Percorrendo os tópicos sobre os jogos da Taça da Liga, abundam refrências depreciativas à competição, classificando-a como sem interesse ou arranjando-lhe epítetos coloridos como “cervejolas cup”, “taça da treta” ou “taça de lata”. É verdade que um formato bizarro e a negligência na elaboração do regulamento não ajudam à implementação de uma nova competição. Mas será que a Taça da Liga merece tanta desconsideração?
Eu acho que não. E acho que tanto desdém resulta muito mais de um preconceito conservador do que propriamente de uma avaliação justa do valor da competição.
A verdade é que o futebol (profissional e não-profissional) em Portugal confronta-se hoje com um problema fundamental: a falta de público. Não é de agora, remonta ao início da década de 90, mas sente-se como nunca e está a atingir até os “grandes” - vide as quebras acentuadas de assistências em Alvalade ou na Luz.
Claro que vários factores contribuem para esse problema. Os mais relevantes serão o preço exorbitante dos bilhetes, os horários erráticos, a overdose de jogos transmitidos na TV e a crescente incapacidade de os clubes reterem os seus melhores jogadores face ao assédio de equipas estrangeiras – algo que é uma novidade para os clubes médios e pequenos.
Mas um outro factor não pode ser ignorado: a falta de interesse da maior parte dos jogos do campeonato. Com excepção dos derbies locais, clássicos e das visitas dos “grandes”, os estádios passam a época muito abaixo da sua capacidade. Mas faça-se um fast forward para o final da época e tudo muda! Os adeptos mobilizam-se e enchem os estádios para os jogos que podem decidir o título, a Europa ou a despromoção – razão pela qual a última jornada é habitualmente aquela em que se registam as melhores assistências do ano. Isto faz cair por terra a ideia de que é a “qualidade” (o que quer que isso seja) do “espectáculo” - não é a “qualidade”, é o sentir-se que está qualquer coisa em jogo que leva as pessoas ao estádio.
Ora o formato campeonato é um desastre deste ponto de vista, pois há demasiado jogos em que se tem a percepção de que nada se decide – uns porque o fim da época está muito longe e se sente que não é a vitória ou a derrota naquele jogo em especial que vai fazer a diferença, outros porque de facto o destino da equipa já está traçado, seja por já se ter alcançado os objectivos, seja por já não se ter qualquer hipótese de os alcançar.
Isto não era um problema até ao início da década de 90, quando havia rotinas de ida à bola. Pouco interessava se o jogo era um derby decisivo ou uma partida com o último no final de uma época perdida: Domingo era dia de futebol, as três da tarde a hora sagrada para estar no estádio e ponto final. Mas com os horários erráticos, estas rotinas desapareceram e ir a cada jogo deixou de ser um hábito e passou a ser uma decisão ponderada.
Por isso, para chamar de volta os adeptos, os clubes precisam de mais jogos em que haja qualquer coisa em jogo que atraia o público. Ora a última jornada do campeonato não se pode multiplicar, pelo que são precisas outras competições que ofereçam esses momentos decisivos. E as competições a eliminar são especialmente talhadas para isto – cada eliminatória é um frente-a-frente, em que um e só um passa à fase seguinte. Faz assim todo o sentido reduzir o número de jogos do campeonato – via redução de equipas – para diminuir o número de jogos – esses sim – sem interesse e permitir que se joguem mais jogos de taças. E faz também todo sentido que haja mais do que uma Taça, para que não haja muitos casos de clubes que cheguem a Janeiro já sem nada para jogar. Daí a Taça da Liga.
Na verdade, a Taça da Liga não só já proporcionou momentos inesquecíveis (para o bem e para o mal, como se viu na final do ano passado) como até já teve impactos consideráveis no futebol português, pois: (a) provou que se podia alterar os modelos competitivos, o que tem levado a consideração sérias sobre a organização competitiva da modalidade em Portugal (a última é a extinção da III Divisão Nacional, que há muito se impunha) (b) a introdução das figuras do patrocinador e do prize-money e de venda dos direitos televisivos convenceram até dinossáurica FPF a mexer-se e adoptá-los para a Taça de Portugal – coisa que já devia ter feito há década e meia. Só por isso, já terá valido a pena.
Isto não quer dizer que a competição seja perfeita. Precisava de um regulamento a sério e de um figurino mais simples. Eu sugeriria uma fase de grupos, a decorrer de Agosto a Novembro, com jogos em casa e fora para as equipas que não se qualificaram para as competições europeias. Em Dezembro, iniciavam-se as eliminatórias já com a presença dos “europeus”: duas ou três a duas mãos mais a final em jogo único. E é tudo. Parece-me uma receita para o sucesso.
É difícil argumentar com discurso conservador do “tudo o que é novo é mau” - excepto apontar que o que existe não é propriamente grande coisa… E há também os irredutíveis do campeonato, que acham que tudo o resto não tem qualquer valor. Claro que o campeonato será sempre a prova mais importante – mas há uma diferença considerável entre “mais importante” e “única coisa que interessa”.
Por isso, não ser que sejam adeptos do Porto afogados em títulos, não estou a ver qual o fundamento do desdém pela Taça da Liga. Se são do Sporting ou do Benfica, os títulos nacionais séniores não têm exactamente abundado nas duas últimas décadas para que possam esnobar uma Taça da Liga – mentalidades competitivas e vitoriosas nascem de se lutar pela vitória em qualquer parte e em qualquer competição. E se são de outros clubes mais pequenos, a Taça da Liga é uma oportunidade única de glória - além de que o prize-money pode ser uma enorme ajuda para equilibrar o orçamento no final da época. Assim, que tal darem uma oportunidade à Taça da Liga?