Há um assunto que me preocupa ainda mais do que as arbitragens, no que ao futuro do futebol diz respeito. O tráfico de influências, o aliciamento, a corrupção, são ilegalidades difíceis de combater/provar e existirão sempre, pois os indivíduos que optam pelo caminho mais fácil e menos transparente existirão, também eles, ad eternum. É algo com que temos de lidar diariamente nas nossas vidas: não só ao assistir a um jogo de futebol, onde o campo parece inclinado, mas também nos mais variados campos da sociedade.
Do que aqui venho falar é de um outro tema, o qual igualmente afecta, e muito, o Sporting Clube de Portugal. A protecção de talentos. Ou melhor… A falta de protecção de talentos. Há muito tempo que divago sobre isto - ou não fosse eu de uma Instituição que possui uma das melhores Academias do mundo. Mas o que despoletou este texto foi o alegado interesse do Manchester United no jovem David De Gea. Como sabemos, De Gea é o guarda-redes titular do Atlético de Madrid, considerado por muitos o futuro grande guardião a nível mundial. O espanhol fará 20 anos no próximo dia 7 de Novembro, ou seja, é um autêntico miúdo. No entanto, é já capaz de fazer defesas monumentais, que garantem pontos ao seu clube, tornando-o um ídolo para os adeptos do clube madrileno.
De imediato despertou o interesse dos ditos tubarões. Acredito plenamente que já começaram a chegar propostas à direcção do Atlético e não demorará muito até uma delas convencer os patrões a libertar um dos seus melhores funcionários.
Mas aqui surge aquilo que me inquieta. De Gea nasceu em Madrid, iniciou a sua formação no clube em 2003, quando tinha 12 anos. Há apenas um ano foi promovido a titular da equipa A, depois de seis anos ao serviço dos escalões de formação do Atlético. E bastou este curto de espaço - que vai desde o dia de estreia de De Gea até hoje - para que se surgisse um corropio de rumores que o indicam como possível guarda-redes de um dito tubarão.
Fazendo uma aritmética simples percebe-se onde está a verdadeira injustiça de tudo isto:
O Atlético de Madrid formou um guarda-redes durante 6 anos
Se De Gea sair, por exemplo no próximo verão, O Atlético de Madrid irá tirar proveito do seu talento durante 2 anos.
É justo para o clube formador que isto aconteça? Porque não se pode proteger um jogador dos aliciamentos constantes dos maiores clubes europeus? Porque razão as leis, que foram sendo alteradas consoante os anos, não protegem o clube, mas sim o jogador?
É que tudo isto altera radicalmente o futebol, daí que eu considere que esta situação possa aniquilar a competitividade da modalidade.
Enquanto não houver uma verdadeira protecção de talentos, será impossível para um clube que queira assentar o seu sucesso desportivo na formação ter êxito. A menos, claro, que seja um Barcelona ou outro peixe graúdo. Esses, dada a sua condição financeira e reputação, não precisam de se preocupar por aí além com a protecção da cantera, obviamente.
Imaginemos que o Sporting estaria protegido legalmente das propostas dos maiores clubes europeus. Ficcionando, imaginemos também que os jovens da Academia apenas poderiam sair a partir dos 25 anos:
- Teríamos mantido Nani até 2012.
- Teríamos mantido Cristiano Ronaldo até 20100.
- Teríamos mantido Quaresma até 2008.
- Teríamos mantido simão até 2004.
Dá que pensar não dá? Dá que pensar naquilo que poderíamos ter conquistado, na situação em que poderíamos estar hoje e no caminho que poderíamos estar a trilhar para o futuro. Imaginemos o dinheiro que poderíamos ter ganho com troféus e, aí sim, depois de x anos, com o dinheiro que ganharíamos com a venda de talentos, dos quais retiraríamos, pelo menos, algum proveito.
É de uma injustiça tremenda que um clube formador não possa usufruir de um jogador que levou anos a fomentar e a polir. É de uma injustiça tremenda que esse jogador acabe por sair antes dos 20 anos, sem que o clube seja recompensado a não ser com o dinheiro de uma transferência normal. É de uma injustiça tremenda que tenhamos de assistir às conquistas desses cubes com os talentos que formamos na nossa própria casa.
Mas esta situação não termina aqui. Isto afecta não só toda a hierarquia clubística, mas também a hierarquia a nível de selecções. Dada a situação muito pouco justa a que os clubes formadores são submetidos, eles começam a alterar a sua política, virando-se para outro tipo de gestão desportiva. É perfeitamente natural que comecem a apostar em roubar também eles talentos a equipas mais pequenas, muitas delas de países onde o poder económico é ainda menor.
E depois pensamos: com cada vez mais estrangeiros, é impossível formar uma selecção de qualidade.
É um ciclo vicioso que ameaça arruinar toda a modalidade. E os efeitos já se começam a notar: alguém acredita que um clube, que não seja um tubarão, consiga triunfar na Liga dos Campeões? Arrisco a dizer que a situação verificada em 2004 jamais voltará a acontecer. E mesmo que porventura se repita, é impossível para esse clube manter uma dinastia vencedora, pois será totalmente espoliado dos seus melhores talentos, acabando por ter de recomeçar do zero.
É claro que a FIFA dificilmente mudará esta situação. A lei 6+5 tarda em ser aplicada, se é que alguma vez o será. Seria uma lei que mudaria profundamente toda a concepção actual do futebol e que beneficiaria a competitividade e premiaria aqueles que formam talentos. Mas não chega. É também preciso reforçar as medidas de protecção a clubes como o Sporting, que tanto fizeram e fazem pelo futebol nacional e mundial.
Schism
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