O Sporting dirige-se ao gabinete do seu médico de família para uma consulta de clínica geral. Truz-truz.
- Sim?
- Dá licença, sôtor?
- Entre, entre. - Bom dia, sôtor.
- Ora muito bom dia, Sr. Sporting! Sente-se, sente-se. Então andava zangado comigo? Aos anos que não me fazia uma visita… - Sabe como é, sôtor, isto é Campeonato, Taça, Liga dos Champignons, depois são as reestruturações financeiras, as assembleias gerais extraordinárias e os folhetins… enfim, hoje em dia quase que nem dá tempo para ir ao médico…
- Pois é, pois é… vamos adiando, adiando mas depois o corpo acaba por dar sinal, não é? - É possível que assim seja, sôtor. Mas olhe que eu ando aqui fresco que nem uma alface. Só cá vim por descarga de consciência porque há dois anos apareceram aí uns mariolas a pedir uma AG extraordinária e nas últimas eleições candidatou-se à presidência um ex-inspector da PJ que andava aí a dizer que eu estava muito mal, veja lá bem o sôtor. De modo que olhe, agora que a época terminou e há pouco para fazer, lá arranjei um buraquinho na minha agenda para vir a uma consulta e confirmar que está tudo em ordem.
- Fez bem, fez bem. Até porque o Sr. Sporting não me parece estar com muito boa cara mas vamos já ver como é que isso está. Ora deite-se ali na marquesa e desaperte a camisa se fizer o favor. - É para já, sôtor.
- Nunca o tinha visto com esse equipamento. É novo? - É sim, sôtor. É o novo equipamento alternativo. Sabe que isto agora veste-se o equipamento alternativo tantas vezes como o equipamento principal e praticamente todos os anos se muda o design das camisolas. É por causa daquelas questões do marketing. Assim vendem-se mais camisolas, ganha-se mais dinheiro…
- Então imagino que se sinta muito bem financeiramente, a fazer dinheiro à doida dessa maneira… - …
- Lá iremos, lá iremos. Estava aqui a olhar para o símbolo… também é novo, não é? - É sim, sôtor.
- Não fica a dever nada ao anterior, não senhor. Só noto é que não tem as iniciais do clube no topo. Não sentiu um prurido com esse atropelozinho dos estatutos? - Não, sôtor. Aquilo foi rápido e nem se perguntou nada aos sócios. E além disso, as iniciais só atrapalhavam as estampagens, já para não falar do “C” de “Clube” que já não vai fazendo muito sentido pois sou cada vez menos um clube e mais uma empresa.
- Estou a ver, estou a ver. Deixe-me aqui auscultá-lo com o estetoscópio. Respire fundo… iiiisso. Hmm… Como é que o Sporting se tem sentido das claques? É que estou aqui a ouvir umas dissonâncias que me dão a impressão de que as claques estão a cantar cada uma para seu lado, e não é necessariamente a apoiá-lo… e também ouço aqui um ruído de fundo que não me agrada nada. Não sei mesmo se não será boa ideia fazermos uma raspagem a estes jovens com tatuagens de extrema-direita, porque isto pode infectar. - Nem me diga tal coisa, sôtor. Olhe que sempre me disseram que os meus pulmões eram diferentes dos outros.
- E são, Sr. Sporting, e são. Mas sabe que hoje em dia estas coisas apanham-se com muita facilidade. E a sua vizinhança já não é tão salubre como há 100 anos atrás. Costuma receber em sua casa aquele seu vizinho do outro lado da 2ª circular? - Sôtor, que remédio tenho eu senão deixá-lo entrar. O regulamento da Liga a isso me obriga…
- Pois, isso explica muita coisa. Por falar na sua casa, deixe-me dar uma espreitadela ao Estádio para ver como é que isso está. - Faça de conta que está em sua casa, sôtor.
- Ó homem, você tem isto tudo às cores! É azulejos às cores, é cadeiras às cores… Até azul e laranja por aqui andam. Há quanto tempo é que anda assim? - Sôtor, desde que construíram o novo estádio. Está assim às cores porque é moderno, e olhe que o arquitecto que idealizou a obra é muito famoso e conceituado! Até participa em filmes, segundo dizem…
- E puseram-lhe aqui um fosso entre as bancadas e o relvado. - Ah, isso é para facilitar a circulação dos camiões.
- Dos camiões? - Sim, sôtor. Dos camiões que trazem o material para os concertos e espectáculos de variedades.
- Estou a ver. E os atletas circulam por onde, agora que já não há pista tartan? - Olhe, sôtor, vou-lhe ser sincero: aquilo do atletismo é muito bonito mas não dá dinheiro nenhum. E sabe como é hoje em dia: se não há capital, tudo corre mal.
- Sendo assim, ao menos que vá entrando algum dinheiro dos concertos… - Então não entra, sôtor? Chega para pagar a mudança de relvado pelo menos duas vezes por ano!
- E é bom que o mude, porque com este arejamento tão fraco ele acaba por apodrecer. (estou a ver que esse arquitecto gosta de sítios pouco arejados). - Diga, sôtor?
- Nada, nada. Bom, mas tudo isto é só o aspecto físico exterior. O que interessa é que por dentro o Sr. Sporting esteja bem de saúde. Ora deixe-me aqui tirar-lhe uma gota de sangue para ver como é que isso anda. - Sirva-se à vontade. A análise demora muito?
- Não demora nada. É só meter a gota de sangue no espectrofotómetro e os resultados saem logo ali no écran do computador. - Veja lá as coisas que eles inventam. Qualquer dia metem um homem a caminhar na Lua…
- Até dá para ver se você tem sangue aristocrata, se quiser… - Ó sôtor, mas para isso não é preciso análise nenhuma, basta ver o pedigree e olhar para o número de consoantes no apelido.
- (fia-te na virgem) - Como disse?
- Disse que a análise já está pronta. Vamos lá ver o que ela nos diz. Hm… hm… Pois… Então, Sr. Sporting, isto anda muito fraquinho de títulos… E vejo que está aqui com uma hemorragia de espectadores no Estádio. Está a ver este gráfico aqui? O número de Gameboxes vendidas está a descer há 5 anos consecutivos. - Sabe como é, sôtor, uma coisa leva à outra. Se as pessoas não vão apoiar e não pagam o dízimo ao clube, não se consegue arranjar dinheiro nem incentivo para formar uma equipa forte e levar-me às vitórias.
- Não será antes ao contrário, Sr. Sporting? Se calhar por não se formarem equipas fortes e não se conseguirem vitórias é que as pessoas perdem a vontade de ir ao Estádio e de pagar as quotas. - Ora essa, sôtor. É certo que já lá vão 8 anos desde a última vez que ganhei o campeonato, mas entretanto já levo aqui umas taças e supertaças no bornal que não são de desdenhar…
- Bem vejo, bem vejo. E também já aí leva um 4º lugar e umas goleadazinhas históricas no mesmo intervalo de tempo. De resto, os 2 últimos campeonatos que aqui constam parecem mais um acidente de percurso do que outra coisa. - O médico aqui é o sôtor, mas se quer que lhe diga não achei nada graves essas goleadas. Afinal de contas, isto é futebol, sôtor. A bola é redonda, são 11 para cada lado e portanto pode acontecer a qualquer um…
- Sem dúvida. E a si aconteceu-lhe 4 vezes no ano passado. Duas frente ao Bayern e duas frente ao Barcelona. - Colossos, sôtor! Colossos! Está bom de ver que contra equipas com orçamentos muito superiores, acidentes desses são pouco menos que expectáveis.
- Mas olhe que o Sr. Braga (sei-o porque também sou médico dele) não tem um orçamento por aí além e este ano vai ficar em 2º lugar, com mais 20 pontinhos do que o meu amigo, e ainda é capaz de levar 8 mil adeptos aos jogos fora… - Ó sôtor, o exemplo que o sôtor foi buscar. Então toda a gente sabe que isso só é assim porque o Sr. Braga tem lá um tipo muito ladino com ligações obscuras e que consegue ir buscar bons jogadores a excelentes preços, não sei se o sôtor já ouviu falar…
- Já, já. É o Carlos Freitas, que também já esteve consigo. Mas se calhar dessa vez virou a esperteza para outro lado. E se era assim tão bom não sei porque é que o Sr. Sporting o mandou embora. Mas deixemos de falar dos outros porque já parecemos duas beatas e eu sei que o meu amigo só gosta de charutos. Além disso, estamos aqui para o examinar a si. - Se o sôtor insiste…
- Insisto, sim. ora vamos lá ver como é que isto tem estado de treinadores. Credo, homem! Este Paulo Bento é um treinador ou uma carraça? Que mal é que você lhe fez para ele andar 4 anos agarrado a si? E a seguir vem um Carlos Carvalhal e agora um tal de Paulo Sérgio… você tem que se tratar melhor, homem! Então já olhou para a experiência e currículo destes treinadores? - Jovens ambiciosos que não pesam no orçamento, sôtor…
- Pois é, meu amigo. Mas nunca ouviu dizer que às vezes o barato sai caro? - Assim é, sôtor. Mas também lhe digo uma coisa: com as equipas que tenho tido, vir o Emplastro ou o José Mourinho para treinar, acaba por dar no mesmo.
- Não diga isso, Sr. Sporting. O Sr. Sporting tem tido aqui jogadores com muito valor e potencial, então olhe para isto: Liedson, Moutinho, Veloso, Adrien, Rochemback, Vukcevic, Izmailov, Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma, Nani, Saleiro… o seu problema são estes jogadores em 2ª mão que lhe têm impingido, olhe lá: Bueno, Alecssandro, Farnerud, Marian Had, Koke, Celsinho, Tiuí, Ronny… Enfim, nós estamos sempre a dizer: “comprem bem, vendam melhor”, “protejam os investimentos”, “cuidado com os empresários”, mas vocês não ligam nenhuma e depois é isto que se vê. - Falar é fácil, sôtor. O pior é fazer. E já se sabe que quando não há dinheiro…
- Sr. Sporting, vamos ali à máquina de Raios-x Financeiro tirar uma radiografia. Encha lá o peito de ar. - Assim, sôtor?
- Mais, homem! Faça de conta que tem que fazer uma carga de ombro ao Bruno Alves ou ao Luisão. - Ai, sôtor, não me diga isso que até me dá uma fraqueza nas pernas. Olhe vou mas é pensar no orgulho que tenho por o Cristiano Ronaldo ter sido formado nas minhas escolas, que isto enche num instante, pode ser?
- Como queira. Agora aguente assim 3 segundos. Pronto, vamos lá ver essas finanças. Hmm… pois é, meu amigo, pois é… Isto aqui está com muito mau aspecto. Olhe, para começar, tem um passivo tão grande que nem cabe na radiografia, portanto nem lhe sei dizer de quanto é no total. Mas só em orçamentos para o futebol vejo aqui um prejuízo de 100 milhões de euros em 10 anos. Além disso, do património imobiliário que tinha, já só aqui vejo o Estádio e a Academia… e até é capaz de ficar sem esta daqui a uns anos. E como se tudo isso não bastasse, vejo aqui umas manchas com muito mau aspecto que eu nem sei o que são. Está a ver esta sombrazinha aqui? Isto aqui nem sequer me deixa ver bem o fluxo de dinheiro dos últimos 15 anos. Aliás, eu mandava-o já ali à máquina de Auditoria por Ressonância Magnética mas cada exame custa 1 milhão de euros… - Ó sôtor, isso é um balúrdio! Prefiro nem saber o que tenho…
- Pois, assim poupa no dinheiro e no embaraço, não é? - O sôtor conhece-me tão bem…
- E gostava de o conhecer por muitos e longos anos, Sr. Sporting, mas nas condições em que o vejo não sei o que vai ser de si. Como é que você se deixou chegar a este estado, homem? - Sôtor, quem o ouvir até pensa que eu estou com os pés para a cova.
- Olhe que já lhe faltou mais, meu amigo… - Por esta é que eu não estava à espera. Então ainda no ano passado fui ao endireita e ele jurou-me que eu já não estava tão bem de saúde desde o tempo dos 5 violinos…
- O endireita disse-lhe isso? Pois olhe que eu tenho aqui à minha frente o seu historial clínico e aquilo que vejo é que o Sr. Sporting já não está tão mal desde a era do Jejum. Mas nesse tempo ao menos ainda tinha um grande património e os sócios e adeptos tinham esperança no futuro, e agora nem isso há… - Longe de mim duvidar das suas competências, sôtor, mas se há quem diga que estou na melhor fase da minha história desde os 5 violinos e o sôtor diz que estou na 2ª pior fase da minha história, não será apenas uma questão de optimismo ou de perspectiva? Não estaremos perante uma daquelas situações em que há quem olhe para um copo com água e o veja meio-cheio enquanto outros o vêem meio-vazio?
- Ouça, homem, o copo está bem cheio mas é de tintol e o endireita deve tê-lo bebido de penalty antes de lhe dizer uma coisa dessas. - Agora que fala nisso, uma vez estava eu num almoço de núcleo e pareceu-me ver lá o endireita muito bem disposto e agarrado a uma garrafa de…
- Deixe lá o endireita. O que nos interessa agora é saber como é que você se pôs neste estado para ver se eu lhe indico a terapêutica adequada. Diga-me: Como é que se tem sentido dos seus órgãos sociais? - Perdão?
- Sociais, Sr. Sporting, órgão sociais! Quero saber se tem sentido dores no Conselho Directivo, no Conselho Fiscal, no Conselho Leonino… - Sôtor, nem me fale em Conselho Leonino porque ontem houve uma reunião e por pouco não tive uma congestão por causa dos croquetes que serviram. Mas tirando isso, os membros dos meus órgãos sociais são do mais refinado e selecto que pode haver. Há 15 anos que são compostos apenas por indivíduos provenientes de famílias bem, todos muito sportinguistas, com diplomas na área de economia e gestão e bom nome na praça.
- Qual praça? - Na praça Marquês de Pombal, aquela ao pé do Banco Espírito Santo. Mas não nego que senti um ligeiro desconforto quando o José Roquette, ainda por cima bisneto do meu fundador, assumiu que não ligava muito ao desporto e que quando era miúdo só gostava de ténis. Outra vez tive uma quebra de tensão quando vi o Dias da Cunha com um cachecol do FCP ao pescoço. E já fiquei várias vezes de cama com febre ao ver presidentes de braço dado com o Pinto da Costa ou com o Luís Filipe Vieira.
- Portanto, o que o meu amigo me está a querer dizer é que sente que os seus Conselhos Directivos não têm defendido os seus interesses frente aos adversários. Aliás, nem precisa de mo dizer porque é isso mesmo que eu constato nas análises e no raio-X. Veja aqui esta questão da venda dos terrenos do antigo Estádio e das licenças camarárias: os dirigentes podiam ter feito mais qualquer coisinha. E o mesmo digo da alteração dos estatutos da Liga e das negociações de empréstimos com a Banca. Ora dê-me o seu braço para vermos essa pressão arterial… FFF, FFF, FFF… - Então, sôtor?
- Bem me parecia. O Sr. Sporting está com uma pressão baixíssima! Os seus dirigentes têm feito muito pouca pressão e assim é impossível que o meu amigo se aguente e veja os seus interesses defendidos! - Ó sôtor, saiba que os meus dirigentes são pessoas com um grande sentido de urbanidade e têm uma imagem de seriedade a defender! Não se podem despir dos seus escrúpulos ou bater o pé como uma criança até conseguirem o que querem…
- Mas já se despem dos escrúpulos quando se trata de ludibriar e sonegar informações aos seus próprios sócios, não é? E já não se coíbem de fazer birrinhas ou de ameaçar bater com a porta quando se trata de querer que os sócios aprovem os seus projectos, não é? Adiante. Há mais algum sintoma de que me queira falar? - Olhe, ultimamente tenho sentido comichão de cada vez que o Zé Bettencourt abre a boca para falar. Começou quando ele fez aquela figura de parolo na tomada de posse como presidente, depois agravou-se quando ele disse “trampa” em directo numa entrevista à rádio e agora até já evito ouvi-lo para não passar o tempo a coçar-me.
- Pois… de facto não é muito normal e vamos ter que tomar atenção a isso. Diga-me outra coisa, como é que se tem sentido da sua dinâmica de vitória, do seu espírito sonhador e do seu sentimento de grandeza? - Agora que fala nisso, estou a lembrar-me que fiquei aqui com uma úlcera que ainda não sarou, quando um dirigente veio dizer que “o 2º lugar no campeonato não é assim tão mau porque se vai na mesma à Liga dos Campeões e nem é preciso pagar prémios aos jogadores”. E também tenho aqui um hematoma desde que ouvi o presidente dizer que não podemos competir ao nível do FCP e do SLB porque somos mais pobrezinhos do que eles.
- Hmm… e do seu espírito associativista, como é que o meu amigo se tem sentido? - Assim de repente, lembro-me que me senti muito mal quando me vi presidido por um indivíduo que chegou a defender um Sporting sem sócios e só dedicado ao futebol.
- Sentiu-se mal? Olhe, eu fico admirado é por não ter ido parar às urgências, até porque estou aqui a ver nas análises que só metade dos sócios é que tem as quotas em dia e nem um pavilhão para modalidades tem. Eu nem sei como é que o Sr. Sporting, que é um clube ecléctico e cheio de tradição em todo o tipo de desportos, se tem aguentado sem um pavilhão. - Olhe, lá me tenho aguentado…
- Pois tem, Sr. Sporting, tem-se aguentado, mas na corda bamba e a sua história não pode ser um circo. Então o Sr. Sporting anda com estas queixas todas há tanto tempo e só agora é que aqui aparece? Eu devia dar-lhe um puxão de orelhas! Para terminar, diga-me já agora: como é que vai o seu espírito de pluralidade? - Ai que agora é que o sôtor me vai ralhar com força… eu até tenho vergonha de lhe contar isto…
- Diga… - Olhe, fiquei com umas dores que nem imagina, quando um grupo de sócios apareceu no Estádio com umas faixas de protesto contra o meu estado actual e foi corrido à bastonada pela polícia. E pouco tempo depois o Zé Bettencourt recusou-se a um debate com o outro candidato, aquando das últimas eleições. Foi como se me dessem uma bofetada na cara. E ainda nem tinha recuperado do choque quando o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o Dias Ferreira, escreveu uma crónica a chamar filhos-da-p*ta aos sócios que se manifestavam contra a direcção, e quando o presidente tentou dar porrada a um sócio que pedia a demissão do Pedro Barbosa… andei muito mal nesses dias, sôtor… muito mal…
- Ai, Sr. Sporting, Sr. Sporting… isso que me está a dizer é muito grave. Então e não podia ter cá vindo antes para tratar desses problemas todos? - Ó sôtor, sabe como é… uma pessoa vai deixando, vai deixando, à espera que os problemas se resolvam por eles próprios, e acaba por se habituar. E depois já sabe que eu não me dou bem com mudanças e confusões. Aprecio muito a estabilidade e como sem continuidade não se consegue estabilidade…
- Ora repita lá? - Ó sôtor, isto comigo é “evolução na continuidade”, como dizia um sábio chinês, se não me falha a memória…
- Sr. Sporting, mas há quanto tempo é que não “evacua”? - Como assim, sôtor?
- Queria eu dizer se costuma ir à casa-de-banho com frequência… não tem “renovado” o seu “interior” nas eleições para os órgãos sociais? - Sôtor, eu expulso qualquer coisinha de vez em quando até porque se não o fizer, os sócios e adeptos começam a barafustar. Mas o núcleo duro das pessoas continua por cá e quando não são as mesmas, são colegas, amigos ou familiares que dão seguimento ao trabalho dos seus antecessores e mantêm a mesma mentalidade. Assim sem fazer grandes contas, diria que já vai para 15 anos que não faço uma grande…
- Não precisa de dizer mais nada porque já percebi tudo. Sr. Sporting, eu vou prescrever-lhe uma receita e espero que o meu amigo a avie na farmácia mais próxima e comece o tratamento ainda hoje, está bem? - Muito bem, sôtor. Assim farei… Dulcolax Extra-Forte? Ó sôtor, mas isto não é para…?
- É isso mesmo que está a pensar. É o que o Sr. Sporting precisa: de deitar cá para fora a trampa toda que aí tem acumulada e acomodada há 15 anos. Já que ela não sai por ela própria, e nem com eleições a tiram de lá, tem que sair à força. Casos drásticos exigem medidas drásticas. - Pronto, o sôtor é que manda. Obrigado e até á próxima, esperemos que com uns quilinhos a menos…
- Olhe que deixou cair qualquer coisa do bolso! - O que… ai que ando mesmo despassarado, é o Sonho do Fundador! Desde que o Soares Franco disse que não posso ficar amarrado ao Sonho do Fundador, passo a vida a perdê-lo. Se não fosse o sôtor, já me esquecia dele. Mais uma vez, obrigado!
- Adeusinho, Sr. Sporting, e as melhoras. Olhe já agora faça-me o favor de chamar o Sr. Boavista quando sair, que ele também está à espera de consulta. - Por acaso o Sr. Boavista é um que costuma vestir de xadrez?
- Sim, é esse mesmo. Mande-o entrar. - É que deu-lhe o badagaio quando estávamos na sala de espera…
- Não me diga. Olhe, é o que lhe pode acontecer a si se não começar o tratamento hoje mesmo.
© Eddie Verdde 2010
