Análise intercalar do Plantel - Luís Freitas Lobo

Quem conhece o seu excelente site “Planeta do Futebol” se calhar já leu esta análise. Deixo-a aqui para todos os demais.

SPORTING
Dos três grandes, o Sporting é, neste momento, o único que quando se encontra a ganhar um jogo, segue com a intenção inicial de jogar melhor futebol que o adversário. Tanto o FC Porto como, principalmente, o Benfica, tendem a recuar linhas, instintivamente ou por expressa ordem do banco (caso de Trapattoni). O Sporting de Peseiro, em 4x4x2, mesmo sem muitas vezes a eficácia desejada, não se limita a especular com a vantagem e continua a jogar no mesmo ritmo.
O que falta a este Sporting?
Na defesa, Rogério cumpre como lateral-direito. Foi nessa posição que fez a sua melhor época no futebol brasileiro, no Corinthians. Na esquerda, Rui Jorge é o único elemento com capacidade para dar profundidade ofensiva ao flanco, visto que o médio que descaí para esse faixa, Hugo Viana, não tem essa vocação, para além de ser demasiado lento para esa tarefa. Por isso, os leões necessitam de contratar um jogador capaz de fazer todo o corredor esquerdo. Wome seria uma opção, mas é, tacticamente, mais de cariz defensivo, está sem rotina de jogo. Sabe posicionar-se bem nas linhas da bola, ganha duelos, chuta forte, mas não é rápido e falta-lhe alguns metros para ser um construtor na fase atacante.
Hugo Viana é um jogador que merece um debate. O seu futebol necessita de ir para o divã, urgentemente, sob pena de se perder um grande jogador como prometeu no inicio da carreira, como volante central. Ao contrário do que se esperava, nãoo se tornou mais rápido na Inglaterra, onde a sua lentidão até foi mais evidente e, por isso, passou a maior parte das duas ultimas épocas no banco. Necessita recuperar a confiança, ter mais vezes a bola nos pés e assumir as rédeas do jogo, mesmo que caindo para a esquerda.
Muito bem o trinco Custódio, corta, recupera, passa, um jogador todo terreno que se destaca mais devido ao facto de o Sporting jogar preferencialmente só com um trinco, enquanto Rochemback necessita de aumentar o seu ritmo de jogo para poder ser, na pleinitude, o grande jogador que muitos acreditam possa ser.
O grande ponto de reflexão resulta, porém, do facto do meio campo do Sporting ser um quando joga Carlos Martins (mais rápido, com capacidade para rasgar de trás e criativo) e outro quando Carlos Martins não joga (mais lento, lateralizado, previsivel e abusando do jogo directo)
No ataque, falta um ponta de lança de qualidade indiscutivel, o que, desde logo, aumentaria produtividade de Liedson, que é um grande jogador, rápido, lutador, forte no um para um, imprevisivel, criativo e frio na concretização, mas, claro, não consegue centrar e surgir a rematar na área na mesma jogada. Douala é um extremo como poucos no actual futebol português, mas também se sente a falta do tal «target-player».

in http://www.planetadofutebol.com, Luis Freitas Lobo

Concordo com a generalidade, apenas discordo da opinião sobre o lateral esquerdo. “Rui Jorge” e “profundidade” são conceitos que se excluem mutuamente.

Quanto ao resto, é de facto genericamente verdade que este Sporting não levanta o pé quando se apanha a ganhar, o que pode ser bom e mau. Por outro lado, tenho para mim que a razão para o meio campo ser diferente consoante jogue ou não o Carlos Martins tem a ver com a célebre teoria dos “cromos repetidos” e o evidente sub-rendimento de Rochemback e Barbosa.

No mesmo site, sugiro o artigo alargado sobre os reforços de Janeiro. Renunciando ao catálogo e às sugestões de empresários, e baseando-se na simples observação de jogos de vários campeonatos, um jornalista (não um director de SAD) encontra dezenas de jogadores baratos com potencial, da Bolívia à Ucrânia, passando pelo Brasil e a Noruega. Mesmo que nem todos prestem, há pelo menos um esforço de observação, coisa que infeliz e incompreensivelmente parece não existir no nosso Clube.

Este jovem (Freitas Lobo) às tantas, não sendo à mesma lagarto (não sei) se calhar levava a tarefa de prospecção com algum nível :). Não deve ter tanto jeito é para patuscadas com o Sérgio Conceição, Gilmar Veloz e Cia e outros esquemas.

Meus Caros,

Leio muito do Freitas Lobo, e gosto/concordo com quase tudo o que ele escreve…

Pena que os empresários ainda mandem mais…

Talento e temperamento

Um jogador de futebol dentro de um ser humano. Arte e carácter. De Izmailov e Vukcevic a Hugo Leal e Carlos Martins.

Entre as várias classes que se podem criar de jogadores de futebol, existem duas bem notórias numa equipa: os talentos e os operários. Ou seja, os que joga e os que trabalham. Regra geral, os trabalhadores estão convencidos que, como têm um défict técnico inato, só correndo mais, trabalhando mais, conseguem um lugar. Gattuso, o médio flinstone do Milan, diz que é comum, quando vê Kaká nos treinos, perguntar-se como é possível que também ele seja jogador de futebol. Os talentosos, por sua vez, como tem essa superioridade com a bola, crêem que não precisam de trabalhar tanto. Dirão que, nesta divisão, pelo menos os talentos também podem ser trabalhadores. É verdade. E não faltam exemplos. São muitos, porém, os casos de talentos que, ao longo das épocas, com um ego desmedido, menosprezaram o lado operário do jogo e, com isso, desperdiçam o seu talento por questões de temperamento. Aceitam mal quando ficam de fora ou são substituídos. Foram os colegas que não ajudaram, o treinador que o pôs fora de posição, o adversário duro demais e, no fim, o mundo que não os entende.
Há talentos, porém, que são tão grandes que resistem a tudo. Mesmo a trabalhar pouco. Maradona, Romário, Stoichkov. Esses, no entanto, são génios. Há, depois, os talentos dito mais terrenos. Os tais que não passam sem também trabalhar aquele dom natural. A ultima década do futebol português, teve alguns casos simbólicos. Dani, terá sido o mais evidente. Quando percebeu que lhe faltava esse espírito de sacrifício seguiu por outra vida.
Alguns nomes em destaque no defeso estão ligadas a esta incapacidade de trabalhar o talento. Carlos Martins e Hugo Leal. Com estilos e contornos bem diferentes. Carlos Martins arrisca cair mesmo no grupo do «casos perdidos». O Sporting, e Paulo Bento, desistiram dele. Superaram-se os problemas musculares, manteve-se o lado indomável do temperamento. Hugo Leal foi, quando surgiu, um projecto de Rui Costa. Não passou disso, mas, nos fogachos de talento que ainda soltou pelos vário cubes, vi sempre reminiscências –curtas, é certo- desse tempo. Passeou sempre uns quilitos a mais. O carácter que Carlos Martins tinha a mais parecia que Hugo Leal tinha a menos. Huelva e Restelo são as próximas paragens para o talento e temperamento de ambos.
Também pensei nesta dicotomia talento-temperamento a propósito de dois novos reforços do Sporting. Izmailov e Vukcevic. Sigo ambos com especial devoção desde as camadas jovens porque vi logo neles um talento imenso. Tanto que pensava por esta altura já estarem na elite dos melhores jogadores europeus da actualidade, apesar de ainda novos. Mas não, continuei a segui-los e as suas proezas com a bola foram quase sempre cruzadas com histórias de desentendimentos com os treinadores, clubes ou equipas onde jogavam. Do que precisam estes jogadores, afinal? Há quem diga que é apenas de carinho, uma conversa mais intimista, capaz de ler-lhes o pensamento. Será. Bem vistas as coisas, aquilo a que o homem aspira mesmo na idade adulta é em reviver na plenitude a sua infância. Mas há, claramente, quem exagere nessa tentativa.

Lembro-me da historia de René Housemam. Era um extremo argentino que eu adorava na minha infância pelos anos 70. Como ele fintava. No Mundial 74, sentou quatro holandeses numa jogada. No fim, até perderam por 0-4, mas com Houseman ninguém brincava. Pois bem, uma vez, quando jogava no Huracan, não apareceu no estágio em vésperas de um jogo que ia decidir o campeonato. O tempo ia passando até que Menotti, o treinador, disse então ao adjunto: «Anda, já sei onde ele está». Saíram e foram ao bairro de Belgrano, onde Houseman vivia. Chegados lá, viram que num pequeno campo de terra se disputava uma peladinha rodeada de gente do lugar. Menoti procura por ele mas não o vê a jogar. Estava sentado no banco de suplentes. Chega perto dele.
«René, que fazes aqui?», pergunta-lhe. «Que faço aqui? –responde Houseman- olhe bem para o titular, é um fenómeno!»
Talentoso e temperamental, ele pensou que o treinador reprovava que fosse suplente sem contestar na sua equipa de bairro e não a ausência do estágio.

Muito bom…