Déjà vu, 7 anos e meio em 90 minutos
Se me dissessem que conseguiam resumir 7 anos e meio em 90 minutos eu chamaria "louco" a essa pessoa. Se me dissessem que nessa hora e meia se ilustrariam na perfeição as peripécias desses anos eu não acreditaria. Há demasiados pormenores, demasiadas insignificâncias que dão a verdadeira substância à nossa vida de todos esses anos para serem comprimidas numa breve síntese cingida aos assuntos principais. Contudo, no dia 4 de Fevereiro de 2010, o que eu chamo de impossível aconteceu, e, infelizmente, no caso a que me refiro, o impossível foi bastante previsível.
Foi com mágoa e perplexidade que vi partir no dito dia o último jogador do plantel principal do Sporting Clube de Portugal que metia medo aos adversários, que deixava tudo em campo, que percorria quilómetros de busca incessante pelo golo, busca essa que se renovava jornada após jornada, desaire após desaire que o trágico Liédson tinha de emendar, porque afinal de contas, ele resolvia...
Numa época em que somos lançados às feras, os nossos guardiões escasseiam. Uns renegam ao juramento leonino, outros já perderam as forças para lutar como dantes e outros são expulsos de forma vil e cruel da sua missão. São estes guardiões que levam o sentimento da bancada para dentro do relvado, que dentro das quatro linhas fazem do lema [i]Esforço, Dedicação, Devoção e Glória[/i] um estado de alma, uma necessidade ardente de ganhar e sentir a alegria de milhões. Enquanto um deles existisse, a esperança mantinha-se, mesmo ignorando o seu número cada vez mais reduzido ou as suas missões cada vez mais árduas. Como tudo o que é bom, também o tempo do [i]Levezinho[/i] no Sporting terminou, e qual guardião trágico, partiu com uma missão que lhe foi ingrata, partiu com um falso dever cumprido. Enquanto cá esteve, Liédson foi o cabo da nossa esperança, porque afinal de contas, ele resolvia...
Neste jogo com a Naval 1º de Maio, Liédson certamente sentiu este déjà vu. A incompetência ,a mediocridade,a corrupção,a resignação, tudo elementos que o rodearam tanto interna como externamente durante estes anos não quiseram faltar à despedida de um dos seus principais rivais. Observaram, esperaram, e no final saíram vitoriosas, alimentando o seu regozijo nas lágrimas de milhares de Sportinguistas. Menos um guardião leonino para lhes fazer frente, quiçá o último. Liédson, na sua hora de despedida, não deixou de cumprir a sua missão sem fim. Voltou a ser o anjo da guarda de um Sporting moribundo, minado por dentro e por fora, vulnerável até ao mais fraco dos oponentes. Foi esse Sporting moribundo que numa insanidade prolongada renunciou ao seu guardião, virou a cara à luta mais uma vez e chamou a desgraça e a dor até si. Em 90 minutos, Liédson foi o mesmo guardião dos últimos 7 anos e meio, defrontou os mesmos inimigos e terminou o jogo com o mesmo sabor amargo desses anos, o sabor de quem dá tudo pela vitória que lhe escapa por entre os dedos. Num acto de altruísmo, peço paz a este guardião agora longe daqui, peço que a sua missão futura não seja um fardo tão difícil de carregar como o destes anos. Quanto a nós, temo. Temo pelo presente e pelo futuro, temo por anos sem guardiões que nunca antes vivemos, temo por quem ditará os nossos destinos nas trevas que se avizinham. Chorei de noite, caí em mim,temo por não ter mais o [i]Levezinho[/i], porque afinal de contas, ele resolvia...
