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S.A. - Considera fundamental o treino para a organização e gestão do grupo, ou a gestão funciona à parte do treino? Se é no treino em que trabalha os princípios que define quais os jogadores a utilizar? A organização da equipa acontece só do trabalho realizado no treino, ou conversa com os jogadores extra treino, por exemplo. Tem tudo a ver com os princípios de jogo, com o trabalho no terreno em si?
Domingos - Claro. Eu quando aqui cheguei, passei a minha forma de pensar, a minha forma de querer, o meu modelo de jogo, a forma como quero que os meus jogadores pensem e é evidente que depois passo isso tudo para o campo. Na prática, a minha informação é sempre no sentido da forma que quero que a equipa jogue. Isso, depois complementa também o trabalho, depois da prática complemento, até mesmo nos próprios jogos. Antes dos jogos a minha informação é sempre no mesmo sentido, como eu quero que a minha equipa jogue, alterando um ou outro determinado aspecto em função do adversário, mas os princípios de jogo estão sempre lá. Portanto, não mudo porque acho que a minha equipa e a minha forma de pensar, como quero que a minha equipa jogue é… prefiro que seja o adversário a jogar em função da minha equipa do que a minha equipa a jogar em função do adversário.
S.A. - Em relação à gestão e preparação do grupo de trabalho é efectuada tendo em consideração, o jogo, o jogo seguinte, o adversário, ou o tipo de competição? Por exemplo, na taça de Portugal existe uma preocupação diferente em termos de trabalho, ou é sempre um processo contínuo…
Domingos - É um processo contínuo… é um processo contínuo…
S.A. - Mantém sempre a mesma linha de pensamento?
Domingos - É um processo contínuo porque não mudo em nada a minha forma de trabalhar e acredito sempre no trabalho que faço. Agora não é por ser uma competição diferente que vou mudar. É como lhe dizia, há determinados aspectos em que vai haver uma preocupação maior, se jogamos com uma equipa…
S.A. - É o lado estratégico do jogo…
Domingos - O lado mais estratégico, por isso é que eu digo, só mesmo nesse sentido é que poderá haver uma preocupação, de resto é tudo igual.
S.A. - Pensa existir jogadores dos quais não pode prescindir a não ser por lesões, castigos devido à sua importância na equipa? Jogadores fundamentais que, mesmo estando “cansados”, que vão acumulando muitos jogos, jogadores fundamentais…
Domingos - Sim, sim, sim… Eu acho que em qualquer equipa há sempre, quatro, cinco jogadores que é a estrutura, que são a base. Realmente são aqueles jogadores que transmitem desde uma concentração… são jogadores que há partida habituam-nos a uma forma de trabalho, mesmo durante a semana, que não têm oscilações, e mesmo no próprio jogo também não. Portanto, esses jogadores são sempre influentes numa equipa. No fundo acabam por ser aqueles jogadores mais regulares. Nota-se quando um jogador é regular, quando consegue eventualmente manter uma regularidade tão grande que temos muito mais facilidade… vamos mexendo numa ou noutra pedra, mas nunca mexe naqueles. Agora, a gestão é de quatro, cinco jogadores, quatro, cinco jogadores, nunca mais do que isso.
S.A. - Sendo assim, pensa que, em termos de recuperação, devemos ter uma maior preocupação com esses jogadores no processo de treino?
Domingos - Há sempre um certo cuidado. Por exemplo, a este nível não há tanta preocupação porque se joga domingo a domingo. Em termos de recuperação não existem maiores preocupações, é normal para todos, é dentro do mesmo padrão. Agora quando é uma equipa, ou melhor, como aconteceu quando jogador, em que realmente havia jogos domingo/quarta, domingo/quarta, é natural que haja um certo cuidado, porque há jogadores que não podem treinar e recuperar para jogar.
S.A. - Esse tipo de treino considera importante fazê-lo por grupos, incluindo os jogadores em grupos? Ou então deverá acontecer individualmente, estando separados dos restantes colegas?
Domingos - Em grupos. Ou seja, há determinados exercícios onde vai ser… por exemplo, um exercício de força técnica, em que a bola… ele está numa situação de trocar a bola, de apoio do que mais propriamente em esforço. Portanto está sempre inserido num grupo. Num exercício em que há quatro séries ele faz duas, por exemplo faz metade, há sempre essa preocupação.
S.A. - (Mais pela experiência como jogador) Quando existiam jogos pela selecção, no caso de jogar na selecção, o trabalho a realizar no treino deveria ser diferente do restante grupo? Ou estar integrado no grupo, mas gerindo o esforço de forma diferente?
Domingos - Sempre integrado no grupo e fazer a gestão dele a partir daí. É como dizia, acho que não se deve desintegrar de forma nenhuma na minha forma de pensar porque é assim… (Pequena interrupção na entrevista para o treinador Domingos Paciência ir falar com dois dos seus jogadores)
S.A. - Em relação aos dias de descanso, pensa que existe um número ideal de dias? Ou três dias, como refere Bangsbo “três dias de descanso é o mínimo mas também existem jogadores que não recuperam em três dias”.
Domingos - Depende, depende… eu acho que dia e meio o suficiente. Agora depende muito do trabalho que se faz. Porque é assim, a minha forma de trabalhar é: por exemplo, treino logo a seguir ao jogo de maneira a que recupere. Realizo uma recuperação activa daqueles que jogaram e depois é também preciso tentar equilibrar os que não jogaram. Porque, os que não jogaram treinam para não terem um período tão largo de descanso. Desta forma treinam, para poderem estar mais ou menos quanto possível, ao nível dos outros, dando-lhe também algum ritmo competitivo como quero que aconteça, o mais rápido possível. Na terça-feira faz-se a folga para toda a gente. Na quarta-feira já se volta, e é o treino mais exigente, onde se faz um trabalho mais exigente. Depois na quinta já se faz um trabalho mais em termos de resistência. Na sexta um trabalho à base de velocidade, onde o volume também comece a baixar. Portanto, de forma a quando chegar o dia principal, o domingo, que é o jogo. Acho que se deve treinar de maneira a que se chegue ao jogo com os jogadores no máximo da sua recuperação. Portanto, o jogo é o dia principal, e como tal há que trabalhar durante a semana de maneira a que cheguem ao dia do jogo e que se sintam bem. No fundo o meu trabalho é mesmo esse, é fazer com que durante a semana haja um pico onde realmente atinjam o máximo e depois a partir daí desce até chegarem ao jogo, estando ai totalmente recuperados para o mesmo.
S.A. - Também tem em consideração a recuperação da “fadiga psicológica”?
Domingos - Sim…
S.A. - Nos exercícios em si? Tem a preocupação de recuperar a fadiga psicológica só nos exercícios ou também conversa com os jogadores para saber se eles estão bem ou não?
Domingos - É assim, o aspecto psicológico é muito importante e nos meus treinos está sempre inserido, é uma preocupação constante. Os meus treinos começam sempre de uma forma onde é preciso que os jogadores se levantem e tenham prazer em vir fazer aquilo que fazem. Portanto, logo no início do treino vejo como é que eles estão, e procuro colocá-los no primeiro exercício com um nível máximo de concentração. Isto acontece para que eles consigam estar motivados para treinar, logo no primeiro exercício vê-se quem é que está motivado e quem não está. E depois, ai há uma gestão, há uma conversa individual, “o que é que se passa contigo? O que é que tens?”, para lhe chamar a atenção, porque não estava inserido no trabalho. Isso é uma preocupação que a gente vê logo. Pouco a pouco, vamos conhecendo os jogadores, para que o treinador fique a conhecer a forma de pensar daquele jogador, como é a sua forma de trabalhar. Portanto, há uma preocupação individual também, funcionando aí o aspecto psicológico de maneira a que recupere o mais rápido e se faça ver que algo está mal.
S.A. - (Uma vez mais, na sua experiência como jogador) Tendo em consideração as equipas com que normalmente vai jogar, desgaste da competição anterior ponderava ser importante utilizar a rotatividade como meio de recuperação? No caso de ter jogo domingo/quarta, a rotatividade era importante ser vista como uma forma de recuperação?
Domingos - Não… eu acho que não. Porque, primeiro, penso que um jogador tem de estar preparado para jogar domingo/quarta. É evidente que durante o ano não acontece sempre domingo/quarta, domingo/quarta, só uma vez ou outra, como me aconteceu como jogador. Aí só vejo que não se treina, recupera-se para jogar. A rotatividade… é evidente que pode haver situações em que acho que exista jogadores que estão em sobretreino, aí sim tem-se que ter esse cuidado. Pessoalmente, há situações em que podemos pensar numa rotatividade, agora não sou muito de alterar, dar oportunidades, tirar um jogador, um elemento, que neste momento até está bem e por outro para dar oportunidades. Não sou muito a favor dessas alterações. Sou daqueles que penso que uma boa gestão em termos de trabalho, em termos de treino consegue ter os jogadores sempre 100% disponíveis para jogar, e é assim que penso.
S.A. - Nas equipas de rendimento superior, nas equipas que querem alcançar todos os títulos. Equipas que estão na UEFA, estão na liga dos campeões, no campeonato, que querem ganhar as três competições. Considera ser fundamental durante o ano utilizar rotatividade nessas equipas?
Domingos - Ai considero. Tive a felicidade de poder estar numa equipa de top e saber que isso acontecia. Mas ai estamos a falar de equipas que têm 24 jogadores todos ao mesmo nível, ai já não diria que é a rotatividade…
S.A. - Então a qualidade de jogadores é muito importante nessas equipas?
Domingos - É evidente que a qualidade de jogadores numa equipa dessas é muito importante. Numa equipa que tenha outros objectivos, como é o caso do Leiria, é evidente que há uns melhores que outro. É natural que a rotatividade não possa ser feita.
S.A. - Mas, mesmo assim não concorda que no Leiria a rotatividade aconteça? Apesar de ter um jogo por semana, a rotatividade é importante nem que seja para manter os jogadores motivados? Como é que transmite essa necessidade aos jogadores? Alguns deles, se calhar, assumem que têm menos qualidades que os outros, ou conseguem perceber…
Domingos - Perceber… e têm essa leitura, reconhecem…
S.A. - Há que conseguir mantê-los motivados na mesma e conseguir transmitir-lhes essa vontade de melhorar para conseguirem jogar. Como é que transmite essa necessidade? É no treino em si? Por exemplo, há equipas que na taça de Portugal costumam rodar, utilizar os jogadores menos utilizados. Faz essa gestão de que forma?
Domingos - É assim, esses jogadores, é evidente que temos de ter sempre alguma atenção. Realmente são jogadores que durante a semana estão sempre com um empenhamento enorme, como grandes profissionais que são. É evidente que esses jogadores têm de ser recompensados, tem de haver também uma sensibilidade do treinador para que realmente lhes possa dar oportunidades para jogarem. E isso é feito, e acontece. Agora também não posso nunca por em risco a rentabilidade de uma equipa. Se estivermos a falar, por exemplo, de um jogo da taça com uma equipa de um escalão inferior, em que podemos realmente fazer com que isso aconteça, muito bem, não há qualquer tipo de problema. Também depende do grau de dificuldade que às vezes temos. Não quer dizer que aqueles que estão aqui são piores ou melhores. Depende por vezes do rendimento de cada um, porque se houver um jogador que tem um rendimento muito superior e se houver um jogador que está de fora, que o seu rendimento não chega nem de perto nem de longe àquele jogador que está na posição dele, poderá afectar o rendimento da equipa.
S.A. - No caso de utilizar a rotatividade considera importante que a mesma faça parte do modelo de jogo, da cultura de jogo, da filosofia, da forma de pensar do treinador? Ou deverá começar a pensar na rotatividade somente quando os jogadores já aparentam algum cansaço? Existe um momento ou deve ser pensada desde o início da época?
Domingos - Não… desde o inicio… Porque quando faço um plantel procuro fazer com que tenha dois jogadores por posição, um melhor que outro, como é natural. Durante o campeonato vou ter de optar, e para mim vai ser a primeira solução e a segunda solução. No entanto, a qualquer momento aquele jogador, o da primeira solução se não estiver com o rendimento, no momento não seja bom a segunda solução entra. A rotatividade comigo, e falo por este ano que estou aqui, tem acontecido. Em 24 jogadores só quatro, um deles é guarda redes, é que nunca iniciaram o jogo como titular. Todos eles já tiveram a oportunidade de jogar como titular. Portanto, a rotatividade no fundo é feita desde o início até ao fim.
S.A. - Neste sentido, não existe um momento para que ela aconteça? Na sua opinião tanto faz ser no início da época, no meio…
Domingos - Não, não…
S.A. - Não existe um período ideal, quando achar que deve fazer rotatividade faz.
Domingos - Eu não utilizaria na minha forma de pensar rotatividade. Essa palavra para mim não existe, não entra no meu vocabulário na minha forma de pensar. A minha forma de pensar é a seguinte: eu não gosto de dizer ao jogador que é ele que vai jogar. Os meus jogadores, todos eles têm de estar preparados para jogar, a qualquer momento saltam lá para dentro. Podem estar às vezes oito jogos sem jogar e de um momento para o outro estão a jogar, porque acho que estão num bom momento e entram. Numa ou outra ocasião, tentando numa de estratégia passo-lhes a equipa no dia anterior, ou dou a entender a equipa no dia anterior. Contudo, normalmente, quase sempre os meus jogadores só sabem que vão jogar no próprio dia de jogo. Todos eles têm de estar preparados para jogar. A partir do momento que fazem parte do meu grupo, do meu plantel, todos eles tem de estar preparados para jogar. Por isso é que digo que a rotatividade não é uma palavra que encaixe na minha forma de pensar como treinador. Porque o meu jogador sabe que se aquele determinado jogador naquela determinada função não estiver com um rendimento bom que ele pode jogar. Isso não é rotatividade, isso é a forma de pensar do treinador. É esta a minha forma de pensar, e foi transmitida aos jogadores no primeiro dia que cheguei aqui.
S.A. - No caso de utilizar rotação de jogadores existe um número aconselhável a rodar, de forma a não interferir com a dinâmica que a equipa apresenta no momento?
Domingos - Mas é isso mesmo. Quando eu faço essas alterações, no fundo tenho sempre preocupação com o rendimento da equipa e como é que a equipa vai funcionar com determinado elemento lá dentro. Portanto, eu sei que se mudar o meu médio defensivo por onde passa o jogo, qual é a velocidade de jogo que vou ter neste jogo. Eu sei que se jogar com dois pontas de lança, mais homens de segurar a bola, se calhar não vou ter tanta profundidade. É preciso ver até que ponto é que se vai mexer com a forma de jogar da equipa.
S.A. - E os próprios exercícios. Existe alguma relação entre o exercício e a rotatividade? A rotatividade parte do treino… por exemplo, ao existirem no plantel dois jogadores por posição, quando está a realizar um trabalho sectorial, intersectorial, efectua rotação dos jogadores pelas posições, ou trabalham sempre em conjunto?
Domingos - É assim, mesmo a trabalhar por sectores… por exemplo, a trabalhar o sector do meio-campo, o sector intermédio, ao ter seis homens, dois por cada posição, todos eles trabalham nessas três posições. Se o meu médio defensivo por qualquer momento do jogo teve de sair com a bola jogável, a recuperação deste jogador… o médio direito, que joga sobre o lado direito, ocupa a posição desse homem, recuperando depois pelo espaço mais curto e ocupando a posição. Isso, todos eles trabalham nas três posições. Depois há outra certeza também, não tenho preocupação em pôr os três homens que vão jogar no domingo. Todos eles trabalham misturados e daqueles seis vão sair três que vão jogar no domingo, todos eles estão a trabalhar nas três posições. Um com uma função mais específica, em que realmente assume o jogo, ou em que joga naquela posição. Portanto, quero que ele trabalhe constantemente naquela posição, mas liberdade a partir do momento em que temos a bola, liberdade para poder…
S.A. - Para dar criatividade ao jogo?
Domingos - Para dar criatividade ao jogo, para criar desequilíbrios. E passa-se a mesma coisa no sector ofensivo. Eu não estou preocupado que o meu ponta de lança, esteja sempre na função de ponta de lança, no homem do centro. O meu ponta de lança tanto pode estar na direita como na esquerda, mas sei que o meu ala direito está na função do meu ponta de lança.
S.A. - O que interessa é, por exemplo, manter as posições ocupadas…
Domingos - Posição A, posição B, posição C. Jogador 1, jogador 2, jogador 3. Sei que o jogador 3 neste momento está na posição A, o jogador 2 na posição B e a qualquer momento é o contrário, e não há problema nenhum.
S.A. - Sendo assim, é mais importante a compreensão pelo jogador, dos objectivos do exercício do que o exercício em si, ou devemos considerar as duas possibilidades em simultâneo?
Domingos - Claro.
S.A. - As duas possibilidades em conjunto, é fundamental para…
Domingos - Claro, porque também faço isso. Neste momento estamos a fazer um trabalho à zona, é assim que funciona, é isto, esta é a zona, este é o teu raio de acção. É aqui que eu quero, quando a bola aqui entrar, onde tu tens de estar no máximo de todas as tuas capacidades, e é aqui que tu trabalhas. Esta é a função, esta é a zona A. Se estiver lá um ponta de lança, esse jogador sabe o que é que tem de fazer nessa determinada função.