunda parte da pergunta, devo admitir que consegui extrair grande prazer de treinar, por todos os clubes por onde passei. As experiências por que passei deram-me a possibilidade de conhecer melhor o jogo e as suas diferentes realidades. E, além de treinador, eu tenho um lado muito apurado de viajante. Gosto de viajar, interesso-me pela cultura, pela tradição dos países em que vivo e isso motiva-me para os meus desafios profissionais. Claro que o Sporting, insisto, pela final europeia, pelo campeonato que estivemos muito perto de vencer, foi um projecto intenso para mim e uma memória especial. Mas também as últimas semanas em Bucareste, vivendo situações dramáticas de jogadores expulsos de suas casas, porque não tinham dinheiro para pagar as suas rendas, para alimentar as suas famílias, foram inesquecíveis. Até porque, em situação tão deteriorada, conseguimos não perder um único dos nossos últimos dez jogos. Foi uma experiência, humanamente rica e difícil e desportivamente épica.
Qual a sua opinião sobre João Moutinho? Surpreendeu-o que tivesse querido deixar o Sporting para jogar no FC Porto? E surpreendeu-o a pressão que fez para sair?
Sara Meneses
21 anos
Funchal
– Não vou deitar mais achas para a fogueira. É um assunto sensível da actualidade, porque ninguém estava à espera de uma transferência destas. Trata-se de um excelente jogador, a quem dei a oportunidade de se estrear na equipa principal do Sporting. Quanto à alegada pressão que o jogador exerceu para sair do clube, para lhe responder com total clareza, seria necessário conhecer todos os pormenores da história e não apenas aqueles que conhecemos pela comunicação social. Só assim, conhecendo toda a historia é que seria possível estabelecer um juízo correcto e conhecedor.
João Moutinho saiu do Sporting acusado pelo presidente. Enquanto esteve no Sporting, também detectou maçãs podres no balneário? Quais?
Luís Mota
25 anos
Almada
Benfica
– Não sei o que são maçãs podres num balneário de futebol. O que sei é que um plantel é um conjunto heterogéneo de jogadores, de personalidades, de culturas, etc…. E diferentes contextos, diferentes culturas apontam para diferentes personalidades, de que resultam diferentes comportamentos. Isto é um balneário e é nisto que acredito. Depois, existem contextos, todos diferentes e processos evolutivos. Uns evoluem bem, outros mal. Tudo isto deve ser liderado por uma pessoa, em prol da equipa e do colectivo. É a liderança que estabelece as diferenças e estabelece as regras. Liderar é construir a partir de todas as diferenças individuais existentes, um colectivo forte na perseguição de objectivos comuns. É por isso que o trabalho de um treinador vai muito para além da dimensão táctica, técnica e fisiológica do jogador, tendo de ser também focalizada ao nível das dimensão psico-social e cognitiva. Por tudo isto, é difícil de falar de maçãs podres num balneário. O que existe são comportamentos que resultam de uma série de factores que devem ser dominados por quem lidera.
Estaria alguma vez disponível para voltar a treinar o Sporting?
Diogo Rodrigues
15 anos
Câmara de Lobos
Sporting
– A curto prazo, não creio que existam condições para que esse regresso se torne uma realidade.