Entrevista à Sport do Correio da Manhã:
Uma parte aqui:
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=214837&idselect=217&idCanal=217&p=22
2006-09-16
Entrevista a Aurélio Pereira
Futre era um vulcão
Futre, Figo, Simão, Ronaldo e Quaresma tornaram-se estrelas mundiais. Nani, Djaló e Miguel Veloso seguem o mesmo percurso. Há um mesmo homem por detrás destes jogadores. Aurélio Pereira é a figura central da fábrica de talentos que é a formação do Sporting. Em 35 anos de dedicação, descobriu, ralhou, confortou e ensinou miúdos que hoje valem milhões. Algumas histórias e segredos contados na primeira pessoa.
– Qual é a fórmula para a produção de estrelas do Sporting?
– Só três tipos de jogadores podem chegar ao Sporting: o bom jogador, o grande jogador e o talento. Em alguns casos, o bom pode transformar-se em grande. Mas é impossível a qualquer um destes chegar ao talento se não nasceu com ele.
– Como se descobrem qualidades em miúdos de oito anos?
– Não é só em campo que se vê o talento. Um miúdo talentoso dá outros sinais: é aquele que nunca se afasta da bola.
– Isso não é só história?..
– Não. Eles querem mesmo uma bola no quarto, querem dormir ao lado dela. Já tivemos de deixar alguns fazerem isso, mesmo quando ficamos em hotéis. Mas o talento, por si, pode não chegar. Um talentoso precisa de trabalhar tanto ou mais que os outros. Logo a partir dos 12 ou 13 anos. Quando vemos um jogador de 19 anos apresentar mais maturidade do que alguns de 30, isso levou muitas horas de trabalho. No dia do jogo com o Inter, vi o Nani, o Djaló, o Moutinho e o Miguel Veloso a lanchar. Bastava olhar para perceber que estavam absolutamente confiantes. Viu-se.
– Como detecta essa força psicológica em miúdos tão novos?
– Há sinais. Um vem dos colegas. Quando um dos miúdos começa a ser admirado pelos outros sabe-se que está ali uma personalidade forte. Raramente falha.
– Foi assim com Ronaldo?
– Vi pela primeira vez Cristiano Ronaldo tinha ele onze anos. Sabíamos que não seria fácil a um miúdo ilhéu adaptar-se. E o meu parecer tinha de ser muito cuidado porque envolvia dinheiro. Se o miúdo ficasse, o Sporting deixava de receber do Nacional cerca de 4.500 contos que estavam em dívida. O Cristiano chegou para passar uma semana no Sporting e ao fim do primeiro treino já era a estrela da companhia. Todos os miúdos queriam ser amigos dele. Eles foram os primeiros a perceber que estava ali um talento, um jogador diferente. No segundo treino fez jogadas fantásticas e levou os outros a começaram a fazer-lhe marcação cerrada. Às tantas, vira-se para um deles e diz-lhe: ‘Ó miúdo tem calma’. Percebi que aquela criança de onze anos não temia obstáculos nem tinha medo de assumir o jogo. O Ronaldo nunca teve medo de errar nem nunca um erro o deitou abaixo. Esses são os campeões.
– Hoje, com melhores condições, como é a vida em Alcochete?
– Faço parte de uma equipa altamente profissional. Os miúdos entram na Academia aos 13 anos mas começam a ser acompanhados entre os oito e os onze. Na academia têm acompanhamento completo: técnico, médico, psico-pedagógico. Durante a manhã fazem a sua vida civil, vão à escola, onde almoçam, e só regressam às 16h00. A partir daí, cumprem as regras da casa: vão todos ao gabinete psico-pedagógico onde é avaliado o trabalho feito na escola e dos trabalhos que têm de fazer. Não é fácil. Estamos a falar de 50 miúdos entre os 13 e os 18 anos.
– E os treinos, como são?
– Duas horas por dia, mais ginásio. Mas tudo é científico. Preparado com planos individuais, ao detalhe. Nada é feito ao acaso.
– A alimentação é especial?
– São obrigados a comer, sempre, sopa e fruta. E todos o fazem. Sabem que dependem do seu corpo.
– E que a horas se deitam?
– Às 22h30, 23h00, cama. São acompanhados durante toda a noite por funcionários que têm um papel muito importante. São dois, que se revezam, o Artur e o Paulo. São eles que os integram, que os acalmam, que os ouvem quando por vezes choram com saudades de casa.
– Acontece muito?
– Há um ponto comum a todos estes miúdos: a mãe é a figura mais importante da vida deles. Sofrem sobretudo com a ausência dela. Mas agora, quando entram já conhecem o ambiente há pelo menos dois anos, através de vários estágios.
– Há tempo para brincar?
– Entre as 21h00 e as 22h30 podem conversar, brincar, estudar. É um tempo deles.
– Os quartos têm televisão?
– Os quatro canais e a Sport TV.
– Podem levar os telemóveis para o quarto?
– Eles sabem que a partir das 11 horas não devem fazer ou receber telefonemas, mas aquilo não é um orfanato. Ou cumprem porque querem e entendem os motivos ou as proibições só prejudicam porque têm o efeito contrário.
– Descobriu muitos talentos. Qual foi o mais difícil?
– Nenhum foi muito difícil.
– Nem Paulo Futre?
– Gosto muito do Paulo, mas não foi um atleta fácil. Dormiu muitas vezes em minha casa. Aquele miúdo era um vulcão, no talento e em tudo. Fui treinador dele e um dia faltou a um treino sem aviso nem justificação. Quando isso acontecia ficava-se fora da convocatória. Tratava-se de um jogo com o Benfica, muito importante, porque definia quem seria finalista no campeonato de juvenis. Mesmo sabendo que ele fazia duas horas de barco para cada lado diariamente, não pude ceder e disse-lhe que estava fora. Entrou num choro convulsivo, vi-o desabar à minha frente, mas reconheceu que se estivesse no meu lugar faria o mesmo. No balneário disse que o Futre não ia jogar mas que lhe dedicaríamos a vitória. Ficaram motivadíssimos e ganhámos.
– E o Ronaldo?
– Pode até pensar-se o contrário, mas Ronaldo era dos miúdos que melhor aceitava uma repreensão. Um dia comportou-se menos bem com uma pessoa do grupo, o treinador não o convocou, ele ficou desfeito e fui falar com ele. Percebeu rapidamente que tinha feito mal e pediu desculpa. Nunca foi difícil vê-lo dar a mão à palmatória.
– Conta só boas histórias…
– Claro que não. Lembro-me de um momento muito complicado, precisamente com o Ronaldo. Ele estudava na escola de Telheiras e certo dia uma professora riu-se do sotaque madeirense. Foi um sarilho porque ele reagiu muito mal, levantou-se da cadeira e disse umas quantas coisas à senhora. Tivemos que ir à escola resolver o assunto.
– Como é que foi roubar o Miguel Veloso a uma família de benfiquistas?
– Vi o Miguel no Cultural da Pontinha. Um miúdo gorducho, muito gorducho, mas com uma apetência fantástica para defender, o que é raro nestas idades. Ele já sabia colocar-se em campo. Fiquei muito impressionado e percebi que no dia em que perdesse aquelas gordurinhas seria um caso sério. Falei imediatamente com o pai (António Veloso) e com o miúdo. E cá ficou.
– Ele é benfiquista ou sportinguista?
– É sportinguista. A maior parte é sportinguista. Os que não são, defendem-se: dizem que nos seniores são benfiquistas, mas nas camadas jovens são sportinguistas.
– Lembra-se de um ralhete que tenha dado ao Simão?
– Nunca foi preciso. Não tenho um único exemplo. O comportamento do Simão nunca mereceu o meu mais pequeno reparo. nestes anos todos a lidar com jovens – 35 anos – nunca me irritei à seria.
– Como descobriu o Quaresma?
– Por mero acaso. Um dia recebo uma informação sobre um miúdo chamado Quaresma que jogava no Domingos Sávio. Mandei o Henrique Claro, um dos meus observadores, ir ver o puto. Foi, viu, gostou e voltou no dia seguinte para falar com a mãe. Enquanto esperava, reparou num dos miuditos que estava a jogar. E de tal forma ficou impressionado que perguntou quem era. Disseram-lhe que era o ‘ratazana’. Quando chega o Quaresma, o Henrique perguntou-lhe quem era o miúdo e ele respondeu: “Aquele ali? É o meu irmão Ricardo”. Telefonou-me e trouxe-me logo os dois: o Alfredo Quaresma e o irmão, Ricardo. Era um menino de oito anos que já fazia a trivela.
– Ao contrário do Miguel Veloso, o Nani era muito franzino…
– Muito. O Nani foi ao Sporting pela primeira vez tinha onze aninhos e só não ficou por questões logísticas. Teve no Real Massamá uma formação muito boa e aos 16 anos era fácil perceber que estava ali um jogador fantástico.
– A prospecção é quase uma rede de espionagem?
– Sim.O Moutinho, por exemplo. Vi-o num Torneio na Pontinha. Tinha 13 anos e fui logo falar com o pai porque o FC Porto estava a pressionar. O Djaló também. Jogava no Estação, que tem um presidente assumidamente benfiquista, e nunca mais o perdi de vista. Ao contrário do João Moutinho, que foi viver para casa de um padrinho no Barreiro, pessoa a quem deve muito, o Djaló ficou na Academia. Tinha 15 anos e foi sempre extremamente equilibrado.
– Seria capaz de trabalhar noutro clube?
- Nunca. Já fui convidado pelo FC Porto e recusei.
– O que tem o Sporting que Benfica e FC Porto não têm?
– Não sei. Só sei que daqui a 3/4 anos o Sporting ter um plantel formado em 70% por jogadores da casa.
– Tem quantos olheiros?
– Cerca de 50 a 60, espalhados por todo o país. E chegam-nos muitas informações de particulares.
Alexandra Tavares-Teles
Completa aqui:
http://lusofootball.blogspot.com/2006/09/mister-aurlio-pereira.html