COPACABANA PRINCESINHA DO MAR
Para aqueles que tiveram a felicidade de conhecer a praia de Copacabana, ela será sempre a praia mais bela do mundo.
Não existiu praia mais maravilhosa, com mais encanto, com mais charme, com mais glamour.
Infinitamente amada e cantada, a princesinha do mar, nasceu por volta do início do século passado e o desejo dos seus fundadores, seria que Copacabana fosse uma grande praia, tão grande como as maiores do mundo.
Afirmou-se com a sua primeira construção - o Hotel Copacabana Palace - inaugurado em 1923. Era, por assim dizer, a sua grande sede.
O seu arquitecto, o francês Joseph Gire, ao estilo Art-Deco, inspirou-se no Hotel Negresco em Nice, e no Hotel Carlton em Cannes.
Considerado um dos mais luxuosos hotéis do mundo, para fazer jus à praia que lhe dava o nome, impunha-se pela sua elegância e imponência. Durante as décadas seguintes, nele se hospedaram e deliciaram as maiores celebridades internacionais, sempre ao som de encantadores violinos.
Com a sua magia e a sua beleza, Copacabana, impôs-se com naturalidade e superioridade.
As décadas de 30, 40 e 50 foram o seu esplendor e ficaram gravadas a letras de ouro no coração de todos os que tiveram a felicidade de a ver graciosamente glorificar-se, com as ondas e a brisa do Atlântico a cantar para ela.
Era o orgulho de todos.
Da Avenida Atlântica que a bordejava com o seu Calçadão de padrão Mar Largo à sua paralela interior, a Av. Nossa Sra. de Copacabana, e desde o Forte com o mesmo nome até à Ponta do Leme.
Com o Pão de Açúcar a sorrir-lhe dum lado, e por trás a protegê-la e a abraçá-la desde o Corcovado, o Cristo Redentor.
Pela frente o mar. Sempre o mar. Belo, grandioso, imponente, misterioso, implacável. O mar eterno. O mar de Copacabana.
[img width=650 height=250]http://i45.tinypic.com/30ub9n5.jpg[/img]
Copacabana, com a sua supremacia, distinção e proeminência, cresceu, e atraiu para ela, cada vez mais apaixonados.
Cumpria assim o seu desígnio. Tinha tudo para ser grande. E era grande.
Enorme, mesmo.
Quem era de Copacabana, não era de mais ninguém.
Como dizia a canção:
“Só a ti Copacabana eu hei de amar.”
Os anos passaram, as décadas passaram, e já sem o fulgor e a exuberância dos tempos áureos, Copacabana seguia, ainda assim, firme, determinada, respeitada, amada pelos seus amantes, e intocável na sua honra e no seu orgulho.
Nuvens negras estavam para chegar.
Embora de nível acima da média, bem frequentada e até elitista, Copacabana, com a sua delicadeza e ingenuidade, atraiu também gente sem escrúpulos, e em que aquilo que os motivava, era apenas a cobiça, a ganância, e saquear tudo o que fosse possível.
Começaram a organizar-se na favela do Cantagalo, e Pavão-pavãozinho, mesmo por cima de Copacabana, obedecendo ao plano criminoso do chefe da quadrilha que estava sediado numa outra favela mais distante. A favela do Urubu.
Cumprindo à risca as orientações do mentor do projecto e chefe da quadrilha, toda a corja, rapidamente se começou a misturar e a introduzir no seio de Copacabana.
Refira-se que o chefe da quadrilha, era uma pessoa aparentemente influente e bem relacionada, com ligações à banca, também ele banqueiro, onde até já tinha escapado inexplicavelmente à prisão, por motivos dum conluio e duma golpada com um outro banco internacional.
Poucas pessoas sabiam das suas verdadeiras intenções e do seu carácter de bandalho, bem como da sua vocação de vigarista, mas o que todos sabiam, é que nunca tinha sido visto por Copacabana, nunca ninguém o tinha visto na praia de Copacabana, e mais tarde veio-se mesmo a saber que não gostava sequer de praia, que nem sabia nadar, e que água, nem no duche.
No entanto, e com Copacabana de certo modo fragilizada e um pouco à mão de semear, insinuou-se matreiramente como um grande defensor da causa e como sendo o garante do futuro de Copacabana.
Para tal, e embora bastardo, trazia gravado na albarda o nome do Avô, que tinha sido um dos fundadores de Copacabana, e do qual se serviu e utilizou.
Diga-se a propósito, que já o próprio Avô, a quem nunca se conheceu trabalho ou profissão, o único mérito que se lhe reconhecia era o dinheiro do seu Avô, e que também pouco tinha sido visto por Copacabana, uma vez que nos seus primórdios, e ao fim de apenas seis anos, foi corrido por desviar para outra praia, instalações pertencentes a Copacabana.
Ainda ficou mais algum tempo ligado a Copacabana, mas apenas como figura decorativa, e sempre em consideração ao dinheiro do Avô. Pouco tempo depois, desligou-se por completo.
Voltando ao chefe da quadrilha - curiosamente - as suas primeiras declarações, depois do assalto consumado, foram para reivindicar os terrenos de Copacabana, que dizia pertencerem aos seus antepassados.
Tais afirmações causaram de imediato a indignação de muitos moradores e frequentadores da praia, mas com as falsas promessas do regresso aos dias dourados de Copacabana, tudo era manipulado.
Naquele tempo, a praia de Copacabana deparava-se com alguns problemas, causados pelas subidas das marés. Destacavam-se os frequentes varrimentos da areia, e até algumas inundações que atingiam o Calçadão, a Avenida Atlântica e chegavam mesmo a alagar a Avenida Nossa Sra. de Copacabana.
Ficou então célebre a frase do chefe da quadrilha:
“Connosco, Copacabana, não mais dependerá da maré-cheia.”
Infelizmente, com a chegada destes bandoleiros, nada seria assim, e desgraçadamente o futuro viria a revelar-se trágico para Copacabana e para todos os seus amantes.
Na praia, retiraram as cadeiras e os chapéus que a identificavam, para num assomo de mau gosto, piroseira e saloiice, a pintalgarem com cadeiras e chapéus às cores.
Fizeram um pontão ridículo e desproporcionado, com o pretexto da areia não desaparecer.
Implantaram construções azulejadas e alavabadas no lugar dos tradicionais postos e quiosques.
Os legítimos frequentadores da praia, ao indignarem-se com tanto descaramento e pouca-vergonha, começaram a ser ostracizados, perseguidos e agredidos.
Em sua substituição, apareceu uma nova casta arregimentada pela quadrilha, constituída por um baronato de piolhosos, por fidalgos de sapatinho de verniz com as solas esburacadas, por cornambaças assumidos, por veados histéricos e desavergonhados, e por cabras debochadas de cabelo metalizado.
Eram estes, os apoiantes e os defensores da quadrilha. A corja estava montada.
O Hotel Cobacabana Palace, foi ocupado e saqueado. O emblemático Calçadão vandalizado. O bairro destroçado.
Roubaram o que não lhes pertencia, venderam o que não era deles e apropriaram-se do que era de outros.
Manipularam, falsificaram, esbulharam, subornaram, extorquiram, branquearam, e destruíram tudo o que puderam.
Tudo isto com a impunidade total dos responsáveis, que dirigidos desde a favela do Urubu, se iam sucedendo uns aos outros, num reinado de pulhas, gatunos, velhacos, e vigaristas.
Todos profissionais altamente qualificados, de elevado padrão, e todos gestores de topo, como grunhia o chefe da quadrilha.
Por essa altura, já a luz de Copacabana se apagava e as suas sereias já não sorriam.
As suas areias, exalavam um cheiro nauseabundo em consequência da podridão instalada.
Com a degradação e a devastação verificada, deu-se a debandada dos fiéis amantes de Copacabana.
Dolorosamente e em lágrimas, perante tal carnificina, viram-se impelidos e obrigados a partir.
Famílias inteiras, consternadas e abandonadas, apenas com a roupa que traziam no corpo, percorriam todos os dias o Calçadão, abandonando Copacabana, sem saberem para onde ir.
Por vezes, alguns ainda tinham a coragem de fugazmente lançar um olhar humedecido e desfocado pela tristeza, para a praia que viram nascer.
Dos vários botequins que polvilhavam a outrora esplendorosa Avenida, os invasores e ocupantes, cheirando a podre e fedendo a morte, riam embriagados com a cremalheira esburacada, atirando pedras aos verdadeiros habitantes de Copacabana que partiam em sofrimento.
Aos que ainda resistiam e se mantinham, eram contratados do morro, jagunços e cadastrados para os intimidar e agredir.
O clima tornou-se insustentável, o ar irrespirável, e Copacabana transformou-se num barril de pólvora e em constante estado de guerra civil.
A revolta dos locais que ainda sobreviviam à criminosa chacina dos golpistas, sentia-se em cada esquina e era clamada em cada lar.
Mas pressentia-se e receava-se que já seria tarde demais.
Copacabana estava destruída.
Da Princesinha do Mar, já não restava nada.
Nos tempos que se seguiram, a quadrilha e os seus apoiantes fugiram, outros nunca mais ninguém os viu nem ouviu falar, e às vezes, à tardinha ao sol ponte, com a descida da maré, apareciam a boiar alguns corpos já desfeitos.
Por vezes, também com as marés vivas, davam à costa, corpos já desfigurados, em relação aos quais, os poucos sobreviventes de Copacabana nunca faziam quaisquer comentários.
Um dia, anos mais tarde, sentada numa rocha da Ponta do Leme, alheada do mundo e contemplando as ruínas de Copacabana, ouviu-se o cantarolar duma criança, que em lágrimas, trauteava a velha canção.
Trazida pela brisa do Mar e pelas águas de Março, Copacabana parou. As janelas e as varandas foram-se enchendo, de dentro das casas, os habitantes vieram para a rua, os automobilistas saíram dos seus carros, os sorvetes derreteram-se nas mãos daqueles que passeavam pelo Calçadão.
A doce melodia ecoava ao mesmo tempo que as ondas rebentavam na areia.
Nesse dia, Copacabana renascia…