Por muito paradoxal que isto possa parecer, apoio totalmente a instauração do video-árbitro, mas não acredito que venha resolver grande coisa - talvez mesmo venha a piorar, porque irá acrescentar legitimidade ao erro interpretativo.
Vejamos:
O video-árbitro é uma ferramenta de auxílio, que pode ser muito preciosa na restauração de alguma verdade desportiva, mas o problema do futebol está muito para lá deste ou outros meios: está na ética instalada e na forma como o que resta de “desporto” nesta modalidade vai sendo corrompido ano após ano.
Quem, honestamente, pode garantir que os “árbitros-visualizadores” não vão agir com o mesmo sentido tendencioso, quantas vezes à cara-podre, como faziam e fazem, despudoradamente, à vista de milhares de pessoas, em pleno estádio, com a vantagem de estarem agora a coberto do recolhimento numa salinha retirada das vaias das multidões que enganam, quantas vezes à cara podre?
Alguém acha, seriamente, que as mesmíssimas pessoas que não têm pejo algum de deturpar o sentido desportivo à vista de todos, mudarão as “tendências de interpretação”, numa situação em que nem à vista estarão?
Dirão: “…mas a França, no outro dia, perdeu um jogo que, não fosse o video-árbitro, ganharia em cima dos equívocos do costume!”. É certo, mas também sabemos que nos jogos-teste, pelo escrutínio a que estão naturalmente sujeitos, tendem a correr sempre bem ou pelo melhor. Será que, com a actividade corrente, as coisas continuarão assim e os “brindes” irão desaparecer de vez?
As regras do futebol permanentemente actualizadas e cuidadas e a existência de árbitros em campo, à partida, também seriam suficientes para assegurar a seriedade arbitral e equidade dos jogos. E é isso que se passa?
E, se não é, porque é que não é? Porque a pressão dos interesses, o medo instalado que os serve ou até a mera desonestidade (intelectual e outras) dos envolvidos assim o dita.
Sim, sou a favor de tudo o que possa ajudar - novas-tecnologias, novos meios, tudo! Mas enquanto isso não for acompanhado que uma formação que garanta a ascensão dos árbitros à condição ética de juízes imparciais e eficazes, objectivo que nunca deviam ter perdido, muito menos em nome da conveniência, da má fé ou resultado da cobardia, não acredito que valham de grande coisa.
Alguém pressionado, com medo, ou simplesmente desonesto, é-o em qualquer lado, seja em campo, seja fechado numa salinha com uma miríade de imagens: vê o que quiser ver, o que a sua submissão lhe ditar, o que o seu medo lhe impuser, o que a sua sanha lhe indicar como mais proveitoso. E, no fim, eventualmente, irá também ser premiado com um qualquer voucher, como os outros.
Na verdade, não temos a garantia que não seja só uma questão de mais ou menos vouchers - todos imaculadamente “legais”, como é óbvio, ou como, pelo menos, a tal “honestidade da conveniencia” nos quer impor à vista, qual areia às pazadas.
Aliás, acredito piamente que nalguns lugares, neste preciso momento, já se devem estar a preparar as “estratégias muito profissionais” com que se irá dar a volta a mais este “contratempo”, garantindo que, uma vez mais, que o que se muda não impeça que tudo fique na mesma.
E nem é preciso fazer muito diferente:
Os protagonistas foram escolhidos e arregimentados há muito, pelo “investimento” na “orientação” que foi dada aos cursos de árbitros;
As instituições estão devidamente capturadas por correlegionários dos interesses ou gentes submetidas pelo incómodo, pelo medo ou pela mera cobardia, como mostra o “brilhantismo” das suas consecutivas decisões;
E a comunicação social que continuará de joelhos, manietada, submetida e ao serviço de “cartilhas” (tão “profissionais” quanto ditam os padrões de profissionalismo norte-coreanos), a sustentar e vender a realidade alternativa dos interesses do costume e a “limpeza” dos sucessos auxiliados, sempre “fortuitamente”, pelo “erro humano”… “que faz parte”.
A única “novidade”, talvez seja a introdução de um maior “profissionalismo” (do tal norte-coreano) nos cameramen das transmissões, seguindo as boas práticas do procedimento “cartilheiro”: o que se filma, o que não se filma, como se filma, quando se desfoca, etc, etc. Talvez até quais as alturas melhores para certas câmaras filmarem a Lua ou haver “problemas técnicos”, daqueles que “fazem parte”, para que os árbitros-do-vídeo sejam convenientemente “elucidados” aquando do visionamento.
Ou muito me engano ou as transmissões feitas por equipas das televisões dos próprios clubes irão tornar-se de fulcral importância. Para quem as tem e é “muito profissional”, obviamente. Ou até, em alternativa, colocações de “filmadores-chave” nas tv’s generalistas.
O que não deixa de ser bom para os profissionais das transmissões: cheira-me a que câmaras, produtores, realizadores, etc, vão passar a valer o seu peso em ouro! Ou pelo menos em vouchers, que sempre é mais “profissional”.
“Ah, e tal… pode também haver regras para isso…”. Pois! Tal como há regras para tudo o resto. Como por exemplo para as claques, para a disciplina, para os relatórios dos observadores, para o jogo em si, etc, etc.
E, durante algum tempo, esgotar-se-ão argumentos legitimadores como “foi o que ditou o video-árbitro, não há volta a dar-lhe”, ou “o ângulo proporcionado não era o melhor”, ou “agora que há video-árbitro ainda se queixam? O que é que querem mais?”
Na verdade, aquilo que, mais video-árbitro, menos video-árbitro, se quer é bastante simples: honestidade, equidade e seriedade no melhor sentido desportivo. Mas isso depende das pessoas e do seu comportamento quando são chamadas a interpretar e não das tecnologias usadas, por muito que estas possam potencialmente ajudar e boas que sejam à partida.
Quando chegar a hora das decisões, veremos se as “tendências da estação” também mudam. No meu caso, penso que apenas mudarão de meios. O fim continuará a tender para o mesmo.
Ou muito me engano, ou fenómenos como Jorge Jesus ou Maxi Pereira terem passado a ser mais expulsos por época do que em todas as sua estadias anteriores numa paregem comum, com a mesma lei e regulamentos, e outras que tais (tantas e tantas situações do género que já nem vale a pena enumerá-las), irão também ter a sua correspondência naquilo que será abrangido pelo raio de acção do video-árbitro.
Porque entre o video e o árbitro continuará a estar incontornávelmente a interpretação. O que se vê e o que não se vê, o que se quer ver e o que não se quer ver, devidamente ajudados pelo “angulo proporcionado” que tantas vezes não irá ser, convenientemente, “o melhor”.
Até porque é uma peça auxiliar da justiça desportiva que se monta em cima de um produto mediático comercial, coisa que o “profissionalismo” cartilheiro não deixará de aproveitar, seguramente.
Errar, irá continuar a ser… humano. E a “fazer parte”. Mas agora mais inquestionável, porque sancionado pela “sublime” nova tecnologia. Os “profissionalismos” irão evoluír para assegurá-lo também nesta nova área. Aliás, já devem estar a ser “evoluídos” neste momento. Porque isso é que é ser “profissional”.
Esperemos que este mau augúrio seja apenas um sonho mau meu. Esperemos que esse meio auxiliar venha a auxiliar verdadeiramente a transparência do jogo, a competência das decisões arbitrais e a equidade de condições desportivas, para todos, e não apenas auxiliar aqueles que, neste ambiente terceiro-mundista vigente, são crónicamente mais auxiliáveis e auxiliados do que os outros.
Estou a favor da introdução? Sim.
Tenho fé que tem potencial para melhorar as coisas? Sim, mas …é apenas fé ou desejo.
Creio na sua eficácia? Por cá, …só depois de ver (e lá por fora, também)!
Creio que o “profissionalismo” o deixará em paz? Não, de todo.
Creio que as instituições conseguirão mantê-lo a salvo de interferências “orientadas”. Não, não e não!
Infelizmente, naquilo em que o futebol actual se tornou, não dá para acreditar em grande coisa.
Veremos!