Como já referi noutro tópico, estive presente no seminário promovido pelo movimento “Sporting Renovado”, que teve lugar no passado sábado. Lamento não ter podido relatar aqui há mais tempo o que lá se passou, mas foi-me de facto totalmente impossível. Bear in mind que não sou jornalista, mas sim um declarado e empedernido opositor da “situação”, e que foi nessa qualidade que lá estive. Em todo o caso, tentarei ser factual.
Primeira questão: o local.
O seminário decorreu no Hotel Holiday Inn Continental. Praticamente todos os intervenientes começaram as suas comunicações lamentando o facto de estarmos ali e não no nosso estádio, que possui um auditório com condições ideais para aquele efeito.
Este lamento foi depois aproveitado por FSF para descredibilizar o seminário, alegando que ninguém teria pedido ao Sporting para o realizar no estádio. Como normalmente sucede, FSF manipula os factos e tenta enganar os sportinguistas.
Tal como já era do domínio público e foi repetido no seminário, há uns tempos esteve marcado para o estádio do Sporting um evento semelhante a este, organizado pelo José Eduardo. A poucos dias de se realizar teve que ser desmarcado porque a direcção a que pertencia e pertence FSF determinou que afinal o mesmo não era conveniente e impediu a sua concretização nas instalações do Clube.
Desta vez, tendo o referido precedente e não querendo ficar sujeita aos humores do Projecto, a organização decidiu, e bem, marcar o evento para outro local. É simples.
Segunda questão: a participação de elementos do Clube.
Também já expliquei noutro local o que se passou a este respeito. FSF foi convidado, aceitou, e solicitou meios técnicos para projecções (e lá estavam eles). No dia do Sporting-Marítimo comunicou que não ia aparecer, alegadamente ofendido por ter sido chamado de “coveiro”.
Ernesto Ferreira da Silva também foi convidado e aceitou. Dias antes do seminário avisou que afinal não estava em Lisboa, e por isso não iria comparecer. Dispenso-me de comentários sobre estas condutas, as conclusões que as tire cada um.
Terceira questão: a “desconsideração” a Moniz Pereira.
Tem sido badalada nos últimos dias a alegada desconsideração de que o Prof. Moniz Pereira terá sido alvo, a propósito da questão do ecletismo. Esclarecendo: é rotundamente falso que o Prof. Moniz Pereira tenha sido alvo de crítica a propósito do ecletismo.
O que sucedeu, de facto, foi que ele foi chamado de “traidor” por um dos participantes. Falo de Dionísio Castro e passo a explicar.
O ex-atleta do Sporting foi um dos que se dirigiram à plateia, sem comunicação preparada. Começou por pedir desculpas por uma atitude parva que tivera aquando da final da UEFA, justificando-a com a forma como antes fora tratado pelo ignóbil Cácá Mãos de Gelatina.
Explicou que tinha dois jogadores no CSKA (não disse o nome mas sabe-se que são Daniel Carvalho e Vagner Love), e que, antes de os colocar na Rússia, tentara negociá-los com o Sporting a preços de ocasião (não disse quanto). Em resposta terá ouvido do viscoso que o negócio não interessava. Terminou este capítulo lamentando-se pelo facto de conseguir pôr jogadores nas maiores equipas da Europa mas, em virtude da acção de CF, ter fechadas as portas do clube que sempre foi o seu.
Pegou em seguida numa questão que até àquele momento já tinha sido várias vezes abordada- a forma como o Sporting tem tratado as suas referências. Contou a sua história no Clube e em particular o seu desfecho. Explicou que, encontrando-se gravemente lesionado num joelho, aceitou ser infiltrado para poder ajudar o Sporting numa Taça dos Campeões Europeus. Ficando com o joelho esfrangalhado, andou dois anos a tentar curar-se antes de ser despachado pelo Clube, tendo que procurar trabalho no Brasil. Descreveu também a forma como o seu irmão foi corrido do Sporting, pouco depois dele.
Foi a este respeito e relembrando que Moniz Pereira fora como que um pai para eles quando chegaram ao Sporting, que lhe chamou “traidor” por ter alinhado nas manobras com que foram corridos do Clube. Não foi bonito, ninguém gostou de ouvir, mas de certa forma pode compreender-se o contexto, dado que, por esta altura, já há muito que Dionísio Castro estava a chorar.
Quando ouvi a acusação percebi logo que ela ia dar brado. De tal maneira que, quando estava a sair do hotel, comentei com quem me acompanhava que o que iria resultar de tudo aquilo nos jornais do dia seguinte seria que um grupo de conspiradores se juntara para chamar nomes ao Moniz Pereira. E pelos vistos não me enganei muito.
Seguindo em frente, para o evento propriamente dito.
O modelo contemplava comunicações de diversos oradores, subordinadas a temas distintos, com uma troca de opiniões no final, aberta aos assistentes. Em paralelo com isto, foi decorrendo também uma espécie de mini-AG, em que quem quisesse falar teria que se inscrever para o efeito.
Quanto às intervenções propriamente ditas, houve-as melhores e piores, como é óbvio.
Nas piores destaco claramente a do José Eduardo. Poderá ser (ou antes, é mesmo) uma embirração minha, mas o homem só diz vacuidades e lugares-comuns. É detentor, suponho, do menor ratio de ideias por palavra que alguma vez presenciei.
Nas melhores, saliento três: a de Rui Oliveira e Costa, ainda de manhã, que versou sobre a política de comunicação do Sporting, e na qual apresentou um modelo de jornal-revista-canal de televisão que pareceu bastante promissor; a de Sérgio Abrantes Mendes, que fechou o seminário, uma comunicação solene e com peso, subordinada à “Tradição e Modernidade no SCP”, que foi como que uma síntese do espírito geral do seminário; e a de Dias Ferreira, que foi a mais importante e aplaudida de todo o dia. Detenho-me um pouco nesta, a mais marcante e significativa de todas.
Dias Ferreira estava completamente on fire. Começou por dizer que tivera que alterar o conteúdo da sua intervenção na véspera, em virtude da sua indignação perante a declaração de apoio de Miguel Galvão Telles a FSF, ainda antes de convocadas as eleições.
Fez uma intervenção apaixonada e arrebatadora, que por diversas vezes foi interrompida com salvas de palmas. Falou da degradação da cultura clubística, do défice democrático dos actuais dirigentes, das justificações mentirosas de FSF, da miríade de empresas que sustentam a rapaziada amiga. No final foi aplaudido de pé.
Sobre as contas (também houve uma intervenção sobre elas, conduzida de forma morna por Hélder Varandas), ficam as informações reveladas, em alguns casos pelos dois conselheiros leoninos presentes:
O passivo deixado por Sousa Cintra era potencialmente de cerca de 55 milhões de €, e veio a verificar-se ser efectivamente de 43 milhões. Esta portanto a herança que ele deixou no Sporting em 1995, revelada por Jesus Oliveira, antigo membro do Conselho Fiscal e pessoa insuspeita de parcialidade pró-Cintra (até pelo contrário).
Dois anos depois, em 1997, já com Roquette ao leme, o passivo tinha engordado até aos 70 milhões. Desde então veio a crescer, com particular incidência a partir de 2001.
Números actuais do passivo: 308 milhões de €. Trata-se de um número não consolidado, que não inclui o passivo da SAD ( :shock: ) nem o da SGPS. Teme-se que o número real possa aproximar-se perigosamente da barreira dos 500 milhões.
Sobre a questão actualmente em cima da mesa, da venda do património: a conclusão a tirar desta medida, tendo em conta o impacto apresentado em Conselho Leonino, é que ela não se prende com qualquer reorientação estratégica do grupo. O produto da venda do edifício do Visconde e da Alvaláxia servirá para abater 30 milhões de € de passivo bancário, e o restante é para financiar a tesouraria. Esqueçam pavilhões, pistas ou quaisquer outras promessas populistas. A mais-valia a realizar no património serve apenas para fôlego de tesouraria nos próximos meses: como se comentou, é “vender prédios para pagar salários”.
Outras curiosidades, estas quanto ao “rigor” empregue na construção das infraestruturas:
- Estádio orçamentado em 110 milhões de €, custou 175 milhões;
- Academia orçamentada em 10 milhões de €, custou 35 milhões.
E ainda mais uma revelação, esta relativa a um dos mistérios mais comentados aqui pelo fórum: a questão dos terrenos do novo estádio.
Foram vendidos por 60 milhões de € que, segundo as informações apuradas pelos dois conselheiros leoninos presentes, já foram recebidos. Estamos a falar dos terrenos que, no figurino aprovado pelos sócios, pagariam a maior parte do investimento no estádio e permitiriam um endividamento quase zero. Temos pois um colapso total do project finance.
Foi também levantada no seminário a questão de a empresa que audita as contas do Sporting- uma das tais “cinco maiores do mundo” referidas por FSF- ser nem mais nem menos que a BDO, presidida em Portugal por Ernesto Ferreira da Silva, presidente do Conselho Fiscal e da comissão do Centenário.
Mais uma curiosidade que, com um mínimo de esforço, consegui apurar: nas contas da SAD descobrirão a certificação legal, relatório de auditoria e relatório do fiscal único. Todos são assinados por Pedro Aleixo Dias, em representação da sociedade de revisores oficiais de contas Barroso, Dias, Caseirão & Associados. Agora carreguem aqui: chegarão à página das “Pessoas” da BDO Portugal, onde, por baixo de Ferreira da Silva, descobrirão as carantonhas dos mesmíssimos Barroso, Dias e Caseirão…
Em função de toda esta nebulosidade em torno das contas do Sporting, da inexistência de contas consolidadas e da manifesta divergência entre o quadro pintado para o exterior, o que releva dos (poucos) dados contabilísticos disponíveis, o que é apresentado em Conselho Leonino, e possivelmente aquele que existirá na realidade (e também, obviamente, por causa desta quase confusão entre a auditora e a pessoa de um dirigente de topo), surgiu a ideia de recolher assinaturas em número suficiente para forçar o presidente da mesa da AG a convocar uma assembleia prévia àquela em que FSF pretende fazer aprovar a venda de património.
O objectivo desta primeira AG será o de recolher o voto favorável dos associados à realização de uma auditoria verdadeiramente independente e que englobe todo o universo do Grupo Sporting, de modo a que, depois de publicados os seus resultados, os sócios estejam verdadeiramente esclarecidos quanto à decisão que serão chamados a tomar por FSF.
Julgo que esta medida seria uma questão de bom senso, dada a seriedade da decisão em causa. Parece que o presidente entende que não e prefere continuar a atirar areia para os olhos. Adiante.
Outros assuntos em discussão foram o modelo desportivo para o futebol (preconizando-se em termos gerais a implementação de uma direcção técnica comum a todos os escalões, uma aposta reforçada em técnicos da casa para as camadas jovens, a construção de uma rede de prospecção, em particular na América do Sul e PALOPs, e o estabelecimento de parcerias com clubes dessas regiões), e também a subsistência das modalidades (todos os participantes à excepção de um concordaram que elas são uma força motriz do sportinguismo e não só não devem ser reduzidas como devem ser aumentadas, dentro de modelos de auto-financiamento).
Resumo ideológico da jornada:
A síntese fundamental do seminário não é divergente das posições que ultimamente fazem carreira aqui no fórum.
Primeiro, o Clube tem que ser devolvido aos sócios, a sua maior riqueza. Deve acarinhá-los e tratá-los com consideração, porque são eles a sua razão de ser e são eles, numa óptica mais mercantil, os seus “clientes”. Fazê-los sentirem-se parte de uma instituição que os tem banido é um imperativo.
Segundo, o Clube tem que cuidar dos seus valores. Deve cultivar os traços característicos do sportinguismo, mantendo a aposta no ecletismo, respeitando a sua vocação ganhadora e os seus tradicionais princípios de ética no desporto.
Terceiro, pode discutir-se modelo de gestão, venda de património, abertura de capital, etc., etc.; o que não se pode, qualquer que seja a conclusão, é entregar o Clube aos mesmíssimos que nestes quase onze anos o trouxeram até à beira do abismo.
Resumo político:
Vim de lá com a certeza reforçada que Dias Ferreira será, de uma maneira ou de outra, um actor principal das eleições. O homem é um leão, está mais feroz que nunca, e quanto mais o espicaçarem mais luta ele vai dar. FSF, burro, está a levar a batalha para onde nunca poderá ganhá-la: a truculência, o debate olhos nos olhos, a ofensa pessoal.
Sendo eu da opinião que os votos não devem dispersar-se por mais do que uma candidatura de oposição, fiquei satisfeito, porque não vi divergências de fundo que justifiquem que DF e a linha do “Sporting Renovado” se apresentem separados.
Esperemos para ver. Confirmando-se que MRT está com FSF, o único player com mediatismo que sobra é Luís Duque, cuja posição ainda não se conhece.
Fica o resumo possível. Obrigado por lerem e se tiverem alguma dúvida, tentarei esclarecer dentro do que puder.