Desculparás, mas tenho de rebater alguns pontos que trouxeste à discussão.
É que o rap, é-me demasiado caro e particular, para eu recusar dissecar com maior propriedade alguns pontos.
Tenho mesmo de o fazer.
O estigma não foi criado ou alicerçado por capricho, por simples espontaneidade, ou porque “sim”.
Foram muitos dos jovens que participaram na LKO (nem todos, é certo. Mas muitos) que contribuíram significativamente para que esse estigma fosse alimentado.
É um chavão clássico, mas que importa relembrar: O justo paga pelo pecador.
E se é verdade, que compete aos ouvintes separarem o trigo do joio, não é menos verdade, e desculparás mas não me conseguirás convencer do contrário (não por teimosia ou relutância da minha parte) que uma fatia significativa dos participantes da liga estavam claramente mal preparados.
E o caso ganha contornos escandalosos (ou pelo menos pisca o olho ao embaraço) se atentarmos ao próprio formato da Liga (exportado de lá fora, como sabes). O que é que eu quero dizer com isto? Eu explico.
Não se trata de uma battle rap em jeito de freestyle.
Porque se o fosse, eu daria perfeitamente de barato um dia de menor inspiração.
Porque seria um formato altamente condicionado pela capacidade de improvisação de um rapper.
Agora mesmo admitindo o natural nervosismo, tenhamos a noção que se trata de um formato que legitima/permite uma preparação prévia das rimas.
As rimas podem ser pensadas, estruturadas, analisadas, ponderadas.
Os tropas de qualquer rapper podem dar o seu parecer/feedback positivo ou negativo, permitindo inclusivamente que o mesmo lime algumas “arestas”.
Permite um trabalho prévio, permite maturação, permite complexidade, permite todo o tipo de wordplay que possamos imaginar.
O pessoal pode perfeitamente optar por um estilo mais irónico, mais chillin’, mais “thug”, podem recorrer a todo o tipo de metáforas, a todo o tipo de jogos enigmáticos.
Tudo.
Podem seguir uma linha mais agressiva, podem aprofundar a estratégia que bem entenderem (uma que remexa questões de natureza pessoal, ou uma estratégia que vise essencialmente humilhar o próprio skill do adversário). O que bem entenderem!
Por isso, amigo, não existem desculpas para que baixemos o nível de exigência.
E antes que alguém abrace ou me devolva a ideia preconizada pelo Sam (“estigar é fácil, fazer melhor é que é f.o.d.i.d.o”) ressalvo o óbvio: eu não sou rapper. Sou um hip-hop listener.
E estou disposto a dar oportunidades a novos valores.
Mas é fundamental não baixar o nível de exigência.
O nível do rap game de vários rappers da LKO (não apenas um aqui ou outro acolá. Vários mesmo!) roçou a mediocridade.
Admitamos isso, de uma forma inequívoca.
Antes de um rapper entrar na LKO, na minha opinião deve questionar que tipo de rumo pretende dar ao seu percurso no rap.
Naturalmente que, até mesmo os gajos que se destaquem, correm o risco de ficarem eternamente associados a um formato onde passa/passou pessoal sem níveis mínimos de preparação.
Sem skill.
Como é que eu posso aceitar um nível tão fraco, tão “sem sumo”, por exemplo de um Sillybang, se supostamente (segundo ele próprio) rima desde 2004?!
10 anos.
E eu pego no exemplo do Silly, porque foi um que me lembrei agora. Existem muitos outros.
O nível da LKO, e acredita que não digo isto com prazer ou satisfação pessoal, é infelizmente nivelado por baixo.
Claro que há pessoal com talento, com manifesta qualidade.
Mas o nível médio, é fraco.
Não preciso de dizer " Isto é a minha opinião". Logicamente que é. Sou eu que estou a escrever.
Falando do Young particularmente, ele já rimava [b]muito antes[/b] de participar na LKO, eu acompanhei o trabalho dele desde o inicio embora ele seja muito jovem já rima a cerca de 5/6 anosO próprio Young assumiu publicamente, e está documentado em vídeo, que antes de participar na LKO (basta reveres o vídeo com o Prof) rimava há cerca de 2 anos e meio. Não existem fórmulas, ou tempo concreto/ideal. Mas foram apenas 2 anos e meio. Na altura (e isto foi há coisa de 1 ano e tal. Não foi propriamente há 5, 7, 8, 9 anos) o Young tinha 18 anos e rimava apenas há um par de anos. Se leste o que escrevi inicialmente, eu próprio tive o cuidado de ressalvar que noto uma clara vontade do Young em elevar o seu rap. Nota-se uma evolução, nota-se trabalho. Contudo, e isto é um mero exemplo, até porque não vou perder muito tempo a falar do Young (ele terá que trilhar o seu caminho primeiro), se reparares na transição de versos, do final de uma rima para o início de outra, o Young frequentemente não "respeita" os timings da sua própria respiração, acabando por originar um barulho inacreditável (para quem ouve com phones sobretudo) sempre que ele necessita de "caixa". Sempre que ele precisa de mais ar, porque se prepara para atacar barras num estilo de fast-rap. Ora, estas questões podem ser controladas no próprio processo de masterização de uma track. Os próprios decibéis naqueles exactos centésimos de segundo que antecedem uma rima em fast-rap, são claros em qualquer editor de áudio. Eu sei que isto é um "pormenor" de m.e.r.d.a para muitos. Mas faz toda a diferença para quem ouve. E são estes pormenores, estas pequenas pedras, são os rappers/artistas que têm cuidado com estes preciosismos, que conseguem ameaçar a perfeição. Porque a procuram. Conheço alguns putos de 17, 18, 19 anos que desde sempre que têm essa preocupação.
Por outro lado também existem (na esmagada maioria) rappers que são sobrevalorizado na LKO, quando a maior parte de deles nem tem grande qualidade.
Concordo. Já o disse. Mas aí a responsabilidade é de “todos”.
Existe uma masturbação colectiva que é em muitos casos precoce, e depois origina o endeusamento de simples…mortais.
[b] muito dos ouvintes não percebem as técnicas de escrita que os rappers utilizam[/b], o que torna ainda mais difícil perceber de rap. [b]É o mesmo que estar a ler Fernando Pessoa e não saber o que são recursos estilísticos, obviamente nunca vais conseguir valorizar a obra do autor na totalidade.[/b]É uma observação pertinente. Mas apenas ofereceste a cara da moeda. Falta a coroa. Não são apenas muitos ouvintes que não percebem as técnicas de escrita que os rappers utilizam, ou não percebem de recursos estilísticos. Os próprios rappers, têm de se instruir. E quando digo instruir, não estou a dizer que têm de tirar um curso superior. Se reparares, quase todos os rappers que têm um jogo inteligente de palavras, complexidade, profundidade, são rappers que mergulharam durante anos em livros. Mesmo aqueles que vêm/vieram de ambientes pesados, como é o caso do Kool G Rap, Big Daddy Kane, KRS-One. O facto de um rapper ser oriundo de bairros problemáticos, de não querer ou não ter possibilidade para estudar, não impede que cultive o gosto pelo domínio das palavras, dos sons, dos significados. Estás a atentar à dificuldade que os ouvintes têm em perceber algumas técnicas de rap, e o que não falta na tuga, são gajos que utilizam o "mais boas" no lugar de "melhores". E sim, muitos desses gajos, têm um mic na mão. Qualquer rapper pode recorrer ao [i]slang[/i], sem perder a noção de uma contínua evolução. Ou num exemplo conhecido, se quiseres, a "thug life" e eterna mentalidade "F.u.c.k the Police" do 2pac, nunca impediu que ele próprio buscasse um conhecimento progressivo.
[b]O Valete não lança nada ha bastante tempo, está a quase 10 anos pra lançar um album lol,[/b] os ultimos sons que lançou, excepto "Mulheres da minha vida", são de baixa/razoável qualidade,[b] e mesmo assim está sempre a dar concertos[/b], é esse tipo de sobrevalorização e monopolização do raptuga que eu critico.
Até sou capaz de concordar com esta ideia. Não exactamente da maneira como dizes, até porque o teu “lol” já soa a estiga ao próprio Valete, mas pelo menos o sentido que pretendes dar, consigo entendê-lo.
Mas atenção! Esta tua observação denuncia o outro lado do rap. Do rap, da ciência, do futebol. De tudo.
Se há quem valoriza de imediato alguém que ainda não o fez por merecer, também há quem transforme um peão num rei, e um rei num peão, num abrir e fechar de olhos.
Repara que momentos antes, enfatizaste o cuidado que o Young tem tido em não lançar coisas “à toa”.
Mas agora questionas a maturação do Valete.
Questionas o facto dele não lançar nada.
Como se ele fosse obrigado a lançar algo de 2 em 2 anos. Ou de 4 em 4. Ou de 7 em 7.
Mais do que isso, até: elogias imenso o Young, e questionas a qualidade dos mais recentes trabalhos do Valete.
Como se os mais recentes trabalhos do Young, fossem superiores aos mais recentes trabalhos/colaborações do Keidje.
Se me permites, e pensando no contexto nacional (transportando a realidade actual do rap nacional e do futebol nacional. E neste exemplo, porventura, até já estarei a ser excessivamente simpático) uma boa exibição do Licá, não significa que seja melhor ou mais produtiva do que uma exibição cinzenta ou pouco conseguida do Nani ou do Cristiano.
Não te podes deixar trair pelas inacreditáveis expectativas e margens de erro que, inconscientemente, atribuis a cada um.
O Valete atingiu um estatuto em que já não pode correr o risco de lançar apenas uma coisa “fixe” ou “interessantezinha”.
O mesmo se aplica ao Sam The Kid.
É um paralelismo perigoso, mas estabeleço-o na mesma: Toma o exemplo do Dr Dre.
Que sempre o considerarei mais como beatmaker/producer do que rapper.
Até porque na parte da escrita sempre teve um arsenal de ghost writers.
Achas que o Dre, se quisesse, ao longo destes anos, não tinha material de suficiente qualidade, para “f.o.d.e.r” por completo os tops dos States e do Reino unido?
Nem que, no limite, lançasse um cd tendo como base fundamentalmente colaborações.
Que rapper é que recusaria (o Eazy-E. Mas já não está entre nós) participar num projecto do Dre?
Só que o Dre não quis.
Padronizou uma fasquia para si próprio, com proporções colossais, que acabou sempre por ficar eternamente insatisfeito consigo mesmo.
O Valete corre esse sério risco.
Repara que o Valete não dá concertos…apenas “porque sim”.
Dá concertos porque tem público. Porque há pessoas que querem ouvir.
É algo “deprimente” percebermos que um universo de “groupies” se contenta sempre com os mesmos clássicos do Educação Visual ou de um par de músicas do Serviço Público?
É. Sou capaz de concordar contigo.
Mas o Valete dá concertos…porque enche discotecas, pequenas festas, ou espectáculos promovidos por uma determinada Camara municipal, ou associação de estudantes de uma qualquer faculdade.
Isto não tem a ver exclusivamente, como pretendes fazer crer, com monopolização.
Valete teve que começar do zero. Repara no caminho que o Valete teve de percorrer, para ganhar o “estatuto” que agora tem.
Não esqueçamos que o Valete terá os seus 30 e tal anos.
É algo redutor, ou limitador, construíres uma narrativa que aponte para uma espécie de fabricação e respectiva manutenção de um suposto elitismo no rap nacional, quando Sam, Valete (apenas para dar alguns exemplos) tiveram que “partir pedra” para alcançarem o posto que agora têm.
[b]Infelizmente os ouvintes de HH tuga ainda não tem maturidade suficiente para ouvir rap pouco convencional, um rap mais complexo e mais pensativo[/b], [b]em que tens que repetir a track 5/6 vezes para perceberes o sentido da musica, o pessoal quer é cenas mais simples e básicas em que se entende tudo á primeira[/b].Cá está. É crónico. Já o disse. Tens de contrariar isso. Na minha opinião, estás demasiado refém da mentalidade " eu é que procuro cenas com complexidade. Com profundidade". "Os outros só querem mainstream. Só ouvem o rap da moda. Só ouvem pop. Eu é que privilegio o brilhantismo". "Na tuga, só se aplaude o fácil". Repito as vezes que forem necessárias. É uma mentalidade que impede o total crescimento do rap. Cada um de "nós" julga sempre que sabe mais do que o outro. Já tive mais essa mania. Não caias nesse exercício falível. O de pensares que percebes mais do que o X ou Y. Eu sinto-me absolutamente confortável para falar de rap. Seja ele nacional, norte-americano etc etc. Dentro do rap norte-americano, até me sentirei confortável para me debruçar sobre os diferentes estados. Não os 50, claro. Mas já perdi um pouco essa mania de achar que os outros só gostam de "Souldjaboy" e "eu é que escuto rimas estruturadas e inteligentes". Repara no perigo de uma análise superficial: A partir do momento que tu elogias/elogiaste imenso um rapper em quem eu não revejo grande potencial, eu podia facilmente precipitar-me e retirar conclusões erradas sobre os teus gostos, ou sobre o teu nível de exigência no mundo do rap. Mas não farei isso. Cada um ouve o que bem entender. E dentro do espectro do rap, há espaço para tudo. Não sou hipócrita: tanto posso ouvir num dia rap mais consciente, como no dia imediatamente a seguir incorporar um espírito "Bitches will be bitches". Tento não me tornar refém de "etiquetas". Aliás, nesse aspecto, sou muito open minded. Hoje posso escutar rap, amanhã rock, depois de amanhã uma banda sonora do Hans Zimmer, no dia seguinte uma sinfonia clássica e por aí fora. Um pouco isto.
P.S: Conflito Israelo-Palestiniano, promiscuidade da banca à escala mundial, assimetrias sociais. Nunca os rappers da tuga tiveram tanto material para dissertar.
Não me f.o.d.a.m.
Esforcem-se.
Warup! I’m out. Quase 4.